Rua da Carioca




Telma Domingues da Silva

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0273-5786




O fato é que piorou muito desde janeiro – disse o motorista do uber, um rapaz novo preto com um carrinho meio ruinzinho. “Piorou muito” significa a violência piorou no Rio/ Brasil. “Desde janeiro” significa desde que assumiram os eleitos na última eleição.

A sabedoria de uma realidade vista a olho nu? Será por acaso a dança dos camburões pelas ruas, com policiais apoiando seus fuzis nas janelas abertas dos carros? Essa é uma imagem de segurança ou é a insegurança?

Mas foi uma frase como que fechando a conversação de modo irônico. Se pareceu em algum momento que ele concordasse com as observações que eu vinha fazendo, com essa frase-fecho ele marca posição sem confronto. Carioca é esperto, era isso: a corrupção, o crime, as gangues, a violência das quadrilhas, tudo isso está demais!

Exigem... autoridade, armamento, confronto policial?

Segundo o motorista do outro dia, são três facções que estão em guerra. E policial não mata não, minha senhora, quem mata é bandido! Eles morrem, isso sim, pô.

(Dá uma googada, cara, a polícia brasileira é simplesmente a que mais mata NO MUNDO!!!! – penso, mas não digo, se dissesse ouviria algo como “e ainda mata pouco, precisaria matar muito mais, porque a bandidagem está...”. Também é a que mais morre.)

Então, se o cara chegou na presidência, ou no governo do Estado, é porque fechou com o tráfico. Senão matam ele, como aconteceu com aquele que o avião caiu... Como era o nome dele mesmo? mataram porque não fechou!

(Ou senão, a alternativa é alguém da milícia? – mas, milícia e tráfico, não se sabe, nem de longe, onde um começa e o outro termina!)

Imagina uma mala cheinha de dinheiro? Um monte de mala cheinha? É muito, muito dinheiro. Não tem jeito.

Violência e dinheiro, a violência do dinheiro, a violência-dinheiro. E o fato incontornável: sem dinheiro, sem emprego, mas empregando todas as im-possibilidades, estamos rendidos, nas mãos dos bandidos e dos fuzis da insegurança pública.

Mostrou ontem lá na TV, a Polícia Federal pegou máquinas do garimpo, destruiu tudo. Daqui a pouco tá tudo lá de novo. Não tem jeito!

Moro em Duque de Caxias. Estou pensando em me mudar do Rio, tenho ouvido falar bem de Santa Catarina – diz o rapaz.

Como não tem jeito? Tento argumentar que (é óbvio que) tem que coibir, que o que não pode é deixar rolar - aliás como o “presidente” anterior fez.

Mas aí é que a gente percebe como esse eco monstruoso que é o fascismo repercute, ensurdece, obstrui, desampara: é a produção feroz de terror (neoliberal) derramando-se do e no cidadão; está pela cidade, nas ruas, nas cicatrizes, na pele, nos ouvidos ligados aos fones no interior dos metrôs, nos ouvidos embotados pelas palavras raivosas dos pastores milionários; está nas ligações ao celular, no farol vermelho ignorado, no espalhamento pelas redes urbanas e neurais; são ideias-sensações, está no corpo des-empregado e despossuído do que é precioso (a vida), construindo a defesa contra toda e qualquer argumentação por futuro.