Apresentação

Com muito prazer apresentamos o primeiro número do vigésimo nono volume da revista Rua desse ano de 2023. Trata-se de um número composto, na sua seção Estudos, de artigos que respondem à chamada habitual de submissões e de um potente dossiê submetido em sua integralidade para compor a revista. Esse dossiê, forte e belo, é um desdobramento do projeto de extensão Poéticas do corpo em paisagens pandêmicas: criar comunidades para reavivar afetos com a cidade que é realizado de modo colaborativo com um grupo de artistas e pesquisadores motivado pela necessidade de “discutir por quais caminhos a arte seria capaz de recontextualizar e reavivar a criação de relações poético-afetivas com os espaços cotidianos da cidade”, como dizem suas coordenadoras, Laila Padovan e Ana Maria Rodriguez Costas (Ana Terra). Elas também esclarecem que esse grupo se formou de modo a abrir espaço para “experiências que fossem capazes de restabelecer relações sensíveis e criativas com as paisagens pandêmicas”. O presente dossiê materializa muito do que foi compreendido pelo acontecimento do projeto e suas diferentes práticas por ele e nele realizadas, mas não só. Os artigos permitem-se afetar por essa história e derivá-la, seja no aprofundamento de suas compreensões, seja na abertura de novos pontos de investigação que podem ganhar espaço profícuo no projeto de extensão, como dizem Laila e Ana Terra, na articulação “das artes e das ciências humanas sobre as dimensões simbólicas e políticas do espaço urbano”. Um precioso e importante conjunto de artigos à disposição de nossas leituras e pontos de encontros com esses pesquisadores-artistas. E, no conjunto dos artigos que compõe nosso modo clássico de compor a série Estudos também temos argutas e importantes compreensões analíticas e/ou teóricas das diferentes práticas de significação que enlaçam ou desatam sujeitos e espaços. Começamos nossa seção com o artigo Quando a polissemia insiste em se inscrever: uma análise sobre corpo-e-sujeito transexual de Lidia Noronha Pereira, no qual a autora trabalha com a noção corpo-e-sujeito como um lugar para se pensar a relação significante entre ambos a partir de imagens da cantora e atriz Liniker, de trechos de uma entrevista, e, ainda, seu discurso proferido diante da premiação no Grammy Latino. Olhando também para o corpo, atado-desatado no/do espaço urbano, Luciana Vedovato e Antônio Carlos Aleixo, em Povos originários e a cidade: territorialidade e fronteiras simbólicas discutem as relações entre território, territorialidade, cidades e fronteiras, nos processos de significação e identificação de povos originários, observando particularmente as disputas na cidade. E é na cidade – em suas narrativas – que Dalexon Sergio da Silva, em seu artigo O Recife mal-assombrado: imagens que (se)dizem da cidade entre memória, paráfrase e polissemia, repousa sua análise ao tomar duas imagens de terror, extraídas do site Catamaran, que (se)dizem sobre o Recife mal-assombrado, analisando os deslocamentos de sentidos e seus efeitos em um outro espaço discursivo que diz da cidade, o do Dark Tourism. Também observando discursos sobre a cidade – e seus sujeitos – Tatiana Lima, Cícero Villela e Vitor Martins Ferreira, em Emergência de sentidos: o discurso sobre as favelas no início da pandemia, analisam os discursos produzidos pela grande mídia sobre o coronavírus nas favelas, buscando compreender como e quais sentidos emergiram e foram legitimados na primeira onda da pandemia entre o período de março e agosto de 2020. Trazendo igualmente à tela esse espaço específico da favela, Gizele Martins e Raquel Paiva, no artigo Favela da Maré: a comunicação comunitária como geradora de mudança social, trazem um estudo de caso que mostra a comunicação comunitária como um importante instrumento de mobilização social e também de intervenção efetiva na vida quotidiana dos moradores. Ainda no espaço significante das favelas, Fernando Espósito Galarce e Vanessa Rodrigues Galvão observam ao lado do processo de degradação da infraestrutura implementada na época da Copa do Mundo (2014) e dos Jogos Olímpicos (2016), sob a ótica da residualidade urbana e da estigmatização socioespacial, potencias possibilidades de reapropriação dos espaços, no artigo Espaços residuais do Complexo do Alemão (RJ): da estigmatização socioespacial ao potencial de apropriação. Virando seu olhar para uma tomada mais geral do espaço urbano e sua relação com a habitação, Lívia Maria de Souza Almeida Coura e Ítalo Stephan fazem um sobrevoo bibliográfico de modo a mostrar, em O paradigma da casa própria e o direito à moradia, que a garantia do direito à moradia é encarada de forma indissociável da propriedade da casa. Fechando nossa seção Estudos e pousando agora nos processos de significação produzidos nas relações entre o olhar e o espaço, o artigo Hiper(in)visibilidade e populismo urbano-midiático em São Paulo: uma abordagem sociossemiótica de Paolo Demuru, aborda as estratégias semiopolíticas por meio das quais se articula, hoje, em São Paulo, a relação entre poder e visibilidade, mostrando que São Paulo se marca, ao mesmo tempo, por uma hipertrofia da visão, por uma hipervisibilidade do poder, por uma invisibilidade topológica, midiática e social e por um regime de visibilidade populista. Ao lado da seção Estudos, temos a seção Artes que conta com a crônica Rua da Carioca, de Telma Domingues da Silva. Finalmente, nossa seção Notícias e Resenhas traz as notícias das atividades do Laboratórios de Estudos Urbanos no primeiro semestre de 2023, bem como a resenha de Vitor Carletti sobre o livro Roberto Civita: o dono da banca. A vida e as ideia do editor da Veja e da Abril escrito por Carlos Maranhão.

Estamos diante de mais um número da revista com seu frescor e sua densidade que a marcam com muita propriedade e que não poderia acontecer sem o trabalho relevante e cuidadoso de seus autores, de seus pareceristas e de sua equipe editorial, a quem agradecemos sempre e muito!

Boa leitura!