Revista Rua


Cidade narrada, tempo vivido: estudos de etnografias da duração
City told, Time lived: Studies in Ethnography of the Duration

Ana Luiza Carvalho da Rocha, Cornelia Eckert

e dezembro de 2005, ele conviveu com idosos do asilo através de visitas sistemáticas, observando suas rotinas e escutando suas histórias sobre suas condições de vida, suas trajetórias pessoais, familiares e institucionais, conhecendo a forma singular de interpretarem seus tempos vividos, agora narrados como velhos que pensam o tempo e reinventam sua velhice no cotidiano asilar. No pátio, na ala feminina, na ala masculina, no refeitório, na capela, no subsolo, na enfermaria, na recepção, em todas as instâncias espaciais que conformam a condição de viver asilado, o pesquisador enfatizou o trabalho da memória destes personagens que aceitaram narrar para Lucas suas experiências de vida nessa condição de envelhecimento.
É nessa atualização das experiências vividas na forma narrativa, nesses momentos biográficos, que Lucas pode ouvir e reordenar a história de vários personagens. Trazemos dois parágrafos da própria dissertação para orientar o que queremos destacar em seguida:
 
A memória e o cotidiano imprimem uma temporalidade específica à experiência de envelhecer no asilo. Em cada lugar e momento, ritmos diferentes se impõem: eles estão intimamente relacionados às ocupações dos espaços sociais e às relações afetivas estabelecidas no presente, que servirão de apoio coletivo para a evocação das lembranças. As festas, os jogos, o lazer e a sociabilidade[...] são momentos de efervescência social, que extravasam os hábitos e rotinas diárias e enquadram socialmente a memória. Por essa razão, o acesso as diversas camadas de sentido da condição de envelhecer no asilo depende da participação nos ritmos sociais da instituição.
A temporalidade do Asilo Padre Cacique foi uma chave interpretativa para compreender as minúcias do contexto asilar: as “táticas cotidianas”, que tangenciam as regras institucionais e tornam o asilo “habitável” (De Certeau, 1996); as várias práticas e saberes, constituídos durante a vida de cada velho e legitimados frente ao pesquisador através da narrativa, que explicam a apropriação de outros espaços sociais além da cama, do armário e da cadeira no refeitório; e a reinvenção de trajetórias sociais através da memória, espaço do fantástico (Eckert e Rocha, 2000c), possível justamente pela ruptura com as redes sociais anteriores à entrada no asilo. (GRAEFF, 2005: 12)
 
 
Lucas procede a uma familiarização com moradores do asilo e conhecemos, em seu trabalho visual e sonoro, Pedro, Marieta, Azevedo, Luduvica, Rui e Lidia, que se tornam interlocutores da pesquisa interpretando suas vidas no asilo. Cada narrador se constrói como um personagem na cidade. Não há um discurso sobre o determinismo de ser velho no asilo, mas relatos de tempos vividos e lembrados de si mesmo no âmbito de uma vida coletiva e compartilhada de significações. Em cada narrativa biográfica, as redes anteriores