Revista Rua


Cidade e cultura: conflito urbano e a ética do reconhecimento
City and culture: urban conflict and the ethics of recognition

Vera Pallamin

 

compreensiva baseada na consideração de padrões intersubjetivos de reconhecimento, destacados no plano da formação pessoal do indivíduo (que diz respeito ao ambiente familiar e às relações afetivas que aí se fundam), no plano jurídico e naquele da solidariedade. Dito em outros termos, estes três planos associam-se, respectivamente, à noção de ‘auto-estima’ pessoal, à de ‘pessoa de direito’ e à da estima social. Em sua matriz, o autor dará um estatuto filosófico à noção de desrespeito, entendido como o ponto de partida destas contendas. Examinando as falhas de reconhecimento que levam aos conflitos, ele propõe a consideração de três níveis de desrespeito, diretamente relacionados àqueles do reconhecimento: o desrespeito do corpo – que é o modo mais elementar e mais devastador de todos, levando ao definhamento psíquico; o desrespeito dos direitos – que alija os sujeitos de suas prerrogativas jurídicas que subsidiam sua interação social, levando ao rebaixamento moral; e o desrespeito da estima social – que rebaixa o valor social de grupos ou indivíduos, promovendo a vergonha social ou vexação. Neste entendimento, é importante ressaltar a afirmação do filósofo de que o desrespeito por si só não leva à luta. O discernimento moral é essencial para que haja a resistência – a humilhação aí pode atuar como uma “mola propulsora” -, mas é preciso que haja um meio social e político favorável a isso. A luta depende de articulação dos movimentos e grupos sociais no sentido de construírem os espaços de predisposição a isso:
 
(...) assim que o amor às pessoas é separado, ao menos em princípio, do reconhecimento jurídico e da estima social delas, surgem as três formas de reconhecimento recíproco, no interior das quais estão inscritos, junto com os potenciais evolutivos específicos, os diversos gêneros de luta. Só agora estão embutidas na relação jurídica, com as possibilidades de universalização e materialização, e na comunidade de valores, com as possibilidades de individualização e igualização, estruturas normativas que podem tornar-se acessíveis através da experiência emocionalmente carregada do desrespeito e ser reclamadas nas lutas daí resultantes; o húmus dessas formas coletivas de resistência é preparado por semânticas subculturais em que se encontra para os sentimentos de injustiça uma linguagem comum, remetendo, por mais indiretamente que seja, às possibilidades de uma ampliação das relações de reconhecimento.[6]
                                              
No que se refere à polêmica entre redistribuição e reconhecimento, Honneth delineia os dois tipos de conflito, afirmando haver entre eles uma complementaridade: os conflitos que começam pelos interesses coletivos são os que perfazem a tentativa de grupos sociais de conservar ou ampliar suas possibilidades de reprodução. Há


[6] Honneth, Axel, op. cit., pg. 267.