Revista Rua


A placa na entrada da cidade: a (re)nomeação dos seus sujeitos
A sign at the entrance of the city: the (re) naming of its citizens

Stella Maris Rodrigues Simões

O “abismo”, porém, é apenas imaginário, pois a relação entre definição – a imagem do provável - e a representação – a imagem do improvável -  não é acessível ao sujeito, que se (re)significa por meio do pronome possessivo. O sentido do vocábulo “nossa” realiza movimentos de interpretação aparentemente paradoxais: individua o visitante que é re-assujeitado, agora como cidadão de São João da Mata, ao mesmo tempo que o filia indistintamente ao conjunto dos muitos habitantes.
O sujeito, ao se ligar à cidade (por posições imaginárias), liga-se à memória discursiva local, à historicidade, aos sentidos e aos sujeitos que circulam no espaço. O novo cidadão se inscreve na “discursividade sãojoanense“e é convidado a se significar nesse território. A inscrição (renomeação) do sujeito é ratificada pelo segundo enunciado, em que o cidadão, já renomeado, é colocado na posição sujeito-locutor, aquele que ama a cidade a qual pertence.
Na segunda placa, o cidadão “fala” não por meio de um grupo, mas de modo individual. É um cidadão individuado que enuncia em primeira pessoa, porém que pertence à terra e ao conjunto delimitados previamente (primeira placa).  O “eu”, ainda que singular, é a materialização de um sentimento plural, uníssono, dos sujeitos que se significam naquele espaço.
Percebe-se, ainda nesse enunciado, a substituição da letra “o” por um símbolo, o “coração”. A mudança observada não deve ser lida apenas como uma ação de troca realizada por um “sujeito pensante” que ama sua cidade, mas deve ser analisada como a inserção do enunciado em uma outra discursividade, o que gera um deslize não somente aos sentidos dos vocábulos, mas na maneira de renomear o território e seus sujeitos.
Para Pêcheux (2010), “a imagem seria um operador de memória social, comportando no interior dela mesma um programa de leitura, um percurso escrito discursivamente em outro lugar: tocamos aqui o efeito de repetição e de reconhecimento que faz da imagem como que a recitação de um mito.” Não podemos compreender o funcionamento e a leitura da imagem “coração” como idêntica a letra “o” ou substituível por ela, mas essa se mostra – na opacidade constitutiva - como deve ser lida enquanto imagem transparente, ainda que essa transparência seja um efeito de seu intrínseco “programa de leitura”.