Revista Rua


Entre o eterno e o efêmero: o uso do SIG - Histórico para uma análise da transformação da paisagem
Between perpetual and the ephemeral one: the use of the historical-gis for analysis of the transformation of the landscape

Bárbara Lustoza da Silva Borba e João Rodrigo Vedovato Martins

Normalmente as abordagens sobre a Cracolândia costumam criar a polarização entre justificativas de intervenção estatal e a existências de segmentos estigmatizados[1]; um exame crítico deve evitar incorrer neste dualismo. É preciso compreender o caráter da região da luz e da população ali presente. Numa abordagem entre continuidade e ruptura ou estrutura e conjuntura[2] é imprescindível relativizar a pré-noção de que a modernidade levaria à dissolução plena da vida ou cultura tradicional, enfatizando como a ordem nativa tende a incorporar as mudanças, ressignificando-as. Portanto, para tornar inteligível o fenômeno é necessário apreender o contexto e histórico recente da Luz, caracterizado por conjunturas específicas de sucessivas tentativas de elitização perpetradas pelo governo local e setores privados. Talvez possamos falar de uma busca incessante de gentrificar a região, porém é preciso observar que não se pode apreender a Cracolândia enquanto totalidade cultural[3], pois desta forma desemboca-se na uniformização de comportamentos e individualidades e concebe-se essa espacialidade como homogênea em características. Comumente depara-se com categorizações de “drogados”, “marginais”, “crackeiros” ao se fazer menção às frações sociais inseridas no contexto da cracolândia; muitas delas são produzidas pelo Estado e ratificadas pela lógica de seu pensamento hegemônico e uniformizador. Para engendrar um quadro de ruptura se faz necessário esmiuçar a gênese do nóia, figura enigmática que está presente em praticamente todos os discursos e representações sobre a região, e se desvencilhar de perspectivas apriorísticas, fatalistas e co-relacionais, que fazem associações totalizantes e estigmatizantes. Além disso, cabe refletir sobre as limitações e alcances do termo gentrificação com o escopo de compreender os processos de transformação e intervenção na paisagem urbana no bairro da Luz.
Atualmente a Luz comporta diversas instituições culturais, como o Museu da Língua Portuguesa, Pinacoteca do Estado, Museu de Arte Sacra de São Paulo, Orquestra Sinfônica de São Paulo, em coexistência com espaços de contra uso da cidade[4], os quais reivindicam a função social da propriedade, como o caso de ocupações urbanas de prisma coletivo e popular.


[1] Traficantes, travestis, usuários e usuárias de crack, e outros e outras que compõem a localidade.
 
[2] Abordagem desenvolvida muito bem por Marshall Sahlins em Ilhas de História ou em Metáforas Históricas e Realidades Míticas: Estruturas nos Primórdios da História do Reino das Ilhas Sandwich.
[3] BIRMAN, Patrícia. Feitiçarias, Territórios e Resistências Marginais. In: Mana 15(2):321-348, 2009.
[4] LEITE, Rogério Proença. Contra usos e Espaço Público: Notas sobre a construção social dos lugares na Manguetown. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Fevereiro, Vol. 17 Num. 49