Revista Rua


A Farsa e El-Rei Junot, subversão e decadência
A Farsa e El-Rei Junot, subversion and decline

Débora Renata de Freitas Braga, Otávio Rios

Pascoaes a melhor novela portuguesa contemporânea para traduzi-la para o espanhol. Vejamos o que diz Pascoaes: “Se o meu amigo puder dispor dalgum trabalho seu para este fim, seria magnífico. [...] Não poderia ser A Farsa? [...] ou qualquer outro publicado ou por publicar [...]” (1994, p. 64). Reparemos que Pascoaes pede a Brandão qualquer livro, e isto denota que o poeta reconhece o valor da produção do amigo, que não está somente numa obra.
El-Rei Junot (1982)consegue ser ainda mais perturbador que A Farsa: em princípio, inquieta não só aqueles que necessitam classificar a narrativa em um gênero, mas também pela escrita contrária ao discurso oficial contida em suas páginas: não mais contar o passado tal qual ele foi, como afirmado por Walter Benjamin (1994) nas suas teses Sobre o Conceito da História,trata-se de expressar um caráter imemorial da experiência histórica, e esta só pode ser rememorada através dos cacos, dos fragmentos, de todas as micro-histórias que deixaram de ser contadas por algum motivo, sendo esquecidas no tempo. É o que Brandão faz em El-Rei Junot: antes da transferência da corte portuguesa para o Brasil, Junot acreditava que seria o novo rei de Portugal. Ele, como é sabido, nunca foi rei, mas não há nada que o impeça de sê-lo nas páginas de uma obra literária (cf. RIOS, 2008b). No entanto, facilmente poder-se-ia depreender certa preocupação do narrador em conferir à narrativa um caráter de verdade, o que vai além da verossimilhança, lançando mão de documentos e afirmando constantemente: “Eu vi”. Ora, não há nada menos objetivo, do ponto de vista da história oficial, do que a passagem a seguir:
 
Na hora fatal ninguém se entende. Dão-se ordens e contra-ordens, os diplomatas mentem, os emigrados intrigam, Luís de Vasconcelos e Sousa e António de Araújo são pela França; D. Rodrigo de Sousa Coutinho e seus irmãos pela Inglaterra. Apela-se para o cofre. Venha mais dinheiro, mais diamantes! [...] Mais ordens sem nexo: desguarnecem-se as fronteiras para iludir Napoleão, e finge-se defender a costa das esquadras inglesas. Mente-se, mente-se até ao fim (BRANDÃO, 1982, p. 81).
 
De acordo com Rios (2008b), El-Rei Junot articula um discurso que contesta o oficial, mesmo porque a macro-história não abarca todas as possibilidades de interpretação dos fatos, daí a possibilidade da literatura rearticulá-los, dando-lhes nova roupagem, visto que “a história é dor, a verdadeira história é a dos gritos” (BRANDÃO, 1982, p. 19). Segundo Maria Emília Marques Mano e António Mateus Vilhena, Raul