Revista Rua


De "garganta do diabo" para "ponte sobre o vale do menino Deus": reflexões acerca das práticas sociais e dos modos de designar o espaço público
From "Devil's Throat" to the "Bridge over The God Boy Valley": Reflections about the social practices and the ways to designate the public space

Verli Petri

DE “GARGANTA DO DIABO” PARA “VALE DO MENINO DEUS”[2]
 
Relatos de populares revelam que o vale existente entre as montanhas, que caracterizam a “Garganta do Diabo”, em Santa Maria, era um espaço de difícil ocupação, o que foi comparado com algo próprio ao diabo. Mais de 50 anos já se passaram e hoje a “Garganta do Diabo” é um dos cartões postais da cidade. Trata-se de um ponto turístico bastante fotografado e associado à cidade de Santa Maria, o que promove uma espécie de litígio entre a forma de nomear e os modos de significar este lugar. É este espaço de contradição entre o “lugar”, o nome e as possibilidades de produção de sentidos que nos interessa observar. De fato, a contradição maior se dá entre a dificuldade de outrora e a facilidade da atualidade, quando se nega a memória e se tenta estabelecer uma história oficial diferente. Há necessidade de apagar o diabo, o mal, a dificuldade, em prol do estabelecimento de uma história que inclui o menino deus, o bem, a facilidade.
Nosso ponto de partida é o de quem lança um olhar sobre o espaço urbano como um todo. Num primeiro plano, estabelece-se uma interessante relação com o modo de nomear a cidade regularmente: “Cidade Coração do Rio Grande”, considerando-se sua condição privilegiada de estar no centro do estado do Rio Grande do Sul. De repente, o forasteiro se depara com a ponte sobre o vale e se descortina diante de seus olhos a cidade, e é como se a ponte abrisse uma janela, ou revelasse as cores de uma tela, uma pintura que entusiasmaeemociona o espectador, surpreendido. Esta exuberância toda desaparece quando é dito o nome deste espaço público: “Garganta do Diabo”. Neste ponto, é que a forma de nomear a cidade entra em contradição com outras menos românticas ou positivistas. É contraditório dizer que a Cidade Coração do Rio Grande recebe parte dos seus visitantes pela “Garganta do Diabo” (palco de inúmeros suicídios), o que dá uma conotação “diabólica”, para acomodar os sentidos no senso comum. Isso passa a “incomodar” alguns, o que leva o legislativo municipal a propor, na década de 90 do século XX, a alteração do nome.
A proposta de alteração diz representar parcela da população, moradores das proximidades, e justifica-se pelo fato de que tal nome seria “uma denominação imprópria”[3]


[2] Agradeço ao André Campos, meu orientando de mestrado, que no espaço de discussão do PPGLetras-UFSM, instigou-me a aprofundar reflexões acerca desta temática.
[3]Projeto de Lei da Câmara n° 129, de 2001, que “Altera a denominação da ponte sobre o km 316,5 da BR-158/RS”. PLC129-201/Parecer2002/Proposições Legislativas/U.