Revista Rua


Cidade e cultura: conflito urbano e a ética do reconhecimento
City and culture: urban conflict and the ethics of recognition

Vera Pallamin

 

As lutas por justiça social têm assumido nas últimas décadas uma multiplicidade de práticas e frentes, aprofundando as reivindicações ligadas ao direito à cidade, que incluem em seu escopo a moradia digna, o acesso ao trabalho, à produção e fruição de atividades culturais, assim como o usufruto democratizado do patrimônio público de bens culturais e espaços livres.
Na metrópole de São Paulo, com destaque para sua região central, temos presenciado embates dissensuais de significativa contundência, mobilizando grupos sociais provenientes de distintos domínios. Um caso emblemático, neste sentido, refere-se ao processo relativo ao Edifício Prestes Maia, situado no bairro da Luz, que foi ocupado no período de 2002 a 2007 por integrantes do MSTC (Movimento dos Sem-Teto do Centro). Então abandonado há cerca de doze anos e em precárias condições, o prédio passou a abrigar 470 famílias, ou 1722 pessoas - na maioria mulheres -, e converteu-se então na maior ocupação vertical, por moradia, da América Latina. Este imóvel, originalmente de uso comercial - composto de dois blocos, o maior deles com vinte e dois andares -, ainda é objeto de uma dívida de IPTU à municipalidade da ordem de cinco milhões de reais, cifra maior que seu valor de compra estimado.[1]
A ação política de sua ocupação, que tinha por alvo a possibilidade de convertê-lo em habitação social, colocou uma série de questões na linha de frente deste conflito, como aquela referente à função social da propriedade urbana, conforme legalizada no Estatuto da Cidade (2001). Esta ação desdobrou-se ainda em outras iniciativas no local, as quais incluíram a organização de uma biblioteca – com cerca de 3.500 livros -, um cineclube e um ciclo de palestras, denominado “O direito à cidade: caminhos de resistência às práticas de exclusão nas grandes metrópoles”.[2] Seus modos de resistência cultural contaram também com a colaboração de coletivos de arte paulistanos, formulando estratégias simbólicas voltadas à ampliação da visibilidade deste movimento na mídia, sobretudo nos seus momentos mais críticos, associados ao mandado de reintegração de posse e à presença policial.
Os conflitos e ações combativas relativos ao Edifício Prestes Maia problematizam, de modo emblemático, muito do caráter das lutas defensivas urbanas contemporâneas, travadas, sobretudo a partir dos anos sessenta, nas quais há uma diversificação nos modos de presença pública e reivindicações demandando


[1] Dados conforme Dossiê Forum Centro Vivo: http://dossie.centrovivo.org.(acesso março 2012). Violações dos Direitos Humanos no centro de São Paulo: propostas e reivindicações para políticas públicas.
[2] Idem.