Revista Rua


Língua na Rua: Margens do Sujeito
(The language in the street: the margins of de subject)

Carolina P. Fedatto

24473 pessoas que moravam nas ruas/ Os moradores

Não há como significar o sujeito que está na rua sem dizer onde ele está, isto, é, dizendo apenas sua função social. As denominações acima podem ser formuladas como: os trabalhadores das ruas, os habitantes das ruas, os moradores das ruas; mantendo, assim, a especificidade dos sujeitos marginal-izados. Mas, quando substituímos os adjuntos adnominais (que têm como propriedade estabelecer uma relação de pertencimento do sujeito com a rua) por adverbiais (que produzem um efeito de provisoriedade na relação sujeito-rua): os trabalhadores nas ruas, os habitantes nas ruas, os moradores nas ruas; as relações urbanas se confundem, os espaços não se delimitam bem, apagam-se as diferenças entre pedintes e trabalhadores, entre mendigos e moradores. E a língua textualiza essas diferenças, mostrando que determinadas funções – sintáticas – só podem ser exercidas por determinados sujeitos – urbanos, urbanizados: trabalhadores!
Mas como a cidade encara o fato da permanência desses sujeitos na rua? Vimos que o urbano busca conter o sentido da rua enquanto lugar possível para o sujeito e, considerando que “não há dominação sem resistência” (PÊCHEUX, 1997: 304), podemos dizer que a cidade, por sua vez, resiste, que o sujeito resiste, ficando na rua. Mas como ele fica?
 
Recorte 4:
Crianças pedindo dinheiro nas esquinas
Adolescentes assaltando motoristas em sinais de trânsito
Crianças e adolescentes trabalhando nos semáforos e ruas
 
O gerúndio será uma regularidade importante para compreendermos a tensa relação entre pertencimento e circunstancialidade do sujeito nas ruas. É interessante notar que esse gerúndio textualiza um modo de marcar a temporalidade, uma duração repetida, uma continuidade: são crianças e adolescentes pedindo, trabalhando, assaltando. A temporalidade e a espacialidade do sujeito são construídas por nomeações que impõem a marca do urbano na cidade. O tempo caracteriza o sujeito pela possibilidade de repetição, recorrência, reincidência: reincidente. Mas o espaço o significa como circunstancial, provisório (nas esquinas, em sinais de trânsito, nos semáforos e ruas). Esse jogo entre tempo e espaço constitui urbanamente o sujeito na cidade. O sujeito que está na rua é conformado e repelido pelo discurso da urbanidade.