Revista Rua


Cidade e cultura: conflito urbano e a ética do reconhecimento
City and culture: urban conflict and the ethics of recognition

Vera Pallamin

 

perspectivas de entendimento que buscam incluir bens culturais e simbólicos neste conceito de reprodução destes grupos. Contudo, há um segundo tipo de conflito que surge da denegação do reconhecimento jurídico ou social, afetando as condições intersubjetivas da integridade pessoal. Para Honneth,
 
(...) este segundo modelo de conflito, baseado na teoria do reconhecimento, não pode precisamente substituir o primeiro, o modelo utilitarista, mas somente complementa-lo: pois permanece sempre uma questão empírica saber até que ponto um conflito social segue a lógica da persecução de interesses ou a lógica da formação da reação moral.[7]
 
A complementação entre os dois tipos conflitos é patente no caso do Edifício Prestes Maia, quando se observa que a reivindicação central, associada à implementação de habitação social em edifícios da região central abandonados pela elite e pelo governo, é diretamente ligada à questão da redistribuição material de recursos. No entanto, este movimento por habitação foi também permeado por questões de ordem moral, como a luta contra a discriminação de pessoas de baixíssimos recursos e sem teto, alijadas da rede mínima de direitos que permitem a interação na vida urbana. Além disso, também foi reforçado o debate sobre as alterações legais a serem feitas, de modo que aquelas mulheres (que eram a maioria naquele grupo) fossem consideradas como “chefes da família”, podendo juridicamente assumir compromissos contratuais (caso houvesse a transformação oficial do edifício em habitação social). O não reconhecimento moral e material deste grupo foi tanto o motivo detonador do movimento de ocupação quanto aquele que o reprimiu, por meio do despejo forçado judicialmente, reincidindo na manutenção tanto da extensa rede de propriedade privada abandonada e sem função social no centro da cidade, quanto naquela da precariedade extrema que caracteriza o modo de estar deste grupo social sobre o solo urbano paulistano.
 
As questões referentes ao político, aos conflitos sociais e à emancipação, conforme pensadas por Jacques Rancière, trazem no seu cerne dois conceitos fundamentais: o dissenso e a precedência do princípio da igualdade. Em sua reflexão, o filósofo propõe uma diferenciação entre polícia e política. Por polícia entende o conjunto de processos de manutenção do status quo, pelos quais se operam os consentimentos sociais, a organização e a gestão dos poderes. A esta se opõe a esfera do


[7] Ibidem, p. 261.