Revista Rua


De "garganta do diabo" para "ponte sobre o vale do menino Deus": reflexões acerca das práticas sociais e dos modos de designar o espaço público
From "Devil's Throat" to the "Bridge over The God Boy Valley": Reflections about the social practices and the ways to designate the public space

Verli Petri

(...) tem uma memória, desenvolve-se em um espaço próprio, que se construiu por relações entre seres que se significam e significam as relações que sustentam a própria existência deste espaço como um espaço vivido/dividido com seus gestos de significação. (ORLANDI, 2004: 26)
 
Já não seria mais o “Vale dos Diabos”, fora da cidade. Não seria mais o lugar perigoso, a “Garganta do Diabo”, fuga para os desesperados suicidas que buscaram ali a morte, o fim. Afinal, a mudança do nome poderia também promover este espaço público a espaço público urbano, e com isso se teria a tão sonhada “transparência”dos sentidos no discurso sobre o ponto turístico, afastando dele a sombra, a morte, o medo, as outras possibilidades de sentidos, a mancha, a opacidade.
Eis que tem início uma nova Era para o importante cartão postal, imagem constitutiva da cidade de Santa Maria. Esta foi, sem dúvida, a conclusão precipitada a que muitos chegaram à época, pois as relações entre prática social e modos de designar não se transformam assim tão rápida e diretamente, como alterou-se o nome. Passaram-se oito anos (até o presente momento, estamos em 2010) e a história/memória perdura, insiste, ressoa, retorna; mesmo que sendo dita, oficialmente, de outra forma, a referência ainda é “Garganta do Diabo”. É ainda do alto da serra, de cima do “Viaduto sobre o Vale do Diabo”, da “Garganta do Diabo”, que o forasteiro (o viajante, o turista, o militar, o estudante) lança o primeiro olhar sobre a “Santa Maria da Boca do Monte”, cidade “Coração do Rio Grande do Sul”[4], representada romanticamente da seguinte forma num desenho que imita o mapa do Rio Grande do Sul:


[4] Esta denominação remete à posição geográfica do município que fica na região central do estado, mas também é o centro de sua própria micro-região. Esta denominação inspirou a escolha do símbolo do time de futebol da cidade, já foi usada em campanhas eleitorais, está vinculada à outra denominação que refere Santa Maria como “Cidade Cultura”; enfim, já é constitutiva de várias práticas sociais.