Revista Rua


Cidade narrada, tempo vivido: estudos de etnografias da duração
City told, Time lived: Studies in Ethnography of the Duration

Ana Luiza Carvalho da Rocha, Cornelia Eckert

trajetórias ritmadas por descontinuidades que mapeiam a cidade em sua pluralidade e complexidade.
O capítulo em DVD situa as narrativas de alguns moradores do Asilo Padre Cacique, em Porto Alegre, como relatos que se interpretam. Para cada um deles, ao se olhar para a seqüência das fotos, agenciadas uma por causa da outra, reconhecemos a acomodação rítmica de uma biografia. Assim, essas imagens contemplam a interpretação de Pedro, de Ludovica, Lídia, Azevedo, Marieta, em suas vozes, seus cantos, suas performances, seus gestos, mas também silêncios, esquecimentos e emoções que são reinterpretados pelo antropólogo em sua escuta ordenada agora em um caráter semântico. Podemos aqui aprofundar para vocês o quanto o pesquisador busca, neste procedimento de narrativa audiovisual, “transcriar”, “as homologias simbólicas que constelam um mesmo tema arquetipal de imagens” (Durand, 1989: 31) em torno do qual cada uma das vidas recontadas orbita e adquire sentido.
Para nós, evidentemente, o que este trabalho de pesquisa revela é a importância de se perscrutar uma etnografia da duração na descoberta da uma identidade narrativa para cada um dos personagens e o lugar que o Asilo Padre Cacique e a própria cidade nela ocupam. Uma especificidade de pesquisa antropológica no contexto urbano para o qual seguimos a teoria de Gastón Bachelard. Estreitamente aderentes às reflexões sobre o imaginário, o tempo e a memória de tais autores, para nós a etnografia da duração se origina, no plano dos jogos da memória, na descrição do movimento e da construção produtiva da vida, gerada a partir de esquemas de pensamento singulares diante dos ultrajes que o tempo lhe submete. As condições epistemológicas para compreender o fenômeno temporal consiste em tratar a memória encerrando os movimentos do pensamento, como fruto de uma construção produtiva e criadora de conhecimento; ela é a expressão, no plano da imaginação criadora, das estruturas dinâmicas da inteligência (Eckert & Rocha, 2005).
De forma mais ampla, podemos sugerir que adotamos para a análise da cidade como objeto temporal as reflexões de Gilbert Durand (1984) e Pierre Sansot (1997) ao situar a produção do fenômeno urbano como parte do trajeto antropológico do homem, e de sua dimensão poética dos arranjos de suas formas, ou seja, o fruto das acomodações das pulsões subjetivas humanas às intimações do seu meio cósmico e social (Durand, 1984: 30). O