Revista Rua


Cidade narrada, tempo vivido: estudos de etnografias da duração
City told, Time lived: Studies in Ethnography of the Duration

Ana Luiza Carvalho da Rocha, Cornelia Eckert

espaço urbano aparece, assim, como parte da expressão de uma “fantástica transcendental”, onde se situa o fenômeno da memória, ao permitir aos seus habitantes “remontar o tempo” e perenizar suas ações no mundo (apud Eckert & Rocha, 2005).
No interior de uma etnografia da duração somos desafiados(as) a compartilhar as imagens narradas pelo antropólogo desde o seu encontro etnográfico com o outro e, ao mesmo tempo, convidados a compartilhar nossas próprias imagens e experiências de viver a cidade, resultando, ao final, no entrelaçamento de memórias plurais das quais nasce a cidade como parte integrante de uma comunidade semântica em suas múltiplas interpretações. Não se trata, portanto, de um relato histórico onde o que é narrado nas entrevistas exemplifica ou explica a vida num asilo qualquer, em Porto Alegre, nem sequer retrata a história de um território da vida urbana portoalegrense na forma de um patrimônio externo à vida daqueles que nele habitam. Há, sem dúvida, evocação da vida objetiva sobre o ato de envelhecer numa grande metrópole contemporânea, mas a cidade é convocada, nos relatos dos idosos, como arranjo poético de suas vidas vividas. Ou seja, onde o tempo é arranjado na perspectiva da compreensão das histórias por eles relatadas segundo o fluxo de suas identidades narrativas, ou, como refere Paul Ricoeur, “ora narração histórica ora variação imaginativa, a identidade narrativa não cessa de se fazer e de se desfazer” (Ricoeur, 1998: 428).
Podemos avançar assim na definição de duração nos termos de Gastón Bachelard, para quem a matéria e a vida não se traduzem na simples oposição de sujeito e objeto, elas se reconciliam no movimento de troca incessante entre ambos e, na ausência de um, ainda está lá, automaticamente, a presença do outro. Atendendo-se à idéia de que o tempo é hesitação, assim como a continuidade substancial da matéria só intervém tardiamente, a compreensão da duração bachelardiana exige do estudioso da memória uma singular atenção à vacuidade e à hesitação tanto da matéria quanto da vida, exigindo-lhe uma recusa da idéia ingênua da plenitude do mundo das coisas, posto que a idéia da continuidade do tempo não é um dado em si mesmo, mas uma obra (Eckert & Rocha, 2005 referindo-se ao estudo de Bachelard, 1988).
Portanto, as narrativas, biográficas ou não, construídas na etnografia da duração, intensificam o tempo vivido na cidade, dando espessura ao jogo de memórias. Nos termos