Revista Rua


O silêncio nos morros: relações de sentido silenciadas presentes nos livros Abusado e Cidade Partida
The silence in the hills: sense relations silenced in such books Abusado and Cidade Partida

Felipe Rodrigues

 

pessoas a abandonarem as ruas, suprimindo a participação neste espaço público. Mostra-se o produto e não se faz pensar o processo de produção da violência com todos seus complexos ingredientes. Mais um elemento para a diluição (ORLANDI, 2010) do lugar do Estado na relação com a sociedade.
Este artigo aborda a Análise do Discurso em dois livros-reportagem e o tratamento extensivo dado pelas obras à questão da violência. Abusado, livro-reportagem de Caco Barcellos (2004) e Cidade Partida, livro-reportagem de Zuenir Ventura (1995) sobre a Chacina de Vigário Geral e suas consequências, em 1995, são livros que buscam uma abordagem diferenciada da temática da violência e que podem deixar ver diferentes camadas de uma mesma temática. O estudo avalia o que é chamado de deontologia marginal, que é mostrada nos dois livros. O termo se refere a uma ética própria que guia os princípios morais nos morros, destacando a pluralidade da percepção de mundo neste local. Ética que é silenciada pela produção midiática dos meios de comunicação tradicionais.
Parte-se da hipótese de que o livro-reportagem estende a função do jornalismo convencional, comprometido com uma linha de produção de ritmo industrial e voltado ao dia-a-dia. Com uma autonomia maior, o autor pode escolher a abordagem que considera ideal e, assim, conduzir os acontecimentos da maneira que julgar correta, desvelando o silêncio. O livro-reportagem pode conter temas que correspondam com maior fidelidade ao real, com um tratamento textual que sirva de elo entre leitor e mundo.
 
Desvelando o silêncio
 
Eni Orlandi (1997) discute as diferentes formas de silêncio das palavras, em que entra em questão o tomar a palavra, obrigar a dizer, fazer calar, silenciar. Trata-se aqui do silêncio no sentido constitutivo da linguagem, em que todo dizer cala algum sentido necessariamente. É o silêncio que atravessa as palavras, que existe entre elas, ou que indica que o sentido pode sempre ser outro, ou ainda que aquilo que é o mais importante nunca é dito.
Isso pode ser feito de forma intencional, pela política do silêncio, nesse caso, o silenciamento ou censura, política em que se produz um recorte entre o que se diz o que não se diz. É o não-dito necessariamente excluído, quando se apagam os sentidos que se quer evitar, sentidos que poderiam instalar o trabalho significativo de outra formação