Revista Rua


Da parede ao corpo social: a carne que não satisfaz
From the Wall to the Social Body: the Meat Doesn't Satisfy

Gesualda dos Santos Rasia

possíveis. No caso do Enunciado “Carne é crime!” (E1), é possível linká-lo a um domínio de enunciados próprios daqueles que condenam o consumo de carnes, no caso, os defensores do vegetarianismo. O modo como os enunciados compõem essa Formação Discursiva é constitutivamente heterogêneo, porque essa é a condição de existência de uma FD. Recortados da aparente dispersão interdiscursiva, esses enunciados inscrevem-se em diferentes domínios de saber: a) naqueles relacionados à saúde humana; b)  naqueles que defendem o direito de viver dos animais, condenando também as formas agressivas de criação e abate; c) em motivações econômicas, d) nos preocupados com questões ambientais; entre outros[3].  Na seqüência do estudo refletiremos sobre como o E1 sedimenta seus sentidos no interior da FD que comporta os saberes relacionados a práticas vegetarianas e como, desse interior, tece seus movimentos em relação a outras discursividades.
 
A PAREDE: SUPORTE DO TEXTO URBANO
 
No caso em questão, trata-se de pichação em uma parede de açougue, em uma via urbana de uma capital brasileira. Pensar acerca da enunciação no contexto urbano de metrópoles leva a refletir sobre a relação que há entre os sentidos da cidade contemporânea, determinados essencialmente pelos modos como se instituem as práticas de sujeitos, para sujeitos e entre sujeitos nela insertos. De Certeau (1994), a partir de uma tomada filosófico-antropológica, defende a estabilização da noção de cidade via proposição de um discurso que, ao mesmo tempo, produz o espaço de um determinado modo; estabelece um não-tempo que apaga a irrupção das tradições; e, por último, e de interesse mais aproximado para nosso enfoque, cria um sujeito universal e anônimo que é a própria cidade. Na ótica pecheutiana, é possível pensar esse sujeito universal como a forma-sujeito urbano, cujas práticas alimentares, por exemplo, são regidas inelutavelmente por relações de mercado nas quais as operações de produção-venda-compra-consumo são presentificadas como legalidade, evidência, quotidianeidade. Efeito de evidência também ao silenciar o fato de que muitos estão fora desse circuito.


[3] Esse rol de aspectos encontra-se explanado e comentado no site http://www.vegetarianismo.com.br/sitio/index.php?option=com_content&task=view&id=1676&Itemid=48. Acesso em 22/02/10.