Revista Rua


O silêncio nos morros: relações de sentido silenciadas presentes nos livros Abusado e Cidade Partida
The silence in the hills: sense relations silenced in such books Abusado and Cidade Partida

Felipe Rodrigues

Cidade Partida
 
Zuenir Ventura (1995) analisou a deontologia marginal que percebeu no morro carioca de Vigário Geral como um sistema de regras totalmente diferente do da cidade. Há uma minoria de traficantes que domina o morro, possuem o poder. O poder militar que eles têm é resultado dos melhores armamentos, além do poder econômico por conta do volume financeiro, cujo maior movimento de dinheiro é do trafico. E em consequência se tem o poder político também.
                                                                                       
Então o que acontecia os bandidos estabeleciam essas regras se você não infringir, se o morador não infringir, não delatar, não desobedecer às leis e prescrições, tudo bem, ele não é incomodado. Então é mais fácil entender isso que a prática da polícia que é o braço da lei. Os caras vão lá fazer cumprir a lei, para proteger o cidadão e você se surpreende às vezes com essa polícia tomando dinheiro, invadindo, tentando violentar menina (VENTURA, 1995).
 
Não há nos grandes meios de comunicação construções jornalísticas que levem em conta toda esta representação a respeito da violência no próprio morro do Rio de Janeiro. E aí está uma das grandes contribuições da Análise do Discurso, que deve observar os modos de construção do imaginário necessário para concretizar a produção de sentidos. Por não negar a eficácia material do imaginário, a análise torna visíveis os processos de construção de um sentido que, ainda que imaginário, é necessário e indica os modos de existência e de relação com o múltiplo. Sabe-se que essa dispersão dos sentidos e do sujeito é a condição de existência do discurso, mas para que ele funcione, ele toma a aparência da unidade (ORLANDI, 1997, p. 20).
Com a omissão do Estado, chefes do tráfico ganham o respeito da população e também a sua ajuda. Segundo Zuenir Ventura, Flávio Negão diz que a população gosta muito dele. “Lembra que logo depois da chacina mandou repor, na rua principal, as trinta lâmpadas quebradas pela PM” (1995, p. 107). O traficante atua como o homem que representa a lei na favela de Vigário Geral:
 
Às onze horas, alguém avisa: “Olha lá, os caras já chegaram”.(...) A PM lá em cima como se estivesse numa torre tomando o comando de um campo de concentração, os traficantes ali ao lado do orelhão, armados(...) Todos são revistados ao entrar ou sair. Nessas ocasiões, as agressões policiais são comuns. A adolescente negra, bonitinha, que há pouco interpretava um dos papéis principais na peça do Teatro do Oprimido, foi bolinada na véspera quando era revistada. (VENTURA, 1995, p.65)