Revista Rua


Tecnologias do corpo: metáforas da sutura e da cicatriz
Technologies of the body: metaphors of suture and scar

Aline Fernandes de Azevedo

O uso de medicamentos não é estranho à vida contemporânea. Muito pelo contrário, há atualmente um movimento de generalização e normalização do uso de diversas drogas capazes de alterar estados físicos e mentais, sejam elas antidepressivos, ansiolíticos ou analgésicos. A face perversa e obscura do pós-humanismo se mostra de forma acintosa na disseminação desses bio-poderes, especialmente no caso da medicalização e da forma como essas práticas transformam o corpo em lugar privilegiado de exercício de poderes específicos, que hoje administram o mal-estar social, propiciando o desenvolvimento da cultura (e da indústria) do bem-estar.
Assim, consideramos que a abrangência dos bio-poderes incide em uma constante e crescente medicalização pela droga como estratégia de anestesia do corpo social (MARIANI, 2011). A medicalização do corpo, assim pensada, pode ser compreendida como uma forma de metaforização da dor que enfraquece os laços sociais ao produzir sujeitos anestesiados. Trata-se, desta forma, de uma tecnologia de administração corporal que integra uma prática de denegação da dor, um ritual do corpo no qual o movimento de tapar a falta constitutiva de nossa subjetividade acaba por expô-la. Há, por assim dizer, a inscrição em um saber sobre o corpo centrado na gestão do sofrimento, saber constituído historicamente através dos mecanismos responsáveis por administrar a corporalidade. E há, ainda, a inscrição em saber que reafirma o equilíbrio e a perfeição física e psíquica como ideal de corporalidade, constituindo sentidos para o corpo humano em nossa formação social, sentidos nos quais há, sobretudo, uma sobredeterminação do humano pela máquina, isto é, sentidos nos quais a precariedade da carne é subsumida em favor da perfeição maquínica.
 
Considerações finais
Este estudo procurou mostrar que as tecnologias corporais integram dispositivos de gestão-controle administrativos que, conforme Pêcheux (2011), constituem um espaço de tomada de posição política, ideológica e teórica, cujas significações insistem em negar a fragilidade do corpo humano, sem compreender que silenciar a falha e a imperfeição é criar um corpo sem exterioridade, é desconhecer a existência das relações ideológicas que mediam nossa relação com nosso próprio corpo, é denegar o vínculo entre ideologia, desejo de saber e desejo do sujeito (PÊCHEUX, 2011, p.70-71). Neste corpo perfeito e protegido da dor, construído sobretudo pela tecnociência, que lugar