Revista Rua


A Farsa e El-Rei Junot, subversão e decadência
A Farsa e El-Rei Junot, subversion and decline

Débora Renata de Freitas Braga, Otávio Rios

insignificância, mas traduz fielmente o meu pensamento acerca da sua pessoa literária, grande entre as maiores” (1994, p. 48).
Como comentamos no início, é difícil compreender como um escritor com a maestria literária de Raul Brandão, reconhecida, inclusive, por grande parte do meio intelectual e acadêmico português seu contemporâneo, ficou imerso na obscuridade durante tanto tempo. Ninguém melhor que Teixeira de Pascoaes para responder: “E deixe-me ter a vaidade de dizer que poucas pessoas saberão compreendê-la e amá-la como eu. Atribuo tal cousa a uma certa sensibilidade com que Deus me dotou, para minha desgraça. E há tão pouca gente capaz de sentir!” (1994, p. 85).
Da perda da aura à decretação da sua morte por Barthes, não somente o autor, como o próprio texto dessacralizam-se, até que deixemos de pensar as obras literárias como produto de uma inspiração divina, e o escritor ganha o estatuto não de gênio, mas de inteligente (cf. RIOS, 2008a), um artesão que não mais deseja produzir só, à espera que lhe ajudem o engenho e a arte. A importância da escrita não reside apenas na obra acabada. O valor que, antes, era encontrado naqueles maços de papeis, recentemente vem sendo descoberto nos rabiscos de seu autor, condenados às margens do livro. A feia rasura, que outrora deveria ser extinta, tornou-se a possibilidade que temos para reaver o processo de criação. Pela obra, podemos perceber o que está contido no texto, mas pelas cartas, como espelhos dos bastidores da escrita, o texto desnuda-se diante de nós, e entrevemos o que ele foi, o que quase foi, o que poderia ter sido.
A Farsa (1992) revela à literatura portuguesa da época personagens intrigantes: Candidinha, seu filho Antoninho, Sofia, a Cega e Joana, construídos no campo do esfacelamento do sujeito, cada qual com destinos que culminam no trágico. O lamento de uma experiência em crise perpassou a obra, convertendo-se num objeto fundamental da sua análise. As figuras constituem-se como concretizações da perda da esperança, ou seja, congregam em si, ao mesmo tempo, a fantasmagoria e a consciência da imersão da história na catástrofe, experiência que marcou o homem do final do século XIX e início do XX, como podemos perceber neste trecho de A Farsa: “Ora eu bem sei que todos nós somos mais ou menos actores para levar-mos a vida a termo. Tudo na natureza cumpre o seu destino com gravidade – só o homem é histrião” (BRANDÃO, 1992, p. 29).
A narrativa reflete o desencanto corrente, o descrédito ao cientificismo, incapaz de dar conta de questões subjetivas, não só em A Farsa como também em El-Rei Junot.