Revista Rua


Guerra Fria, Sangue Frio: As Conexões entre o Cinema de Terror e a Paz Armada
Cold War, Cold Blood: The Connections between Horror Movies and the Armed Peace

Marcelo Eduardo Marchi

APRESENTAÇÃO
 
Mesmo com mais de um século de história, o terror, em qualquer uma de suas encarnações artísticas, seja na literatura, nas histórias em quadrinhos ou no cinema, ocupa um lugar pouco prestigiado entre os gêneros ficcionais para parte da crítica e dos estudiosos das artes. Considerado por alguns como uma subdivisão menor, escapismo juvenil ou diversão pervertida, o terror, deve-se dizer, muitas vezes conformou-se com sua maldição, contentando-se em provocar apenas arrepios nas pessoas que se aventuravam através dele. No entanto, um olhar apurado sobre esse filão há de revelar muito mais do que meras tentativas de apavorar através de sustos fáceis e chocar por meio de imagens nauseantes.
Com o correr das décadas e a gradual desvinculação entre as narrativas cinematográficas de terror e os cenários europeus medievais foi-se desenvolvendo uma profunda interação entre o que é abordado na tela e os momentos sociais. Com freqüência, esse elo entre mundo real e ficcional é mostrado metafórica e alegoricamente. Os questionamentos, denúncias e protestos encontram-se incrustados nesse universo impossível de monstros, assombrações e alienígenas, e as paranóias do homem moderno assumem formas inexistentes no mundo natural a fim de refletir o que muitas vezes ganha força quando dito indiretamente. Cada geração, digamos assim, tem o monstro que merece, a assombração que mais alto fala ao seu sentido de alerta ancestral, e, até certo ponto, irracional.
Do temor da invasão comunista, quando se acreditava haver um “alienígena”(palavra que, nos EUA, assume também a conotação de estrangeiro) escondido dentro de cada armário da América, refletido exaustivamente nas ficções científicas dos anos 1950, passando pelo pânico da família tradicional (reconhecível em O Exorcista) diante da inversão de valores detonada pela contracultura dos anos 1960 e pelos abusos no Vietnã, cada fobia que carregamos encontra eco na tela gigante, e esse eco se assemelha ao uivo de um lobo raivoso, que podemos, não sem um fundo de razão, taxar como selvagem e primitivo. Os temores do homem moderno canalizam-se através dessas obras, consciente ou inconscientemente, e expõem-se, de forma metafórica ou não. Compõem, assim, um retrato do ser humano de acordo com as angústias do seu tempo. De certa forma, compreender os