Revista Rua


Tecnologias do corpo: metáforas da sutura e da cicatriz
Technologies of the body: metaphors of suture and scar

Aline Fernandes de Azevedo

É por isso que, no deslizamento da técnica para tecnologia, nessa nossa formulação do conceito de tecnologias corporais, há uma especificidade com relação à sobredeterminação do corpo pela tecnologia, ou seja, aos sentidos do corpo produzidos a partir das tecnologias e do desenvolvimento tecnológico. Essa sobredeterminação também tem relação com o modo espetacularizado que as mídias eletrônicas e a internet produzem significações para os corpos dos sujeitos. Há a naturalização de certas práticas corporais contemporâneas, práticas atreladas à tecnologia midiática e eletrônica, ou seja, à publicização e espetacularização da corporalidade, bem como à quantidade estruturante dessas relações de sentido (ORLANDI, 2001).
Deste modo, entendemos que as tecnologias corporais, assim formuladas, não são apenas extensões do corpo humano como desejou McLuhan (1964), mas estão relacionadas ao político, à produção de sentidos. Isso implica considerar o simbólico e o imaginário, ou seja, não se trata de um tipo de técnica de manipulação do corpo que, em larga medida, se circunscreve ao instrumental. Mas de pensá-las com relação à ideologia e ao inconsciente, enquanto práticas que se inscrevem em determinada formação discursiva e colocam como fundamental a relação com a falta e com o excesso, fazendo ver o conceito de tecnologia corporal no movimento entre sutura e cicatriz, como demonstraremos a seguir.
 
2. Sutura e cicatriz
No que concerne à Análise de Discurso, o processo discursivo é compreendido como constituído na/pela tensão entre paráfrase e polissemia, o mesmo e o diferente (ORLANDI, 1999). Tendo em vista esse processo, uma especificidade das tecnologias corporais reside no fato delas serem afetadas por práticas, por rituais do corpo, e pela memória do olhar.
O olhar é, pois, um gesto de interpretação que atribui significações a partir da relação espectral entre a instância ideológica e a produção de sentidos. Segundo Pêcheux (1990, p.8), o funcionamento da memória se inscreve entre “o visível e o invisível, entre o existente e o alhures, o não-realizado ou o impossível, entre o presente e as diferentes formas de ausência”. O que é visível se formula por meio de uma rede parafrástica, ou seja, um conjunto de imagens que se repetem, uma regularidade que estabiliza as significações em torno de um objeto simbólico.