Revista Rua


Cidade e cultura: conflito urbano e a ética do reconhecimento
City and culture: urban conflict and the ethics of recognition

Vera Pallamin

 

reconhecimento de ordem social e cultural. Estas lutas centradas na idéia de reconhecimento têm sido vistas por alguns autores como a forma paradigmática dos conflitos políticos atuais. São confrontos que buscam mudar relações de alteridade que se vinculam a desrespeito, desigualdade e discriminação social, envolvendo questões de reconhecimento moral.
Embora a relevância do tema do reconhecimento moral seja indubitável em termos políticos,[3] a sua relação com a redistribuição – a qual se refere à esfera econômica e de recursos materiais – permanece uma questão em aberto, em meio ao espectro atual de multiplicação de injustiças distributivas provocadas pela desigualdade crescente e concentração cada vez mais rígida das riquezas. As divergências conceituais a este respeito, contudo, evitam tanto dissociar estes conceitos quanto reduzir o reconhecimento a um fenômeno derivado da redistribuição, uma sub-variedade desta, como o faria uma visada economicista.[4]
O tema da ética do reconhecimento tem sido tratado de modo direto por Axel Honneth,[5] e de modo indireto quanto aos termos enunciativos, mas não quanto ao problema filosófico, por Jacques Rancière. Há algumas aproximações entre ambos os filósofos, porém certos distanciamentos conceituais tornam-se significativos para diferenciá-los na compreensão sobre o político e as lutas políticas.
Axel Honneth, em seu livro Luta por reconhecimento – a gramática moral dos conflitos sociais (2003) interpreta esta noção em continuidade a uma linhagem filosófica que se origina na concepção hegeliana deste conceito, ressituando-o, contudo, de modo crítico e dando mais ênfase aos conflitos. Ele preocupa-se em repensar os esforços por emancipação e a eclosão de novos direitos, os quais na prática nem sempre se fortalecem mutuamente. Interessa-lhe refletir sobre este processo aberto que se apresenta atualmente, de lutas por emancipação sem garantias, tanto no plano individual, quanto global.
Conforme o próprio título desta sua obra já indica, Honneth tem uma preocupação teórica de caráter normativo, buscando compreender os critérios da luta mediante uma reconstrução da noção de reconhecimento moral. Ele propõe uma matriz


[3] Como nos alerta o filósofo canadense Charles Taylor, “o não reconhecimento ou o reconhecimento errôneo podem causar danos, podem ser uma forma de opressão, aprisionando alguém numa modalidade de ser falsa, distorcida e redutora. [O devido reconhecimento] não é uma mera cortesia que devemos conceder às   pessoas. É uma necessidade humana vital”. In: Argumentos filosóficos, p.241-2.
[4] Fraser, Nancy; Honneth, Axel. Redistribution or recognition? A political-philosophical exchange, 2003.
[5] Além de Axel Honneth, o filósofo alemão Jurgen Habermas e a filósofa política norte-americana Nancy
   Fraser são alguns dos teóricos contemporâneos ligados diretamente a esta temática.