Tensões, dores e incertezas em meio ao genocídio: Resenha do livro Discursos da pandemia



 

Le mot de « peste » venait d'être prononcé pour la première fois. A ce point du récit qui laisse Bernard Rieux derrière sa fenêtre, on permettra au narrateur de justifier l'incertitude et la surprise du docteur, puisque, avec des nuances, sa réaction fut celle de la plupart de nos concitoyens. Les fléaux, en effet, sont une chose commune, mais on croit difficilement aux fléaux lorsqu'ils vous tombent sur la tête. Il y a eu dans le monde autant de pestes que de guerres. Et pourtant pestes et guerres trouvent les gens toujours aussi dépourvus. Le docteur Rieux était dépourvu, comme l'étaient nos concitoyens, et c'est ainsi qu'il faut comprendre ses hésitations. C'est ainsi qu'il faut comprendre aussi qu'il fut partagé entre l'inquiétude et la confiance. Quand une guerre éclate, les gens disent: «Ça ne durera pas, c'est trop bête». Et sans doute une guerre est certainement trop bête, mais cela ne l'empêche pas de durer. La bêtise insiste toujours, on s'en apercevrait si l'on ne pensait pas toujours à soi. (...) Nos concitoyens n'étaient pas plus coupables que d'autres, ils oubliaient d'être modestes, voilà tout, et ils pensaient que tout était encore possible pour eux, ce qui supposait que les fléaux étaient impossibles. Ils continuaient de faire des affaires, ils préparaient des voyages et ils avaient des opinions. Comment auraient-ils pensé à la peste qui supprime l'avenir, les déplacements et les discussions? Ils se croyaient libres et personne ne sera jamais libre tant qu'il y aura des fléaux. (CAMUS, A. La peste, 1947, p. 41-42)1

 

Surpresa. Incerteza. Preocupação e, ao mesmo tempo, confiança frente ao desconhecido. Não vai durar – diziam alguns. Apesar de toda a evolução tecnológica e do conhecimento científico a respeito de vírus, vacinas, remédios, segurança sanitária e procedimentos preventivos que a humanidade acumulou ao longo de 75 anos desde a publicação de A peste, de Albert Camus – obra da qual extraímos o fragmento em epígrafe –, o momento atual apresenta semelhanças assombrosas com o seu enredo, semelhanças essas que começam por (não) nomear uma doença, um vírus ou o seu estágio de disseminação. Nomear é ousar dizer, dar sentido. Não nomear, por sua vez, como nos lembra Camus, pode significar como um ato de covardia ou de prudência, para que se evite o pânico, ou ainda de negacionismo, afinal, todos sabiam que a peste há muitos anos havia desaparecido dos países temperados, como a Argélia, onde se passa a narrativa.

Assim, apesar dos sinais (os sintomas, a rapidez da transmissão e a sua alta letalidade), somente na página 40 da edição consultada é possível a Bernard Rieux, o médico do romance de Camus, ainda reticente, nomear pela primeira vez aquilo que vinha afetando a sua cidade: é quase inacreditável – diz ele –, mas isso parece a peste. De maneira análoga, os primeiros casos do novo coronavírus no mundo surgiram entre outubro e dezembro de 20192, sendo inicialmente diagnosticados como uma “misteriosa pneumonia”3. Em 9 de janeiro de 2020, foi anunciado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que se tratava de um novo coronavírus4. Em 11 de fevereiro de 2020, o novo coronavírus recebeu do Comitê Internacional na Taxonomia dos Vírus (ICTV) o nome de SARS-COV-2 (sigla que em português significa Síndrome Respiratória Aguda Grave causada por coronavírus tipo 2)5. No mesmo dia, a OMS batizou a doença causada por ele de Covid-196 e, em 11 de março, tendo em vista o seu estágio de disseminação, nomeou oficialmente a situação então mundialmente vivenciada como uma pandemia – nome este que, dada a sua excepcional circulação em nossa formação social, somada ao silêncio instaurado pelo novo coronavírus e pela doença por ele ocasionada, desencadeou uma série de gestos de interpretação que visavam dar sentido ao desconhecido, ao nunca antes vivido, ao menos pela nossa geração.

Nomear e não nomear não são, todavia, as únicas estratégias discursivas para imposição de uns sentidos em detrimento de outros. É ainda possível, por exemplo, dizer para impedir que o outro diga, para fazê-lo calar, para silenciar ou deslegitimar as suas palavras. No romance, Rieux integra uma comissão sanitária municipal e defende que medidas profiláticas adotadas em caso de peste devem ser aplicadas o quanto antes para que se evitem mais mortes. Ante à determinação do prefeito de que, para tanto, a comissão deveria assumir que se tratava de fato de peste, Richard, um dos médicos considerados mais importantes da cidade que também integra a comissão, não concorda com o seu diagnóstico e coloca problemas legais. Após uma longa discussão, porém, propõe que se assuma a responsabilidade de agir como se a doença fosse a peste. Rieux aceita o contorno (mais do que) linguístico, pontuando, contudo, que nomenclaturas não lhe interessavam e que, a seu ver, importante era deixar de agir como se metade da cidade não corresse o risco de morrer.

No dia seguinte, o decreto da prefeitura informaria o aparecimento de alguns casos de uma febre perniciosa, em relação à qual não havia motivos para inquietação, mas que, tão somente por uma questão de prudência, requeria a adoção de algumas medidas. Diz-se, assim, primeiramente, como se fosse peste e, posteriormente, febre perniciosa para que não se diga: é peste. Se o romance de Camus fosse ambientado no Brasil de hoje, pode ser que, em lugar de febre perniciosa, lêssemos gripezinha, com uma observação de que crianças e atletas não deveriam se preocupar. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades – já dizia o poeta –, mas – acrescentamos – sempre há algo que fica, que permanece, que historicamente se repete, passando a constituir enquanto memória as condições de produção de um dado discurso.

Que já-dito, dito e não-dito estão sempre em relação é o princípio teórico da Análise de Discurso materialista que buscamos ilustrar com a passagem aludida da obra de Camus. E é também nesse princípio que se sustenta o livro Discursos da pandemia: entre dores e incertezas, de organização de Angela Baalbaki (UERJ) e Luís Felipe Andrade Silva (UFBA). Publicada em 2020 pela Editora Pontes, a obra coloca o leitor ao longo das suas 208 páginas diante da incômoda pergunta: O que (não) é possível dizer sobre uma tragédia de escala global no Brasil de hoje?

Acenando para alguns sentidos com que nos deparamos em nosso percurso de leitura, Alexandre Brasil Fonseca (UFRJ) destaca no prefácio como a pandemia acentuou tensões que entrelaçam o âmbito público e o privado e causam uma intensa ansiedade e desconforto social dadas as incertezas vivenciadas nesse contexto. O professor pontua, de forma sintética e bastante precisa, um conjunto de fatores que sustentam uma contínua impossibilidade de certeza quanto à pandemia que, atualmente, já dura dois anos: uma ampla circulação de desinformações, um estímulo à divergência entre sociedade e instituições e a consolidação de uma relação negligente e relapsa de diálogo e comunicação entre o poder público e a sociedade.

Nesse cenário de crise sanitária, segundo Fonseca, a desvalorização das ciências humanas se intensifica frente à urgente necessidade de produção de conhecimento acerca de vacinas, medicamentos e tecnologias capazes de auxiliar no combate ao vírus. Nesse aspecto, o professor salienta a importância de uma obra que pense o discurso do/no contexto pandêmico e que se debruce sobre as inúmeras disputas de sentidos entorno de temas, assuntos e conceitos, que, antes pouco presentes no cotidiano da população, produzem a sensação de incerteza que acompanha o modo como a tragédia – contamos, em fevereiro de 2022, com 628 mil mortes por Covid-19 no Brasil – se inscreve na história pelo funcionamento da língua, (re)atualizando a ação de desigualdades estruturais e de polarizações que organizam quem vive e quem morre. Dessa maneira, o livro, para ele, além de nos possibilitar a reflexão acerca dessas questões, ainda constrói a escrita e o poético como forma de cicatrização de um período de sofrimento social como o que vivenciamos.

Além do prefácio, Discursos da pandemia conta com uma apresentação, de autoria dos organizadores, e com nove capítulos produzidos por pesquisadores de diversas instituições brasileiras que, a partir da análise discursiva de diferentes materialidades, refletem sobre os modos como a pandemia do novo coronavírus foi/está sendo discursivizada no espaço-tempo brasileiro após, assim como a peste na obra de Camus, pegar a todos desprevenidos, inclusive médicos e cientistas. Na apresentação, os organizadores ressaltam que os autores se debruçam sob o desafio de compreender a pandemia enquanto acontecimento – “ponto de encontro de uma atualidade e uma memória” (PÊCHEUX, 2008 [1983], p. 17) – e de explicitar a disputa de sentidos em torno da “factualização” desse momento produzida por distintos e contraditórios movimentos de interpretação materializados nos inúmeros modos como a pandemia é identificada, nomeada, descrita, determinada etc.

Em “O novo (ou o) normal (?)”, Luiz Felipe Andrade Silva (UFBA) reflete sobre o emprego da expressão “novo normal” em recortes do jornal baiano O Correio, ao longo do primeiro semestre de 2020, após o estabelecimento oficial da pandemia de Covid-19 no Brasil. A partir da Análise de Discurso materialista (AD), Silva analisa como se configuram os efeitos de evidência e as regularidades discursivas no funcionamento de “novo normal” e como tal expressão caracteriza uma fórmula discursiva (KRIEG-PLANQUE, 2010), noção mobilizada criticamente a partir de um diálogo com o materialismo do encontro proposto por Althusser (2005 [1982]). Ao analisar as características da fórmula discursiva do “novo normal”, Silva desloca o efeito de evidência e transparência linguística que a expressão carrega no contexto pandêmico, remetendo-a às relações interdiscursivas – sua mobilização no discurso econômico e no discurso moral, e.g. – e às condições de produção e de circulação da sociedade capitalista e colonialista brasileira. Tais relações e condições sustentam sentidos “colados” à pandemia que apagam uma série de contradições históricas, sociais e econômicas as quais garantem que esse “novo normal” funcione de modo a fazer a manutenção das (velhas e “normais”) desigualdades socioeconômicas e relações de poder organizadas pelas instituições, enquanto aparelhos ideológicos do Estado.

Em sua análise, o autor demonstra como uma relação de dupla oposição entre a expressão e os sentidos de crise (financeira, sanitária ou de valores morais hegemônicos) e a existência de um “velho normal” a ser sucedido por “novas” práticas sociais, econômicas e morais sustenta a evidência em si e a exterioridade desse objeto ao discurso e ao sujeito. Nesse imaginário, tais práticas, adequadas à formação ideológica dominante, garantiriam que todos saibam da (e acreditem na) necessidade de regulação institucional de um novo normal, “apagando a objetividade material contraditória do interdiscurso, da qual ele emana” (SILVA, 2020, p. 34). Assim, a insurgência dessas “novas práticas”, em contexto de capitalismo tardio, é discursivizada por sentidos que sustentam um ciclo permanente de crise, necessário para legitimar a atuação e a consolidação dos aparelhos do Estado e das relações sociais e econômicas, em nome de um (suposto) retorno à normalidade.

Em “Sentidos em (dis)curso em tempos de Covid-19: uma análise dos processos de designação”, Fernanda Luzia Lunkes (UFSB), Karla Amorim Sancho (Unicamp) e Fabiano Tonaco Borges (UFF), também à luz da AD, analisam como as designações “distanciamento social” e “isolamento social” são mobilizadas em um Boletim Epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde e em um relatório da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre a crise sanitária causada pela Covid-19. Ao apreender o funcionamento dessas designações nos documentos, os autores demonstram como uma designação mesma pode sustentar diferentes sentidos ancorados em discursividades distintas que estão (sempre) em disputas ideológicas desiguais em uma determinada formação social e como tensões entre diferentes aparelhos ideológicos do Estado – no caso, os da saúde e da política – se estabelecem em nível simbólico, demarcando essas posições em concorrência no processo de designar as práticas dos grupos sociais. Na perspectiva teórico-analítica dos autores, tais processos de designação das medidas protetivas (re)organizam as práticas dos sujeitos, as políticas públicas e as relações sociais de forma geral, as quais, em contexto pandêmico, são atravessadas por discursividades que relativizam e negam os impactos da pandemia na sociedade.

No material, as designações se relacionam estabelecendo ora processos parafrásticos, ora deslizamentos de sentido: por vezes, “distanciamento social” e “isolamento social” são ligados às práticas de controle, prevenção e diminuição de contágio significadas enquanto ação a ser adotada por toda a comunidade num processo voluntário e cooperativo, sentidos estes sustentados por um discurso médico; por outras, essas designações são relacionadas ao afastamento social dos sujeitos (possivelmente) doentes ou parte dos chamados grupos de risco, os únicos que devem ser isolados frente à necessidade de não interrupção do trabalho e da economia, sentidos ancorados num discurso econômico que privilegia o capital frente à preservação da vida. Nesse aspecto, os autores apontam ainda como tais designações produzem efeitos de sentido de negativação da doença, do estar doente e do sujeito doente – sempre determinado pela régua do Estado –, que deslizam para dizeres acerca da necessidade de segregar e marginalizar determinados corpos indesejados pela sociedade.

Em “‘Fique em casa’, ‘Se puder, fique em casa’, ‘Se precisar sair, use máscara’: imperativos e condicionais de uma pandemia”, Phellipe Marcel da Silva Esteves (UFF) analisa o funcionamento discursivo desses três enunciados no modo como circularam na mídia hegemônica brasileira em meio ao contexto pandêmico. Ao analisar como os discursos médico-científicos são mobilizados para construir efeitos de objetividade e de bom senso que legitimam o discurso jornalístico contemporâneo, o autor demonstra como tais enunciados orientam diferentes modos de divisão dos sujeitos telespectadores-consumidores-trabalhadores no decorrer da pandemia, sujeitos que não comparecem na materialidade linguística de nenhum dos três enunciados em análise.

Na análise de “Fique em casa”, primeiro enunciado a aparecer nas mídias assim que medidas de distanciamento social são adotadas, Esteves aponta para uma primeira divisão social, apagada pelo efeito de universalidade e de consolidação popular atribuído à televisão: essa é uma orientação (apenas) àqueles que possuem televisão e consomem seu conteúdo. O autor ainda demonstra que, em contexto de produção capitalista, a indistinção de sujeitos que devem “ficar em casa” conflita com a necessidade capital de produção contínua e de eliminação de mão de obra excedente; assim, entra em cena uma atualização desse enunciado, que passa a “Se puder, fique em casa”, agora atrelado a uma condicional que produz uma nova divisão: entre aqueles que assistem à TV, há trabalhadores que podem e que não podem ficar em casa, o que produz como efeito uma distinção do lugar que os sujeitos (podem e) ocupam no enfrentamento à pandemia e uma tensão entre eles.

Frente à demora de produção de vacinas e ao contínuo aumento de contágios e mortes, outro enunciado irrompe: “Se precisar sair, use máscara”, que (se) direciona (a) sujeitos que não têm outra escolha senão sair de casa utilizando máscara, medida significada como efetiva, já que calcada no discurso médico-científico, mas que apaga as contradições socioeconômicas que sustentam o poder e a desigualdade capitalista: empregos precarizados, superlotação de serviços públicos e espaços marginalizados pelo Estado, que afetam drasticamente a efetividade do uso de máscaras para aqueles que precisam sair de casa. Em suma, o autor demonstra que os “conselhos” dados pela mídia hegemônica funcionam em relação parafrástica sustentados pela ideologia dominante capitalista, que é o que determina a urgência entre poder e precisar sair de casa em meio a uma pandemia.

Em “Discursivização das 100 mil mortes por Covid-19 em primeiras páginas e capas de jornais e revistas do Brasil”, Adriana Santos Batista (UFBA) e Aline Maria dos Santos Pereira (UNEB) analisam os recursos discursivos verbo-visuais mobilizados em primeiras páginas e capas de jornais e revistas de grande circulação, ao noticiarem a marca de 100 mil mortos por Covid-19 no Brasil. As autoras mostram que, na construção das notícias analisadas, esses recursos funcionam de forma articulada, orientando as possibilidades de sentido na relação com o contexto sócio-histórico, de forma a significar o acontecimento das 100 mil mortes em diferentes gestos de interpretação, que atualizam e retomam sentidos em circulação em determinado momento histórico.

Nas análises, a articulação entre visual e verbal, em seu potencial de atravessar o modo como o acontecimento é discursivizado, é compreendida como “aspas verbo-visuais”, uma vez que constituem enunciados que textualizam a tragédia a partir de uma relação singular entre elementos imagéticos e escritos. No material, as autoras mostram que essas aspas verbo-visuais constroem diferentes estratégias discursivas que significam a perda da vida pelo vírus para além da questão numérica, ao produzirem efeitos de sentido de personificação, de emudecimento, de abstração e de culpabilização. Esses efeitos de sentido constroem uma individualização póstuma das trajetórias das vítimas a partir do distanciamento da notícia dos 100 mil mortos de uma indistinta contabilização. Ao mesmo tempo, na interlocução com o sujeito-leitor, esses processos de significação se abrem à multiplicidade de leituras da tragédia, decorrentes de um contexto de inúmeras incertezas e tensões sociais, políticas e econômicas.

Em “Luto e(m) rede social: quando o poético ajuda na cicatrização”, Lucília Sousa (USP), Dantielli Garcia (Unioeste) e Bruno Herculino (USP) analisam, com base no aporte teórico da AD na sua relação com a Psicanálise, postagens da página do Instagram relíquia.rum sobre a morte de diversas mulheres anônimas em decorrência do Coronavírus. Esse “recorte de gênero”, como nos explicam os autores, ao produzir “um saber sobre o luto” e narrativizar as suas histórias de vida, que, a despeito de serem elas “mais expostas ao risco e às vulnerabilidades sociais decorrentes da pandemia” (2020, p. 106), foram/são muitas vezes numeralizadas ou silenciadas, os impeliu a refletir sobre o trabalho de elaboração do luto e a sua relação com as redes sociais num cenário em que o direito aos ritos de despedida de entes queridos – passos fundamentais desse processo – é interditado.

Diante da ameaça de um vírus altamente letal, os autores salientam a imposição de um “não saber o que fazer” não só com o vírus e com a pandemia, mas também com os corpos das inúmeras vítimas cujo “desaparecimento” abrupto torna o luto ainda mais penoso, instaurando um outro estatuto da realidade no qual a “falta do corpo morto” e a “falta de palavras capazes de explicar o que ‘não é possível!’” se imbricam (ibid., p. 100-101). Nesse cenário, entendem que, ao promover a movência de dizeres, relíquia.rum produz uma (res)significação do luto e da morte “por uma via do viver e de traços que individualizam e particularizam os sujeitos mortos e os sujeitos vivos – seus familiares, amigos, amores” (ibid., p. 105). A página se apresenta como um alento à solidão e à dor do luto, como uma “possibilidade de dizer da vida e morte dos sujeitos mulheres” (ibid., p. 106), configurando-se como “um lugar de memória” (ibid., p. 106) no qual, tornando possível o cicatrizar da ferida aberta, é posto em funcionamento “um luto político, um luto público, um luto feminista, um luto de mulheres” (ibid., p. 108). Esse luto, “que arde para além das notícias e dos números” (ibid., p. 109), dá corpo, rosto e história aos milhares de corpos mortos de mulheres também para os outros, os não enlutados, aqueles para quem – tal como para o médico de Camus, que, aturdido, tentava contabilizar os mortos de outras pestes pandêmicas historicamente conhecidas – esses milhares de cadáveres não são mais que “une fumée dans l'imagination”7 espalhada ao longo dos vários meses de pandemia. Trata-se, assim, de um luto que – como flagraram em seu gesto de análise os autores – é também uma forma de luta, de resistência, “que se materializa via metáfora, pela poesia” (ibid., p. 118).

Em “O funcionamento da memória na produção de memes sobre a pandemia de 2020”, Ceres Carneiro (UERJ), partindo da análise de oito memes que, em circulação na internet no ano de 2020, materializam dizeres sobre a pandemia, propõe-se a refletir acerca da atuação da memória e de pré-construídos na sua produção. Para a autora, a opção por essa materialidade de análise se justifica não somente porque pode possibilitar trazer alguma leveza à discussão proposta, como também porque, conforme estudos realizados por pesquisadores do Museu de Memes da UFF e da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV, possui grande relevância social no sentido em que, por meio do humor e do processo catártico, permite a reflexão sobre a adoção de medidas de segurança necessárias ao combate do novo coronavírus.

Em sua análise, uma vez que “publiciza informações”, o meme é tomado como uma “materialidade discursiva midiática”. Sob essa ótica, considerando a sua efemeridade e os apagamentos operados em relação ao seu surgimento, autoria e alcance, Carneiro ressalta que, no movimento de leitura traçado, “o importante (...) é que os memes circulam e se constituem como materialidade significante”, isto é, como materialidade que faz “circular saberes” e produz “sentidos sobre a pandemia de 2020” (CARNEIRO, 2020, p. 130). Posto isso, calcando-se no dispositivo teórico da AD, a autora propõe metodologicamente o agrupamento dos oito memes selecionados em quatro eixos temáticos, dois em cada – quais sejam: os brasileiros, a China, o papel do homem e a escola – a partir dos quais, com a análise empreendida, demonstra como “dizeres formulados da/na atualidade, materializados nos memes, fazem ecoar dizeres formulados em outro tempo e em outro lugar”, eclodindo “pré-construídos sobre os brasileiros, os produtos chineses, as relações de trabalho, o lugar do homem/pai, a escola, as práticas infantis em discursos sobre a pandemia de 2020” (ibid., p. 140).

Em “Quem disse que estivemos paradas? Reflexão sobre a antipalavra no discurso institucional da Universidade Federal da Bahia”, Adriana Faria e Silva (UFBA), filiando-se teoricamente à Análise Dialógica do Discurso (ADD), retoma os conceitos de dialogismo e antipalavra de Bakhtin/Volóchinov para refletir acerca de sentidos que comparecem em comunicações institucionais publicadas no portal da UFBA entre março e junho de 2020. Para tanto, tomando três enunciados concretos em ordem não cronológica, a autora parte a sua análise de uma notícia publicada em junho no referido portal e veiculada posteriormente, com modificações, em um periódico disponível on-line e enviado por e-mail a toda a comunidade em uma iniciativa nomeada “UFBA em movimento”. Em ambas as publicações, no entanto, uma afirmação que retoma o título dessa iniciativa por meio de uma construção negativa chama a atenção de Silva, qual seja: “A UFBA não está parada”. É em função dessa afirmação – uma antipalavra, como explica posteriormente – e considerando o princípio dialógico da linguagem que Silva seleciona as outras duas notícias e formula três questões que passam, então, a nortear a sua reflexão. São elas: 1) “Por que a universidade precisa afirmar que não está parada?; 2) “A qual discurso responde?”; e, colocando-se como docente da instituição, 3) “Quem disse que estamos paradas?” (SILVA, 2020, p. 151; 153).

Em um primeiro momento, embora não seja possível identificar quem acusou a universidade de estar parada, a análise de aspectos linguísticos presentes nas três notícias confirma a construção do sentido de movimento: há a suspensão das atividades presenciais e, posteriormente, a retomada das atividades por meio do trabalho remoto. Em um segundo momento, buscando ainda responder às perguntas inicialmente formuladas, Silva amplia seu escopo de investigação para outros campos de atividade e esferas de comunicação, chegando à hipótese de que “o discurso a que o corpus responde, polemizando, esteve em circulação em redes sociais, em páginas de integrantes e apoiadores do governo” (ibid., p. 160), especificamente no Twitter do então Ministro da Educação em mensagens em que vociferava contra a inatividade das instituições públicas de ensino superior trocadas com supostos internautas e retomadas pela mídia impressa on-line, em abril de 2020, ou seja, dois meses antes da publicação da notícia em que comparece a afirmação que desencadeou o seu gesto de leitura.

Em “Pandemia em discurso: saberes e dizeres sobre surdos e línguas de sinais”, Angela Baalbaki (UERJ) e Isabel Rodrigues (UERJ) consideram, a partir de Pêcheux, a pandemia do novo coronavírus como um acontecimento discursivo, que, colocando em relação uma atualidade e uma memória, produz efeitos de sentidos determinados em função das condições sócio-históricas em que se inscreve. Partindo desse pressuposto teórico, as autoras analisam quatro notícias publicadas entre abril e maio de 2020, com vistas a depreender como esse acontecimento promove a atualização da memória de dizeres sobre o acesso à informação e ao conhecimento por surdos falantes de Libras como primeira língua. Com esse fito, retomando o aparente contrassenso apontado por Byung-Chul Han, em Sociedade da transparência, no que concerne ao “estado de colapso da informação em uma sociedade categorizada exatamente como ‘da informação’, ‘da transparência’” (BAALBAKI; RODRIGUES, 2020, p. 166), as autoras, então, questionam: “Como lidar com esse ‘acontecimento’? Reconhecer uma memória da exclusão do sujeito-surdo e atualizá-la em uma crise sanitária global? Reconhecer a falta do acesso à informação e não se deixar levar pela falácia da transparência?” (ibid., p. 167).

Em seu percurso analítico, mobilizando o conceito de trajeto temático, de Guilhaumou e Maldidier, Baalbaki e Rodrigues detêm-se especificamente à depreensão do funcionamento da construção sintagmática “informação X” no arquivo de notícias constituído, buscando “compreender, sobretudo, a natureza da determinação contida no elemento ‘X’ e a referenciação associada à palavra ‘informação’” (ibid., p. 174). A análise desenvolvida demonstra a tensão entre a reiteração de sentidos já em circulação na memória constitutiva do universo da surdez e “o estranhamento diante de um novo fato social”, produzindo uma atualização que lança holofotes sobre “a percepção da falta de acesso à informação”. Essa falta denunciada nas notícias, contudo, “parece se limitar ao campo da ilusão da transparência da linguagem” e, portanto, “da transmissão de informações” (ibid., p. 179-180). Assim, chamando atenção para uma questão que entendem ser anterior, as autoras afirmam que é preciso ir além e “considerar também a inserção desse sujeito-surdo na produção de sentidos no curso da história”, tendo em conta o que, nas notícias, parece recalcado: “a autonomia do sujeito surdo na produção de sentidos”, prática discursiva que depende da sua inserção “em um processo educacional que considere a Libras como língua de instrução e de produção de saberes e o Português em sua modalidade escrita como língua de expansão de horizontes”. Com isso, trazem à baila uma denúncia outra, qual seja: a da “manutenção do mesmo diante de um ‘novo normal’” (ibid., p. 180).

Em “Sobre o discurso publicitário governamental em tempos de pandemia”, último artigo da coletânea, Silmara Dela Silva (UFF) e Mario Feitoza Matheus (SECTI-RJ/UFF/FAPERJ), também tomando a pandemia enquanto um acontecimento, lembram que “a doença e seus efeitos demandam interpretação, sendo discursivizados de muitos modos, atualizando sentidos, inscrevendo-se em redes de memória” (DELA-SILVA; FEITOZA-MATHEUS, 2020, p. 183-184). Assim, visando depreender o funcionamento do discurso publicitário governamental sobre a pandemia, em sua relação com educação e trabalho, tomam como materialidade a ser analisada um vídeo de um minuto de divulgação do “Programa Novos Caminhos” que, lançado pelo Ministério da Educação e postado em seu canal na plataforma Youtube em 21 de maio de 2020, circulou na mídia até junho do mesmo ano, num período marcado pela adoção de medidas de isolamento social no Brasil e no mundo.

Em seu movimento de leitura, os autores, tomando a relação entre as materialidades verbal e não verbal do vídeo como de composição, e não de complementariedade, apresentam três recortes por meio de prints das cenas em composição com o texto verbal que as acompanha. A partir do batimento entre descrição e interpretação e considerando que “dizer e silenciar estão sempre em articulação" (ibid., p. 198), Dela-Silva e Feitoza-Matheus observam o modo como, em tempos de pandemia, o governo “produz sentido para o processo de formação educacional e profissional sob uma perspectiva neoliberal”. Sob esse viés, ressaltam que, na propaganda governamental, a formação educacional é limitada “a qualificar as pessoas desempregadas para atender às demandas do mercado de trabalho”, tomando como evidência para justificativa da grande onda de desemprego que então assolava o país “uma possível formação profissional insuficiente e desatualizada”. Dito de outro modo, responsabilizam-se, por um lado, “as carências individuais”, produzindo sentidos sobre a necessidade de investimento e esforço dos indivíduos para solucionar o problema, à medida que, por outro, apaga-se “a inoperância do governo para coordenar políticas públicas de controle da pandemia, bem como as causas estruturais do desemprego, geradas por uma política econômica que concentra renda, retira direitos e reduz investimento público” (ibid., p. 199-200).

Ao longo da obra Discursos da Pandemia, somos, portanto, confrontados por distintas estratégias discursivas mobilizadas em condições de produção atravessadas pelas incertezas e tensões entre as instituições que se intensificaram na crise sanitária, política, econômica e social em que estamos inseridos. As análises são perspicazes em apurar, entre a ansiedade e desconforto social do contexto, a complexidade dos processos de discursivização da tragédia que coloca em cena as inúmeras disputas de sentidos que constituem os temas, assuntos e conceitos agora constantes no cotidiano social, responsáveis por inscrever, pelo funcionamento da língua, essa (contínua) catástrofe na história.

As diferentes materialidades analisadas nos textos do livro – imagens, memes, vídeos, documentos, notícias – são salientadas como base de processos que constituem a pandemia enquanto acontecimento (PÊCHEUX, 2008 [1983]) marcado pelo modo como os sujeitos visam dar sentido a um cenário (supostamente) não conhecido, ressignificando as relações sociais – como as constantes e fugazes mortes, os regimes de trabalho estabelecidos na pandemia, o papel da desigualdade no enfrentamento à pandemia, as formas de (não) presença, entre outras – por meio do humor, da denúncia, da lembrança, do silêncio. Ao mesmo tempo, as análises demonstram como nessas “novas” práticas discursivas são (sempre) sustentadas por sentidos já aí presentes, já enunciados noutro lugar e determinados no atravessamento de distintas formações discursivas que, em suas tensas e contraditórias relações, (re)organizam as práticas dos sujeitos, as políticas públicas e as relações sociais de forma a (re)atualizar a ordem desigual estrutural que sustenta a formação social capitalista e colonialista brasileira. Nesse sentido, a obra aponta para a necessidade de ampliarmos cada vez mais o olhar dos estudos em Análise do Discurso para as particularidades da formação social brasileira, sustentada pelo modo como raça, gênero, sexualidade e classe produzem divisões sociais, políticas e econômicas calcadas na colonialidade8 que estrutura nossas condições de produção e atravessa a constituição, formulação e circulação dos discursos (MODESTO, 2021) e consequentemente os processos de identificação e subjetivação até hoje (id., 2018).

Os textos se debruçam sobre o modo como os conflitos institucionais – entre política e medicina; entre política e educação; entre política e jurídico etc. – transpõem o simbólico e organizam ideologicamente o modo como a pandemia é nomeada, referenciada, ilustrada, em meio a um cenário em que a circulação intensa de desinformações e o incentivo ao descrédito das instituições se reverberam em discursos negacionistas mobilizados, inclusive, nos discursos governamentais. Além disso, explanam o modo como os sentidos de um estado de permanente crise legitimam e fortalecem o poder de regulação, inclusive pelo uso da força, dos aparelhos do Estado e das relações sociais e econômicas desiguais, uma vez que constroem a necessidade de retorno urgente à ordem política, sanitária, econômica. Nesse movimento de sentidos em contexto pandêmico, os processos de significação que organizam as práticas de marginalização e segregação social – no Brasil, marcadas por gênero, raça, classe, capacidade etc. – de determinados sujeitos e espaços são reatualizados, dividindo e delimitando os polos que estes ocupam no enfrentamento à pandemia. Ao longo dos textos somos constantemente confrontados por questionamentos que mobilizam indignação: A quem é possível se proteger do contágio pelo vírus? Quem pode morrer por Covid-19? A quem/que interessam essas mortes? Quem pode trabalhar o luto frente às constantes (e evitáveis) perdas?

Os nove textos da obra jogam luz sobre essa complexidade das relações desiguais entre ideologia dominante e ideologias dominadas em uma formação social sustentada pela ideia de igualdade entre sujeitos de direitos e deveres iguais e pela prática de acessos distintos tantos aos direitos, quanto aos deveres, o que se ressaltou na crise pandêmica. As análises elucidam como os dizeres sobre a morte, o luto, a rememoração das vítimas, a indignação do número avassalador de mortes, a origem do vírus, a desvalorização de determinados trabalhos, o aumento da desigualdade na pandemia, o acesso à informação, as medidas profiláticas de contenção do vírus, são todos marcados pelas contradições históricas, sociais e econômicas que sustentam as relações de poder, mas que possibilitam, ao mesmo tempo, o deslocamento, a revolta, a ressignificação uma vez que a resistência se dá no movimento histórico dos sujeitos e sentidos, necessariamente sob a dominação ideológica (PÊCHEUX ([1982] 1990), e que encontra, no funcionamento material da língua, o lugar possível para a possibilidade de sentido outro. Talvez seja esse o lugar também para a cicatrização das feridas decorrentes de um período de constante desesperança.

 

Referências

ALTHUSSER, Louis (1982). A corrente subterrânea do materialismo do encontro. Trad. Mónica G. Zoppi Fontana. Crítica marxista, Rio de Janeiro, n. 20, Editora Revan, 2005, p. 9-48.

BAALBAKI, Angela; SILVA, Luiz Felipe Andrade (org.). Discursos da Pandemia: Entre dores e incertezas. 1 ed. Campinas: Pontes Editores, 2020. 208 p.

BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2018.

CAMUS, A. La peste. Paris: Editions Gallimard, 1947.

KRIEG-PLANQUE, Alice. A noção de “fórmula” em análise do discurso: quadro teórico e metodológico. Trad. L. S. Salgado e S. Possenti. São Paulo: Parábola, 2010.

MODESTO, Rogério. Interpelação ideológica e tensão racial: efeitos de um grito. Littera online, [S. l.], v. 9, p. 124-145, 2018b.

MODESTO, Rogério. Os discursos racializados. Revista da ABRALIN, v. 20, n. 2, p. 1-19, 20 jul. 2021.

PÊCHEUX, Michel (1982). Delimitações, inversões, deslocamentos. In: Cadernos de Estudos Linguísticos, n. 19. Campinas: IEL/Unicamp, p. 08-24. 1990.

PÊCHEUX, Michel (1983). O discurso: estrutura ou acontecimento. Trad. Eni P. Orlandi. 5 ed. Campinas: Pontes Editores, 2008.

Data de Recebimento: 16/02/2022
Data de Aprovação: 25/03/2022


1  Tradução nossa: A palavra “peste” acabava de ser pronunciada pela primeira vez. Neste momento da narrativa, com Bernard Rieux atrás da janela, permitir-se-á ao narrador que justifique a incerteza e o espanto do médico, já que, com algumas variações, sua reação foi a da maior parte dos nossos concidadãos. As tragédias, na verdade, são uma coisa comum, mas é difícil acreditar nelas quando se abatem sobre nós. Houve no mundo tantas pestes quanto guerras. E contudo, as pestes, como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente desprevenidas. Rieux estava desprevenido, assim como nossos concidadãos, é necessário compreender assim as duas hesitações. E por isso é preciso compreender, também, que ele estivesse dividido entre a preocupação e a confiança. Quando estoura uma guerra, as pessoas dizem: “Não vai durar muito, seria uma grande estupidez”. E sem dúvida uma guerra é uma grande estupidez, o que não a impede de durar. A estupidez insiste sempre, e compreendê-la-íamos se não pensássemos sempre em nós. Nossos concidadãos, a esse respeito, eram como todo mundo: pensavam em si próprios. (...) Nossos concidadãos não eram mais culpados que os outros. Apenas se esqueciam de ser humildes e pensavam que tudo ainda era possível para eles, o que pressupunha que as tragédias eram impossíveis. Continuavam a fazer negócios, preparavam viagens e tinham opiniões. Como poderiam ter pensado na peste, que suprime o futuro, os deslocamentos e as discussões? Julgavam-se livres, e nunca alguém será livre enquanto houver tragédias.

2  Primeiro caso de Covid-19 pode ter surgido na China em outubro de 2019, diz estudo. Disponível em: <https://glo.bo/3zAE7xC>. Acesso em: 6 de jan. de 2022.

3  Cronologia da expansão do novo coronavírus descoberto na China. Disponível em: < https://glo.bo/3t7IG1q>. Acesso em: 6 de jan. de 2022.

4  Op. cit.

5  O sistema de nomeação atrás de SARS-CoV-2. Disponível em: <https://bit.ly/3F0cAqp>. Acesso em: 6 de jan. de 2022.

6  Doença provocada pelo novo coronavírus é batizada de Covid-19 pela OMS. Disponível em: <https://glo.bo/3qVO0lM>. Acesso em: 6 de jan. de 2022.

7  Uma fumaça na imaginação (CAMUS, 1947, p. 42).

8  Entendemos a colonialidade como uma dimensão ideológica que atravessa nossa história, se (re)atualiza de modo a estruturar as relações de desigualdade e de dominação social, por meio de um processo que reproduz “as lógicas econômicas, políticas, cognitivas, da existência, da relação com a natureza, etc. que foram forjadas no período colonial” (BERNARDINO-COSTA, MALDONADO-TORRES, GROSFOGUEL, 2018, p. 9). Essa dimensão ideológica perpassa sentidos e estruturas das instituições, práticas e representações simbólicas ocidentais modernas, uma vez que se ancoram em discursos de progresso, soberania, sociedade, subjetividade, gênero, raça e razão que se constituem e são constituídos pelas distinções binárias determinantes entre o moderno e o primitivo, o civilizado e o selvagem, a norma e o diferente, o interno e o externo, o nós e o eles.