Revista Rua


Da parede ao corpo social: a carne que não satisfaz
From the Wall to the Social Body: the Meat Doesn't Satisfy

Gesualda dos Santos Rasia

inversamente, encontra-se emblematicamente comemorada na dimensão positiva da expressão “É foda”.
Contudo, no enunciado em questão não é sobre este último sentido que se diz. Reportando mais uma vez a Orlandi (1996), o sentido pode ser múltiplo, mas não qualquer um. O fato de as palavras advirem das posições representadas por aqueles que as empregam impede que as tomemos do inventário vertical (interdiscurso) aleatoriamente. Ao contrário, é no ponto de encontro dessa verticalidade, da rede do dizer, com a linearização sintagmática que se dá o ponto de encontro com o fio do discurso. A expressão “É foda” subsiste, sincronicamente, com os sentidos negativos e positivos, e o que a inscreve em um eixo ou outro são suas condições de aparição, no caso ora analisado, aparição que denuncia a exclusão de sujeitos.
Na condição em que se encontra, no interior do enunciado “Fome é foda” (E2)[1], a de resposta – réplica ao enunciado E1 – “Carne é crime”, funciona como nó da rede discursiva urbana, amarrando, do interior do lugar da resistência, relações de divergência, mas que podem se configurar, a partir de uma determinada perspectiva, também como sendo de aliança, como veremos a seguir. A partir do estatuto de responsividade, o E2 torna-se representativo de segmentos preocupados com aspectos sociais e econômicos.
As implicações negativas para a saúde humana, ao lado dos danos ambientais e da violação aos direitos dos animais, apresentados como domínios de saber presentes no E1, são duramente refutados pelo E2, na medida em que para grupos marginalizados economicamente a aderência a um modelo alimentar ou outro é questão inexistente, pois o que conta é ter alimento, seja ele qual for. Lembremos, aqui, do sentido de descaso, da expressão “foda-se”, anteriormente descrita. Da mesma forma, a sobrevivência imediata, o matar a fome sobrepõe-se a questões ambientais ou relacionadas aos direitos dos animais. Para essa parcela alijada da alimentação básica, e para a qual a carne representa artigo de luxo, o enunciado Carne é crime! materializa-se como afronta, razão pela qual a predicação “é crime” é sobreposta por outra predicação, a qual ignora o juridismo implicado na primeira: “é foda”.
Aprendemos com Pêcheux (1988) que os modos de identificação ao sujeito de saber de uma FD não são homogêneos. Desse modo, a posição-sujeito representada pelo


[1] Neste caso, não é possível, pelas condições de coleta do enunciado (internet) e pelos elementos constantes na foto, saber se se trata, como no outro caso, de um estabelecimento que comercializa alimentos.