Revista Rua


Cidade narrada, tempo vivido: estudos de etnografias da duração
City told, Time lived: Studies in Ethnography of the Duration

Ana Luiza Carvalho da Rocha, Cornelia Eckert

23), recolocadas pelo autor, tão bem expressam: “o que é afinal o tempo? Se ninguém me pergunta, sei; se alguém pergunta e quero explicar, não sei mais”. Tais aporias tratam, assim, do reconhecimento dramático da ruptura entre o tempo físico e o tempo psíquico, e onde “a questão é pois circunscrita: como o tempo pode ser, se o passado não é mais, se o futuro não é ainda e se o presente nem sempre é” (ibid.:.23).
Para a etnografia da duração junto a diferentes situações de interação e sociabilidade no cotidiano dos habitantes da cidade de Porto Alegre, o procedimento analítico das imagens captadas, das entrevistas e sons gravados, dos vídeos editados, nos motiva a experimentar o exercício interpretativo dessa dialética da memória, entre tempo pensado e tempo vivido, na tessitura da intriga acionada pelo narrador em três níveis de operação, e que estabelece o estatuto da mimética da ação.
Estamos nos apropriando explicitamente dos três níveis da operação mimética (mimeses I, II e III) da ação, propostos por Paul Ricoeur (1997), e que encadeiam os tempos em suas singularidades, da prefiguração, da configuração e da refiguração, respectivamente. Esses tempos de acontecimentos do mundo que nos são narrados durante o trabalho de campo (muitas vezes acompanhados de álbuns de famílias, de recortes de jornais, de objetos de herdados etc.) constituem, para nós, etnógrafos da duração, as mediações simbólicas que tornam presentes os fatos vividos, para os nossos narradores, em sua inteligibilidade narrativa.
Dessa forma, em nossos termos, o ato narrativo passa de um tempo prefigurado da ação, no nível da experiência cotidiana, na ação do mundo como mimese I, e que se transforma em um tempo configurado simbolicamente pela composição narrativa em mimese II (da qual participa o etnógrafo), tendo em vista comunicar uma experiência a alguém (no caso da experiência do trabalho de campo visa a comunidade lingüística do próprio antropólogo). Este terceiro tempo pontua o tempo da alteridade, onde se comunica o narrado para outro alguém, sem que tenha participação da evocação daquilo que foi narrado.
No caso da etnografia da duração, a cidade de Porto Alegre aparece como cenário da cultura urbana local, consolidado em suas feições históricas e sociológicas, graças às sobreposições espaço-temporais a que somente a ordem do espaço fantástico da memória