Revista Rua


Tecnologias do corpo: metáforas da sutura e da cicatriz
Technologies of the body: metaphors of suture and scar

Aline Fernandes de Azevedo

do copo carnal em constructos informáticos”. Ele inaugura o corpo como pura simulação, possibilitando as ideias que levarão à imersão por conexão, ou seja, o corpo plugado, os avatares, a imersão híbrida e as telepresenças em ambientes virtuais (SANTAELLA, 2003, p.202-204).  Ainda, a Night City de Gibson impingia a ideia de que as tecnologias em expansão necessitavam de “zonas fora da lei”, campos de atuação, deliberadamente “não supervisionado”, denunciando outra face da tecnologia repleta de criminalidade e violência.
Assim, se o ciborg de Haraway significa a tecnologia enquanto extensão do corpo humano e produz, pelo funcionamento da metonímia sua sobredeterminação pela tecnologia, a simulação e digitalização do corpo possibilitam sua exteriorização em relação a ele mesmo. Cabem aqui os questionamentos de Dias (2011, p.62): “Estaríamos nós produzindo um corpo exterior a si mesmo, mas sem exterioridade? (...) Um corpo cada vez mais próximo da supermáquina e cada vez mais distante do super-homem nietzscheano?”.
Sobre essa questão, Dias (2011) afirma que a medicalização/tecnologização extrema do corpo o impede de funcionar sob a imprevisibilidade do aleatório, instrumentalizando-o para que se cumpram certos objetivos relacionados à perfeição e à saúde, negando a falha, a fragilidade, a doença e a morte. A autora delata, pois, os ideais utópicos do pós-humanismo traduzidos no desejo humano de transcender a natureza e tomar as rédeas da criação da vida. Nesse desejo de imortalidade, afirma Dias (2011), inscreve-se a crença da tecnologia como possibilidade de “superar” a morte do corpo e a finitude de tempo. Em consequência, observa-se o aumento da responsabilidade do sujeito em face de seu próprio corpo, assegurando a gestão corporal da realização do projeto utópico do pós-humanismo.
 
6. A medicalização como prótese de sentido
A partir do século XVIII, uma espécie de “ortopedia social” foi responsável, segundo Foucault (1988), por modelar cada indivíduo através de estratégias e práticas, não apenas redomesticar e vigiar seus corpos, mas gerir as populações através de uma “biopolítica”. É no corpo, diz o filósofo, que o poder se mostra insidiosamente, marca-se através de dispositivos e práticas.
Pensando corpos sujeitados pelo poder, Foucault mostra que século XIX foi caracterizado tanto pela crescente intervenção do Estado sobre a disciplinarização dos corpos, quanto pelos imperativos da medicina das populações que, a partir dos modelos epidemiológicos, procedem no ideal de eugenia, da “higiene social” e da “profilaxia moral”, originando práticas cada vez mais invasivas de medicalização do corpo humano.