Revista Rua


Tecnologias do corpo: metáforas da sutura e da cicatriz
Technologies of the body: metaphors of suture and scar

Aline Fernandes de Azevedo

Introdução
O cenário atual, especialmente a crescente sofisticação tecnológica, impõe como importante desafio a proposta de redefinição dos sentidos do que é ser humano no século XXI. Na tentativa de deslocar certos saberes sobre o corpo, inscrevemos este estudo em um posicionamento linguístico-discursivo, em uma perspectiva que leva em conta a história e o sujeito, procurando teorizar o corpo como objeto ideológico atravessado pela ideologia e pelo inconsciente.
Tendo em vista a relação que se estabelece entre corpo, tecnologia e conhecimento nas condições sociais atuais, procuramos neste estudo compreender o corpo como objeto simbólico e político, privilegiando para tanto o referencial teórico da Análise de Discurso (PÊCHEUX, 2009). A partir desse lugar teórico-analítico, tentaremos tecer o conceito de tecnologias corporais, levando necessariamente em conta a contradição e a incompletude.
As análises aqui apresentadas permitem compreender que, na relação de sentidos que se constitui entre corpo e tecnologia, há a inscrição em dois movimentos tensos, contraditórios e não excludentes: a sutura e a cicatriz. Ou seja, nessa nossa leitura, a interpelação do sujeito pela tecnologia faz ver que, no desejo de obturar a falta de sua constituição subjetiva, os sujeitos tecem para si sentidos que se marcam em seus corpos, movimentando-se entre suturas e cicatrizes.
Nas análises, consideramos que tanto as próteses anexadas ao corpo quanto a medicalização – como prótese de sentido – são formas desse movimento, no qual há a produção de efeitos de sentido de perfeição ancorado em uma intensificação do potencial do corpo humano através da tecnologia. Em outras palavras, trata-se de compreender as próteses físico-químicas como tecnologias corporais capazes de atribuir um poder ao corpo, constituindo-o como um objeto simbólico e político.
 
1. Tecnologias corporais
O francês Marcel Mauss foi o primeiro a tratar das técnicas corporais em uma conferência na Sociedade de Psicologia de Paris, em 1934. Para o antropólogo, as técnicas corporais são os modos como os homens sabem servir-se de seus corpos, através de práticas pedagógicas que são sociais, culturais e históricas. Toda atitude corporal, diz o autor, é lentamente aprendida e cada sociedade tem hábitos que lhe são próprios, que podem ser cultivados ou transformados historicamente. As técnicas esportivas como a natação ou a corrida, bem como a marcha característica dos exércitos