Revista Rua


Cidade narrada, tempo vivido: estudos de etnografias da duração
City told, Time lived: Studies in Ethnography of the Duration

Ana Luiza Carvalho da Rocha, Cornelia Eckert

biográficas, com as quais estamos habituadas a operar no momento de uma etnografia da duração, importa ressaltar que é o ato de narrar aquele que organiza ritmicamente as lembranças dos “instantes vividos num tempo feliz”, e onde a matéria de toda uma vida pode, finalmente, “vibrar” e perdurar (BACHELARD, 1989). Na rítmica da arte de narrar, o interlocutor arranja, em formas significantes, as representações que integram o semantismo que orienta suas evocações às experiências dos tempos vividos, agora narrados, e onde “o símbolo” ao qual aderem “não é do domínio da semiologia, mas do de uma semântica especial, o que quer dizer que ele possui algo mais que um sentido artificialmente dado e detém um essencial e espontâneo poder de repercussão” (Durand, 1989: 23). Logo, numa etnografia da duração, cada vida narrada ao antropólogo é tomada em sua singularidade. Toda narrativa é apreendida como tendo força interpretativa. O trabalho de pensamento inerente ao ato de configuração narrativa se encerra numa refiguração da experiência temporal (Ricoeur, 1991: 7).
Para essa condição ser aceita, o contexto singular da pesquisa com a etnografia da duração precisa ser evidenciado. Neste caso, é somente por meio da dialética temporal contida no evento etnográfico, reinterpretado pelo contexto pela referência do saber antropológico, que se pode restaurar, por sua vez, o evento da memória narrada em sua significação. Colocar as experiências vividas em narrativa dá um movimento no tempo, da história vivida pelo habitante como anterioridade, tornada presente, agora pública pela narrativa a escuta do pesquisador.
Logo, as experiências temporais narradas ao etnógrafo circulam entre as interpretações etnográficas como construções, no presente, dos tempos vividos e pensados por eles, dando reciprocidade ao deslocamento objetivo e subjetivo de ser-no-mundo, do antropólogo tanto quanto dos seus sujeitos da pesquisa; pois, como postula Paul Ricoeur (1997: 85): “o tempo torna-se tempo humano na medida em que está articulado de modo narrativo; em compensação, a narrativa é significativa na medida em que esboça os traços da experiência temporal” (ibid.: 15).
Essa dialética da vida narrada é situada em Paul Ricoeur a partir do agenciamento dos fatos, sendo então narrativa, “exatamente o que Aristóteles chama de muthos” (ibid.: 63). Esse deslocamento do si-mesmo, configurando o ato de narrar, é a representação do tempo distendido que as aporias de Santo Agostinho (STO. AGOSTINHO apud RICOEUR, 1997: