Revista Rua


Da parede ao corpo social: a carne que não satisfaz
From the Wall to the Social Body: the Meat Doesn't Satisfy

Gesualda dos Santos Rasia

CONSIDERAÇÕES FINAIS
 
As inscrições pichadas em paredes do espaço urbano constituem-se em uma possibilidade de tornar visíveis aqueles que são socialmente invisíveis, e que assim passam a ser ditos pelo olhar-outro. Neste caso, são ditos pelo que dizem sobre a carne, a qual reporta, ambiguamente, a uma presença condenada (relações de venda e de consumo) e a uma ausência (não acesso). Tal se dá via linguagem, que materializa, na palavra, um domínio de pertença e um de exclusão. São as metamorfoses da carne, a qual, com os múltiplos territórios a que reporta, pode servir como alimento que mata a fome física; carne que goza sexualmente; carne cujo consumo simboliza pertença econômico-social e, ainda, carne implicada em relações políticas e de poder, que decidem sobre os rumos da ecologia, da economia, do planeta.
Trata-se de questões econômico-sociais que são também e essencialmente políticas. O espaço do político emerge discursivamente pela materialidade da língua, desde a presença de uma palavra em detrimento de outra, até a irrupção de determinadas estruturas sintáticas e não de outras. Nos enunciados aqui analisados, duas figuras de linguagem sedimentaram sentidos: a metonímia, presente em E1 e E2, e o assíndeto, na (dis)junção de ambos. Em análise dessas duas construções, De Certeau (1994) afirma que

Uma dilata um elemento de espaço para lhe fazer representar o papel de um ‘mais’ (uma totalidade) e substituí-lo. A outra, por elisão, cria um ‘menos’, abre ausências no continuum espacial e dele só retém pedaços escolhidos, até restos. Uma substitui as totalidades por fragmentos (um menos em lugar de um mais); a outra os desata suprimindo o conjuntivo e o consecutivo. Uma densifica; amplifica o detalhe e miniaturiza o conjunto. A outra corta: desfaz a continuidade e desrealiza sua verossimilhança.
 
 
A construção metonímica de E1 e E2 chama à interpretação, ao des-velamento das posições recobertas nos modos de dizer. E na (dis)junção, pela ausência das conjunções, a elipse resulta em junção que reconstrói o sentido das partes. Entre carne e fome há um esvaziamento, um buraco que abre para a deriva, e que chama ao preenchimento pelo sentido outro, aquele que reporta ao buraco no estômago de quem não goza do alimento. Esta, uma forma de violência, na medida em que equivale a não