Revista Rua


Tecnologias do corpo: metáforas da sutura e da cicatriz
Technologies of the body: metaphors of suture and scar

Aline Fernandes de Azevedo

foram trazidas à baila pelo antropólogo a fim de definir o conceito de técnicas corporais, que são práticas coletivas e individuais, tecidas como “habitus” que variam de sociedade para sociedade, e que tem relação com as formas de educação, a moda e as conveniências e prestígios sociais.
A educação e a imitação são indicadas por Mauss como modos de adestrar o corpo, constituindo técnicas corporais. Nas sociedades ditas “primitivas”, essas técnicas são produzidas também por força da moral, da mágica e da crença, formuladas em certos rituais ou cerimônias que colocam em relação o corpo biológico, as palavras e um objeto mágico: “Chamo técnica um ato tradicional eficaz (e vejam que, nisto, não difere do ato mágico, religioso, simbólico).” (MAUSS, 1974, p.217). Tradicional porque necessita ser “transmitido” entre as gerações através da tradição.
“O corpo é o primeiro e o mais natural instrumento do homem. Ou mais exatamente, sem falar em instrumento, o primeiro e mais natural objeto técnico e ao mesmo tempo meio técnico do homem é seu corpo” (idem). Há, ainda segundo Mauss, princípios de classificação das técnicas corporais, que se dividem e variam por sexo e idade, e que podem ser numeradas de acordo com a relação que estabelecem com a educação e o aprendizado: são técnicas do nascimento e da obstetrícia, técnicas da infância (relacionadas à criação e alimentação da criança), técnicas da adolescência e as da idade adulta. Dentre essas últimas, o autor vai elencar desde técnicas do sono, de vigília ou repouso, a técnicas de atividade ou movimentação, passando pelas técnicas de cuidados corporais como a lavagem ou os cuidados bucais, pelas técnicas de consumo, como comer e beber, e pelas técnicas de reprodução, que abarcam as posições sexuais, beijos, etc.
Todas essas técnicas consistem na adaptação do corpo, pela educação, com o fim de empregá-las. São técnicas corporais cotidianas, meios ou modos de produzir algo a partir do uso do corpo.
A partir das formulações de Mauss, é possível pensar nas técnicas do corpo que se produzem na contemporaneidade, em que há, sobretudo, uma complexidade com relação ao uso que se faz do corpo em uma sociedade de mercado amplamente tecnologizada. Por exemplo, a corrida como técnica corporal relacionada ao esporte, em sua configuração atual, não escapa a um conjunto de preceitos relacionados ao vestuário, calçados de alto desempenho, suplementação alimentar, etc. Há, por assim dizer, um discurso dominante em circulação que prescreve a tecnologia como condição da própria técnica esportiva, e que sobre determina também os saberes e conhecimentos produzidos sobre ela.