Revista Rua


Da parede ao corpo social: a carne que não satisfaz
From the Wall to the Social Body: the Meat Doesn't Satisfy

Gesualda dos Santos Rasia

deram origem. É nesse sentido que refletiremos, a partir de agora, acerca das estruturas sintáticas que os materializam, lembrando, a partir de Orlandi (1996), que a língua se inscreve na história para fazer sentido. Isso diz respeito ao fato de que a organização sintática funciona como efeito de literalidade, o qual reporta ao modo como a língua se organiza estruturalmente. Mas, principalmente, que não se trata apenas disso. Trata-se, sobretudo, de desfazer o apagamento que essa organização produz dos modos como a historicidade intervém na língua, expondo as estruturas às ambigüidades, aos equívocos que lhe são constitutivos. É a partir disso que nos autorizamos a pensar acerca da estruturação sintática dos enunciados em análise, a partir dos liames conjuntivos que não estão presentes neles de modo concreto, mas virtualizados, produzindo sentidos em movência, no ponto dessa ausência que se faz discursivamente presente. Pensaremos também acerca da emergência do léxico, na perspectiva dos modos como as palavras se inscrevem nas redes do dizer, produzindo a movência da sintaxe, o que nos conduz a desenhar a ordem do discurso aí presente e em que sítios de significância o dizer se inscreve-reinscreve.
 
E1 – CARNE É CRIME!
 
Estrutura predicativa clássica, possui tom de declaração que desestabiliza/afronta afirmações com sabor de universalidade, do tipo Carne é alimento./ Carne é importante na alimentação./ Carne é saudável., dentre outros. Declaração que não se limita a tal, haja vista a presença do sinal gráfico de exclamação. Vale lembrar que a recuperação desse domínio de saber passa por uma via de de-sintagmatização a partir do nível lexical. O sujeito representado por carne resulta da síntese de sintagmas do tipo a produção de carnes/ o comércio de carnes/ o consumo de carnes. No resultado, de caráter metonímico, a designação carne desloca as relações econômico-políticas para o produto, pura e simplesmente, produzindo maior força à enunciação, na medida em que esse deslocamento evoca domínios de memória que relacionam o corpo (carne), ambiguamente,  ao prazer, à transgressão, e mesmo ao pólo dicotômico representado por espírito.
Do prazer à transgressão, ou do prazer feito transgressão, está, segundo De Certeau (1994: 231), “o Logos de uma sociedade que ‘se faz carne’”. Porque a lei que regula os laços sociais se inscreve simbolicamente sobre os corpos, textos dessa mesma sociedade. E os livros, por sua vez, constituem-se apenas metáforas do corpo que, social