Revista Rua


A Farsa e El-Rei Junot, subversão e decadência
A Farsa e El-Rei Junot, subversion and decline

Débora Renata de Freitas Braga, Otávio Rios

Jorge Valentim, ao comparar imagens da ficção brandoniana às do pintor Columbano Bordalo Pinheiro, afirma que
 
os sentimentos de profunda solidão se refletem nas cores, nos cenários e nos retratos obscuros e depressivos. Aliás, é esta mesma natureza crepuscular, sombria e de estufa, tão cara à estética decadentista, que estará insistentemente pontilhada e desenhada nas cenas portuenses nebulosas, decrépitas e corroídas, plasticamente presentes na ficção e nos quadros destes dois artistas portuenses (2004, p. 36).
 
A plasticidade estende-se e acaba por marcar todo o conjunto da obra de Brandão em nível de estruturação narrativa, como afirma Teixeira de Pascoaes na Revista A Águia, sobre El-Rei Junot:
 
E toda esta vertigem de dor que é a Vida, condensa-se numa forma literária doida de movimento! As palavras vivem em sobressalto, os períodos sucedem-se em relâmpagos, sussurros de água e de lágrimas, ora subindo em gritos e gemidos, ora descendo a funduras de silêncio... Eis o Verbo em delírio! E eis a Tragédia, e nova tragédia profundamente lusíada! [...] É triste que esta obra, tão intensa e profundamente dramática, tão reveladora do nosso Povo, não possa ser compreendida, por enquanto, em Portugal, onde o gosto literário não vai além dum certo lirismo exterior e musical... (PASCOAES, 1914, p. 31).
 
Por meio da sociabilidade que A Farsa e Junot foram lapidadas. No dizer de Álvaro Manuel Machado, em Raul Brandão verifica-se “uma forte tentação de ruptura da linguagem” (1984, p. 11). Raul Brandão e Sá-Carneiro inseriram na escrita lusa o que mais tarde veio a se chamar Noveau Roman. Segundo Vergílio Ferreira, o romance moderno se configura como problema, uma vez que “violenta o espectador no seu interrogar, força-o a compartilhar da sua procura” (1965, p. 266). Álvaro Manuel Machado (1984) diz que a fusão de gêneros, marca da escrita brandoniana, fora praticada de maneira tímida pelos primeiros românticos, o que denotava a originalidade e ousadia do escritor do Douro. Como ressalta Vergílio Ferreira: “Quem ignora o clamor escandalizado deste ou daquele crítico que nos declara que isto já não é poesia, que isto já não é teatro, que isto já não é romance? E todavia só o não é como não é a nossa face envelhecida que nós vemos ao espelho [....]” (1965, p. 242).
Romance, novela, drama, tragédia, o fato é que a narrativa de Brandão escapa de qualquer rotulação que se lhe deseje impor. Sua escrita pode ser considerada moderna,