Revista Rua


Da parede ao corpo social: a carne que não satisfaz
From the Wall to the Social Body: the Meat Doesn't Satisfy

Gesualda dos Santos Rasia

Os dicionários oferecem algumas pistas para se entender como os sentidos se sedimentam/cristalizam no decurso do tempo e da história, em que pese os efeitos de evidência também nesse lugar produzidos.
A partir de Ferreira (1999) e Faria (1967), é possível reconstituir o étimo da palavra, em que foda deriva regressivamente do verbo bitransitivo
foder. Proveniente do latim vulgar futere ou futuere, aí estabeleceu-se a partir do latim
clássico futuo, verbo transitivo que tem como tradução “ter relação com uma mulher.” Essas palavras podem ainda ser relacionadas a outras do latim clássico, tais
como: fututio (substantivo feminino), que significa “união sexual”, e  também futuere (verbo intransitivo), que corresponde a “entregar-se a certas ações venéreas.”
Houaiss (2004: 1363), por sua vez, constitui o verbete foda a partir das seguintes definições: “(susbtantivo feminino) 1. cópula (ato sexual). (substantivo masculino) 2. aquilo que se suporta com dificuldade; dureza.”
Ainda em Houaiss,  a explicitação do verbo foder comporta a expressão “que se foda”, cujo sentido está assim posto: exprime descaso, repugnância ou deseja mal a outrem”.
Seus sentidos oscilam de um pólo negativo para um positivo.
O trajeto que constitui  a deriva dos sentidos vai desde o ato sexual, chegando ao sentido figurado de descaso ou expressão de maus desígnios. E, no decurso das práticas sociais de linguagem, abre-se espaço, contemporaneamente, para a sedimentação de um terceiro sentido, positivo, o de foda como elogio, expressão interjetiva diante de alguma situação de extremo agrado: “Esta festa está foda!”. Também própria dos segmentos jovens, e oriunda do campo da sexualidade, não consta nos dicionários oficiais (ao menos por enquanto), colocando-se pelas frestas, e significativamente descrita em dicionários online. A pergunta passa a ser, então, como o sentido “primeiro” da palavra foda como ato sexual produziu migrações para usos simultaneamente positivos e negativos. A reconstituição desse trajeto implica a retomada de como os sentidos foram se sedimentando e se deslocando no decurso do tempo, a partir de práticas culturais, trajeto que ainda está por ser feito. No entanto, permitimo-nos levantar uma hipótese prévia, a partir da constatação de que, independente da cultura em que se esteja inserido, o ato sexual (principalmente para mulheres), nem sempre é resultado de consentimento, podendo resultar de violência, de imposição. Relacionar-se sexualmente, portanto, nem sempre equivale a saciar a fome do corpo, corpo de desejo. Saciedade que,