Revista Rua


Língua na Rua: Margens do Sujeito
(The language in the street: the margins of de subject)

Carolina P. Fedatto

que...” temos um “esvaziamento do objeto a partir da função” (p. 107), a determinação passa a remeter ao indeterminado,aquele que se torna equivalente a qualquer um que”. Paráfrase que, na cidade, dá lugar ao comum, ao mesmo, ao muito: excesso. Aqueles que, qualquer um, todos: lutando por significação no espaço urbanizado. Notemos que nas nomeações acima temos adjuntos adverbiais (nos semáforos, nas ruas, nas esquinas) trazendo para a relação entre sujeito e espaço urbano a questão da circunstancialidade, da provisoriedade, é um estar na rua. Esse adjunto adverbial de lugar é uma possibilidade sintática dos verbos trabalhar, morar, estar, viver, vender, pedir e uma exigência política da urbanização. Podemos dizer que essa colagem do sujeito no espaço é a forma urbanizada de significação do sujeito marginal-izado.
Malabaristas, vendedores de bala, distribuidores de panfleto, limpadores de pára-brisa. Há também outros modos de nomear o sujeito que fica no cruzamento. As matérias de jornal que compõem meu material de análise, em geral, não os nomeiam trazendo os sufixos nominais -or (“agente, instrumento de ação”) ou -ista (“que pratica certo ofício, tem certa ocupação”). Dizer que quem está na rua é trabalhador, vendedor, artista, malabarista descola o sujeito do espaço, desdiz que ele é da rua dizendo que ele tem um trabalho (ainda que feito na rua). Fazer alguma coisa na rua é diferente de estar, ficar, na rua. Nunes (2006), analisando os efeitos de uma placa (de trânsito) colocada num cruzamento de ruas com os dizeres “Não dê esmolas. Dê futuro”, compreende que há um deslocamento da discursividade religiosa (dar esmolas) para um sentido administrativo-assistencial (dar futuro: oportunidade, emprego, estudo). Nunes analisa essa escrita nos cruzamentos e seus efeitos de pós-escrito. Num primeiro momento, o espaço antes amontoado de sujeitos se mostra esvaziado pelos dizeres imperativos da placa: o discurso administrativo dissipa os sentidos de caridade e piedade. Mas, algum tempo depois, o espaço e o dizer da placa são reinterpretados e fazem emergir os sentidos de trabalho, mercadoria, diversão pela re-ocupação dos cruzamentos através de atividades como venda, panfletagem, malabares. Esse deslize do discurso religioso (dar esmolas) para o discurso administrativo (dar futuro) também funciona nas formas de nomear os sujeitos da/na rua. Podemos dizer que, nas paráfrases propostas a seguir, os sentidos do administrativo tornam-se equívocos:

A maioria das crianças que trabalha nas esquinas/ Os trabalhadores
População que vive nas ruas/ Os habitantes
Meninos que estiverem nos semáforos/ Os passantes, os transeuntes