Revista Rua


Cidade narrada, tempo vivido: estudos de etnografias da duração
City told, Time lived: Studies in Ethnography of the Duration

Ana Luiza Carvalho da Rocha, Cornelia Eckert

é, dos processos subjetivantes a partir dos quais ele designa um sentido a uma série de acontecimentos e situações vividas por ele com seus sujeitos de pesquisa, durante a realização de seu trabalho de campo. Ao final, o ato reflexivo da escrita etnográfica é precedido pela experiência de interação consentida e da escuta atenta do interlocutor que aceita o jogo de trocas que se consolidam nos “encontros etnográficos”.
Ao longo de seu trabalho de campo, quanto mais esquecido de si mesmo, mais profundamente o antropólogo escuta a voz de quem conta, atingindo assim a visão compartilhada daquilo que lhe é contado. A etnografia da duração realizada pelo antropólogo é, assim, devedora das histórias vividas que lhe foram transmitidas e das quais nós, antropólogos, nos apropriamos para produzir teorias e conceitos desde nossa matriz disciplinar. Narramos histórias vividas quando produzimos descrições etnográficas e, com isso, evocamos essas reminiscências seja por meio da escrita, de fotografias, de vídeos ou de filmes.
No sentido de uma etnografia da duração, cada acontecimento vem a ser a condição de interpretação da prática antropológica, cabendo ao antropólogo-pesquisador enfocar, em sua escrita, em sua crônica videográfica ou sonora, ou em seu ensaio fotográfico, a lógica do compartilhamento de suas reminiscências com aquele do qual esta matéria lembrada e evocada resulta. Em outras palavras, implica ao antropólogo se disponibilizar ao papel, em termos epistemológicos, de “guardião” da memória dos grupos com os quais trabalha ou de agente de sua reatualização e retransmissão. Precisamente, tais demandas, de reatualização e de retransmissão no presente de uma matéria para passado, têm apontado, cada vez mais, para o lugar delicado de “mediação cultural” que configura a prática da etnografia nas modernas sociedades complexas.
O encontro etnográfico, portanto, traz este desafio, nos termos benjaminianos: o “dom da escuta”, pois todo o relato sobre os territórios vividos numa grande metrópole acompanham o ato de caminhar na cidade de seus habitantes, lembrando ao etnógrafo a relevância do ato de flannerie como ato que integra a compreensão da vida urbana. Seja pelo ritmo dos deslocamentos que uma grande metrópole encerra como parte de um tempo vertiginoso, seja nos “pontos de amarração” (Bosi, 1987) das lembranças e reminiscências que seus lugares nos ensejam a recordar.