Revista Rua


Tecnologias do corpo: metáforas da sutura e da cicatriz
Technologies of the body: metaphors of suture and scar

Aline Fernandes de Azevedo

fossem concebidos como uma rede comunicacional” (SANTAELLA, 2003, p.182).
A cibernética inaugura, dessa forma, a possibilidade de significar a vida como uma questão de hardware, ou para dizer de outra forma, de pensar o corpo biocibernético a partir da teoria da comunicação: conceitos como feedback, mensagem e ruído passam a produzir sentidos também para o corpo humano. O modelo proposto por Wiener possibilitará outras ideias, como o ciborg de Donna Haraway (1985), por exemplo, que segundo Santaella (2003) transgredia as fronteiras que separavam o natural do artificial, o orgânico do inorgânico, questionando os dualismos:
 
Ciborgs têm aparecido repetidamente nos filmes de ficção científica dos últimos trinta anos. A maior parte desses filmes concebe o ciborg como composto de partes orgânicas e próteses maquínicas. Uma prótese é a parte ciber do corpo. Ela é sempre uma parte, um suplemento, uma parte artificial que suplementa alguma deficiência ou fragilidade do orgânico ou que aumenta o poder artificial do corpo (SANTAELLA, 2003, p.187).
 
Essa é uma discursividade que significa o corpo humano através do funcionamento da metonímia: a parte pelo todo. É a máquina que sobredetermina o sentido do corpo, em detrimento do orgânico que é silenciado. A consequência é a negação ou apagamento da fragilidade humana e a potencialização do corpo para além do biológico. Assim, longe da encarnação de um futuro aberto à ambiguidade e à diferença, o corpo significado pela máquina silencia a imperfeição, reduz a falha a um erro de cálculo e a corporalidade à matéria numérica. É o silício que se projeta sobre o corpo, silenciando a precariedade da carne como condição de nossa humanidade.
 
5. Os ciberpunks
Dentre as formulações que afirmam as formas de existência pós-corporais, talvez seja a novela Neuromancer, de William Gibson (1984), a voz de maior dissidência no coro que conclama a deificação do corpo-máquina. Sem negar a potencialidade da tecnologia, Neuromancer mostra as contradições que emergem nos guetos ameaçadores e marginais da cibercidade. Ele antecipa os problemas sociais da sociedade da informação e seus corpos digitalizados e numéricos sujeitados à segregação.
Neuromancer< marca a passagem do ciborg híbrido que se constituía entre a máquina e a carne, para um corpo como pura simulação digital. Trata-se de um clássico da literatura ciberpunk que, segundo Santaella (2003, p.189), tem por mote a “alienação