Revista Rua


A Farsa e El-Rei Junot, subversão e decadência
A Farsa e El-Rei Junot, subversion and decline

Débora Renata de Freitas Braga, Otávio Rios

ganha ares de negatividade, assim como as Flores de Baudelaire, comumente representando a beleza, o amor, mas que no livro do poeta francês foram associadas ao mal e à morte.
Quando se fala de estética decadentista em Portugal, recorremos a autores como Fialho de Almeida e António Patrício, cuja escrita revela influências do pessimismo schopenhaueriano e de Nietzsche. Mas, apesar de ser concernente à ideia de “decadência” histórica vivida pelos portugueses (noção ampliada pelo Ultimato), quando se pensa a obra de Raul Brandão, especificamente, descobre-se que a sua maior preocupação, enquanto autor-criador, é com a vida, ou, poderíamos dizer, com o bem, como destacamos na passagem do livro A Farsa, no diálogo entre Sofia e a Cega: “– Vou morrer. E como Sofia irrompesse em pranto: – Chiu, baixinho... Temos chorado tanto!... Deus ouviu, enfim, as minhas súplicas [...]” (BRANDÃO, 1992, p. 124).
Por intermédio da carta 169, de 24 de junho de 1928, podemos definir a posição de Brandão e Pascoaes perante a crise intelectual em que se encontrava Portugal: “Tudo isto seria muito engraçado e pitoresco, se não fosse profundamente desolador. Fazia rir, se não fizesse chorar ver tanta imbecilidade e estupidez!” (1994, p. 183). Como sugeriu Eça de Queirós em “A decadência do riso”, o que resta não é mais aquele sorriso amplo e esperançoso, mas um “desfranzir lento e regelado de lábios, que pelo esforço com que se desfranzem, parecem mortos ou de ferro” (1984, p. 221-222). É o sorriso duro e seco, a risada casquinada que encontramos nos lábios das personagens brandonianas: “A morta continua a sorrir, com os dentes arreganhados e um lenço apertado no queixo, numa imobilidade pétrea” (BRANDÃO, 1992, p. 8).
Como aponta Eduardo Lourenço (2001) em “Cultura Portuguesa e Expressionismo”, na literatura de Raul Brandão a morte é desejada, cansada e mastigada, mas a vida também é sonhada. O grotesco e o horror tornaram-se correntes numa época de frustração, de angústia, e o Decadentismo é a estética que a manifesta:
 
O cadáver apodrece, murcha entre as rosas de papel: lembra um passarinho num esquife enorme. Os olhos são duas manchas na palidez da face ressequida: os dentes arreganham-se-lhe por entre os lábios roxos... E as velhas fogem com o lenço no nariz, exclamando sem convicção: – Está no Céu! (BRANDÃO, 1992, p. 12).
 
A beleza agressiva da obra de Raul Brandão expressa um grito que não nos dói aos ouvidos, mas aos olhos, fazendo com que a narrativa adquira contornos plásticos.