Revista Rua


Cidade narrada, tempo vivido: estudos de etnografias da duração
City told, Time lived: Studies in Ethnography of the Duration

Ana Luiza Carvalho da Rocha, Cornelia Eckert

de Walter Benjamin, diríamos que o passado é salvo, no presente, por intermédio do próprio ato da escrita do pesquisador que descobre os rastros de um futuro pressentido, sem que o conheçamos (apud Gabnebin, 1999: 89). Consideramos pertinente trazer a referência de Gabnebin, em seu estudo da noção de história e narração em Walter Benjamin, principalmente quando se refere à obra de Peter Szondi sobre o narrador na “busca de um futuro anterior”. Nesse processo, os relatos biográficos, e na dimensão de identidade narrativa, por sua qualidade peculiar de subverter discursos linearizantes de uma cidade-matéria, postula por uma sabedoria onde “não há nada de idealizante ou de estetizante, mas que é, arrisquemos a palavra, profundamente político” (Gabnebin, 1999: 89).
Neste sentido, a etnografia da duração, grávida desta condição política, faz concordar entre si os símbolos que constituem esta experiência temporal. Neste fluxo, os sujeitos narradores, em suas situações biográficas, reencontram e reconhecem a identidade do “si mesmo” (a “ipseidade”), sensibilizados que estão ao conhecimento de si na condição de sujeitos da cidade para o qual se abrem em dimensões inconscientes mas também altamente transformadoras. As cidades evocadas nos jogos de memória de seus habitantes são por nós contempladas na perspectiva das ditas “hermenêuticas instauradoras” (Durand, 1988), ou seja, espaços de vida onde o fenômeno da ipseidade, integrando as suas narrativas desde um deslocamento essencial, lhes permite reconhecerem-se no tempo no qual vibra a história presente.
Assim como os sujeitos da pesquisa, o próprio etnógrafo, em campo, no contato com seus relatos, se modifica uma vez que sua escuta o força a um deslocamento constante na interpretação das identidades do “si mesmo” dos narradores participantes dos eventos etnográficos, posto que estamos diante de um perpétuo deslocamento de “si”, e que ele postula para o etnógrafo em campo uma alteridade que não é fixa, mas é processo contínuo de reinterpretação, reconstruindo sempre o “si mesmo” a partir da atualidade do evento etnográfico.
Num tal contexto de pesquisa, o da etnografia da duração, os efeitos de realidade que presidem a narrativa etnográfica ancoram-se, ao mesmo tempo, por um lado, na “biografia cognitiva” do antropólogo, ou seja, da ordem da lógica, ou do percurso objetivante de seu pensamento diante do fenômeno por ele investigado e, por outro, de ordem dramática, isto