Revista Rua


Cidade narrada, tempo vivido: estudos de etnografias da duração
City told, Time lived: Studies in Ethnography of the Duration

Ana Luiza Carvalho da Rocha, Cornelia Eckert

estrutura da experiência capaz de integrar a narrativa do mundo e a narrativa de si, a narrativa histórica e a narrativa de ficção (Ricoeur, 1998: 138), o que nos orienta ao estudo da identidade narrativa como permitindo ao citadino a interpretação de si, conhecendo-se como sujeito de sua biografia no deslocamento narrativo.
Criticando a tradição filosófica que privilegia o aporte egológico da experiência mnemônica, Ricoeur elabora questões nesta ordem: primeiro “o que lembramos?, seguido da pergunta “quem lembra”?, e, por fim, lança o questionamento “como lembramos”? Paul Ricoeur aqui é claramente crítico à perspectiva da história de vida como método autônomo que confunde a memória de quem narra com uma fenomenologia da memória. Evita-se assim perceber a história de uma cidade presa às modalidades simbólicas de controle do tempo expressas pelos grupos/indivíduos e agenciadas no contexto de seus ambientes psico-históricos. Justamente para romper com a memória da lembrança como uma questão egológica, Ricoeur propõe uma distinção no âmbito do ato da memória das questões “o que” lembramos, “como lembramos” e “quem lembra”, correlacionando o ato (noese) do correlato visado (noeme) (Ricoeur, 2000: 27), ou seja, distinguindo entre a noese que é a rememoração e o noemaque é a lembrança.
Não há assim confusão entre a história da cidade e a memória restaurada na narrativa dos habitantes que tomam a cidade como objeto temporal. Narram sobre o cotidiano, sobre formas de sociabilidade, trajetórias e estilos de interagir e de pertencer, de distinguir e de conviver na cidade que os abriga. Mas essa cidade também os narra, uma representação mais ampla que ultrapassa redes e comunidades locais. Para tanto os habitantes narram esta experiência de acomodar em múltiplas camadas do tempo vivido as trajetórias pensadas. Como sujeitos da ação, narram o quem da ação (Ricoeur, 2000: 424). Ao narrar se constrói como sujeito da ação vivida com significação no presente a partir das imagens que reiteram a questão “como lembramos”: “A identidade do quem é apenas, portanto, uma identidade narrativa” (ibid.). Mas uma identidade que não se perde na egológica da experiência mnemônica, compreendida no sentido de um mesmo (id.), mas uma narrativa que restitui a inteligibilidade dos sentidos “compreendida no sentido de um si mesmo (ipse)” (ibid.:.425).