Revista Rua


Cidade e cultura: conflito urbano e a ética do reconhecimento
City and culture: urban conflict and the ethics of recognition

Vera Pallamin

 

político, cujo motor é dado pelo dissenso, que diz respeito aos movimentos de subversão desta lógica policial. A política, nestes termos, perturba a ordem dada e a malha de desigualdades sociais na qual se assenta. Ela opera através da enunciação e colocação em prática de um discurso igualitário que coloca em questão as subordinações e identidades estabelecidas. Enquanto a lógica do político é pautada pela igualdade de qualquer um a qualquer um, a lógica social é estruturada em desigualdades e hierarquias. O dissenso, nas palavras de Rancière, não é a guerra de todos contra todos, o que equivaleria à ausência mesma de política. Ele dá lugar a situações de conflito, a situações de discussão e de argumentação, mas de um tipo específico, que não ocorrem entre parceiros de debate já definidos.[8] Neste embate, o sujeito político é constituído no e pelo conflito, não é uma identidade já conformada, existente previamente. Os sujeitos políticos configuram-se como os operadores da verificação, no real, do princípio de igualdade. Não são estáveis e expressam a potência de manifestação do litígio, o enfrentamento de mundos polêmicos, propondo um desvio na atmosfera normalizada da dominação. Segundo o filósofo, a idéia de emancipação refere-se à afirmação do princípio da igualdade como estando na “origem” da esfera do político. Sua verificação põe em ação a lógica da subjetivação política, a qual nunca é a simples afirmação de uma identidade, “é sempre, e ao mesmo tempo, a negação de uma identidade dada por um outro, dada pela ordem dirigente da polícia”.[9] Ela é uma demonstração, que sempre supõe outra, é “o encenar de um lugar comum polêmico” em que se opera com a demonstração da igualdade e o dano causado socialmente aos que não contam. O lugar que o sujeito político ocupa é o de um intervalo, uma lacuna, um espaço ocupado por aqueles que estão como que ‘no meio’, entre o humano e o desumano, entre a cidadania e sua negação. [10]
O risco dos sujeitos políticos em sua ação dissensual é a suscetibilidade de voltarem a se misturar com o corpo social e suas identidades, confundido-se pouco a pouco com a polícia. É isso, chama a atenção Rancière, que acontece nos sistemas consensuais contemporâneos. Afirmam o fim da forma do conflito, em prol da forma da concertação. Por intermédio desta defende-se a identificação exata das partes do corpo social, seus papéis e problemas a resolver para sua “prosperidade”. Ela pressupõe a objetivação plena do presente. O “tratamento concertado dos problemas” busca o


[8] Rancière, Jacques. O Dissenso, p. 374.
[9] Rancière, Jacques. Politics, Identification and Subjectivization, p. 62-3.
[10] Idem.