Revista Rua


O silêncio nos morros: relações de sentido silenciadas presentes nos livros Abusado e Cidade Partida
The silence in the hills: sense relations silenced in such books Abusado and Cidade Partida

Felipe Rodrigues

discursiva, uma outra região de sentidos, que talvez não interesse dentro do que se convencionou fazer circular nos meios de comunicação da chamada grande mídia.
Pode-se dizer que toda denominação apaga necessariamente outros sentidos possíveis, o que mostra que o dizer e o silenciamento são inseparáveis, com uma contradição implícita nas próprias palavras. Mas, nesta política do silêncio, que é a censura, há uma interdição do dizer, assim como na censura – embora se refira a um campo estritamente discursivo. (ORLANDI, 1997, p. 20).
 
Deontologia
 
A deontologia marginal* vivida nos morros do Rio de Janeiro diz respeito a representações discursivas acerca de um modo de viver diferente, com normas de conduta adotadas por criminosos e a população local dos morros. Trata-se da identificação de uma “lógica” própria que funciona à margem da sociedade e do próprio discurso formado pelo imaginário popular a respeito da vida nos morros cariocas.
Mendigos, pedintes, vagabundos e marginais povoaram historicamente os espaços sociais, constituindo universos estigmatizados através de séculos. As diferentes localidades estabelecem regras próprias de convivência, silenciadas na maioria dos discursos presentes nos meios de comunicação. Há uma ética singular que serve de orientação às atitudes que venham a serem tomadas nos diferentes lugares de uma cidade. Se em zonas nobres as pessoas vivem em condomínios fechados, coberturas de apartamentos ou mansões, nas periferias observa-se uma espécie de deontologia marginal.
As pessoas convivem com normas de conduta ditadas pelos traficantes, donos do morro, muitas vezes considerados o verdadeiro prefeito, dada à distância dos locais em relação ao poder público. Um universo discursivo novo, que faz sentido especial a essas pessoas. O discurso não se trata apenas de transmissão de informação, e também não há linearidade na disposição dos elementos de comunicação, como se a mensagem resultasse de um processo. A Análise do Discurso vai compreender como os objetos que produzem sentidos, analisando os próprios gestos de interpretação que ela considera como atos no domínio simbólico, pois eles intervêm no sentido. A Análise do Discurso

* Termo extraído do livro Cidade Partida, de Zuenir Ventura (1995)