Revista Rua


Do Repetível ao Historicizado: Notas Sobre uma Prática de Sentidos
(From the Repeatable to the Historicized: Notes About a Practice Of Senses)

Rejane Maria Arce Vargas

Diante do que precede, podemos afirmar que os sujeitos na comunidade Nova Santa Marta são aqueles do dissenso no social, da contradição e da exclusão, que, empurrados para fora do urbanizado já significado, formam uma comunidade segunda, diferente daquela comunidade de fato – família, igreja, empresa, nação etc. (cf. ORLANDI, 2006), uma comunidade outra para a qual são impelidos, para além dos limites do urbano, da organização da cidade, tecendo uma unidade imaginária que assume caráter reivindicatório em relação ao que lhes falta na comunidade de fato: direitos fundamentais – à moradia, a uma porção de terra, à energia elétrica, água, escola, vias de acesso. É em torno das demandas sociais que o discurso na comunidade Nova Santa Marta se formula. Ele está materializado na repetibilidade dos já-ditos, submetido à incompletude em que se embatem o eu, o nós e o outro (do já-dito), pontos em que, como disse Pêcheux, nos deparamos com o real, com a língua, onde a sintaxe está sujeita à falha, dando vazão ao equívoco pelo atravessamento da história, pois “o equívoco aparece exatamente como o ponto em que o impossível (lingüístico) vem aliar-se à contradição (histórica); o ponto em que a língua atinge a história” (GADET; PÊCHEUX, 2004: 64).
A repetição e o excesso observados nos textos são manifestações do equívoco, do real da língua, na medida em que:
 
Imerso nos rituais cotidianos, que supõem a necessidade de um mundo semanticamente organizado e coerente, o sujeito repete e falha na repetição, ao mesmo tempo. É habitando a contradição entre uma injunção (histórica) à coerência, clareza, regularidade, concisão (etc.) e surpresa causada pelo equívoco – uma fratura no ritual e na ortopedia dessa semântica das certezas sobre a realidade – que os sujeitos, sofrendo diferentemente os efeitos de linguagem decorrentes dos processos significantes, se singularizam. Diremos, a propósito da singularidade, que em cada sujeito se constitui de modo específico, a ordem significante, resultando nas diferenças em lidar com essas contradições que os expõem ao equívoco (MARIANI, 1999: 5).
 
Debruçando-nos no que formula Mariani, destacamos a seguir a transcrição de texto introdutório de vídeo institucional da Escola e Centro Social Marista Santa Marta, que faz parte de um dos grupos de textos que compuseram o corpus de nossa pesquisa, a fim de observarmos a relação entre saberes discursivos, atentando à heterogeneidade. A divisão do texto em comunidade/escola foi por nós delimitada, contudo, diz respeito ao modo mesmo (seqüencial) como o texto se apresenta, ou seja, sob a forma de histórias