Revista Rua


Guerra Fria, Sangue Frio: As Conexões entre o Cinema de Terror e a Paz Armada
Cold War, Cold Blood: The Connections between Horror Movies and the Armed Peace

Marcelo Eduardo Marchi

encontra-se no exterior. No decorrer da história, vemos a tentativa frustrada por parte de Chris (Ellen Burstyn) de fazer contato com o ex-marido, que nem mesmo telefona para a filha no dia do aniversário dela. Não obstante tudo isso, Chris desempenha muito bem a função de educar a pré-adolescente, ainda que com a ajuda de seus empregados. Ela não recorre ao ex-marido mesmo quando a possessão de Regan encontra-se em estágio avançado, ocultando dele a situação alarmante.
Por outro lado, Regan sente afeição por Burke Dennings (Jack MacGowran), o diretor do filme em que sua mãe está atuando. Sabe que eles se dão bem, e deixa claro para Chris que gostaria que os dois namorassem. Enquanto, saudável, a garota aceita, e mesmo apóia, a futura existência de um padrasto, quando possuída pelo demônio, ela irá matar Burke, obliterando do seio familiar uma potencial figura de autoridade.
A rebeldia juvenil de Regan, metaforizada pela possessão por uma força estranha, não se limita à contestação da autoridade dos mais velhos. Quase todos os sintomas da dominação de seu corpo pelo demônio encontram tradução no comportamento contestatório adotado pelos jovens no final dos anos 1960 e início dos anos 1970.
Assim, vejamos: na fase inicial da possessão, quando está sendo consultada por um médico, Regan se mostra bastante dispersa. Em dado momento, ela começa a balbuciar algo para si mesma, enquanto exibe gestos estranhos, como alisar a porta do consultório e rodar no mesmo lugar, até que, por fim, desmaia, como se estivesse em uma “viagem” desencadeada pelo uso de LSD.
A transformação da personalidade de Regan vai se intensificando. Ela responde aos mais velhos de forma rude e diz palavrões, inclusive com conotação sexual. Quando já está em uma fase avançada do mal, não se satisfaz com ofensas verbais, e cospe, ou, melhor, vomita nas pessoas, em uma famosa cena com Karras. Daí em diante, tudo somente piora: a garota fala em idiomas estranhos, mostra a vagina aos médicos que vão ao seu quarto examiná-la, agarra o pênis de um hipnólogo, masturba-se usando um crucifixo (há também o vandalismo provocado por ela na igreja, quando distorce a imagem de uma santa com adereços que lembram seios e um pênis).
Como Regan após a possessão, a juventude “flower power” forçou ao limite tabus sexuais e religiosos, figuras de autoridade e comportamentos estabelecidos pelas gerações anteriores. Utilizou uma nova linguagem, ignorada pelos mais velhos: não apenas as gírias