Setor Comercial Sul de Brasília: a vida cotidiana como possibilidade para o planejamento


resumo resumo

Mariana Vieira de Mello
Patrícia Silva Gomes



Introdução

A formulação de um planejamento como um pacto coletivo, não um ato burocrático do Estado, é a bandeira de luta do Movimento Nacional pela Reforma Urbana desde sua articulação em 1985, apresentada ainda como ideal difícil de ser alcançado na prática. A política patrimonial, sobretudo a partir da noção de patrimônio cultural assumida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) nos anos 1990 busca, outrossim, defender o patrimônio como genuína manifestação cultural de um povo e não apenas vinculado às obras eruditas instaladas em museus, compreendendo-o como um ato coletivo e não normativo, de quase exclusividade do Estado (Castriota, 2007).

Neste escopo, Henri Lefebvre (1991a) fornece uma importante contribuição teórica sobre o ato não apenas abstrato, vinculado ao poder e ao dinheiro, mas também concreto de construção social do espaço; dentro dele, a forma urbana é entendida, para além da forma espacial, como materialidade política das relações socioespaciais. Não obstante, o que há de mais original na teoria de Lefebvre é justamente a proposição da prática, da práxis coletiva, como possibilidade real para uma verdadeira revolução urbana pelo cotidiano.

Outrossim, ao criticarem o urbanismo modernista emprestado ao Establishment na sociedade de consumo do pós-guerra, De Cereteau (2003) e Debord (1997) trazem a experiência do corpo no espaço não meramente como método, mas antes e, sobretudo, como possibilidade genuína de um urbanismo unitário. A potência da ação coletiva na construção de um espaço que seja mais aderente aos anseios da população, tencionando a formulação de um planejamento não-técnico, que incorpore outras instrumentalidades, como a comunicativa, no seu modus operandi, é estudada na obra de Tilly.

Desse modo, alinhando essas três abordagens – a produção social do espaço e a forma urbana em Lefebvre, a experiência empírica do corpo no espaço em Debord e De Certeau e a ação coletiva em Tilly – este trabalho tem por objetivo analisar as formas de apropriação cotidiana dos espaços do Setor Comercial Sul (SCS) de Brasília, Distrito Federal, pela população, compreendendo sua potencialidade para um planejamento como práxis transformadora e para uma proteção do patrimônio que considere o modo de vida como aspecto vital e interligado ao conjunto tombado da capital. Tenciona-se, assim, os limites do planejamento e da política patrimonial não apenas como atitudes do Estado, mas como representatividades sociais.

Para tanto, a análise empírica sobre o espaço praticado no SCS foi conduzida por meio de três abordagens – i) a espacialidade resultante da ação dos principais atores sociais que atuam no local, realizada por meio do mapeamento e registro fotográfico do desenho instituído (usos, tipos de fachadas, percursos, barreiras, etc.) versus o apropriado pela população (usos informais, ações coletivas), bem como uma reflexão sobre a centralidade e a obsolescência funcional, conforme Lefebvre; ii) a apropriação do corpo no espaço, realizada por meio de entrevistas conduzidas com a população local e de fotografias, conforme Debord e De Certeau; iii) a interpretação do repertório dos coletivos que atuam no local como ação coletiva na condução de um planejamento não-técnico, conforme Tilly. A entrevista, estruturada com questões abertas e fechadas, foi aplicada à 53 usuários cotidianos ou frequentes do local.

As formas de apropriação cotidiana dos espaços – com seus percursos e ações, fortuitos ou criativos – podem confirmar ou subverter o desenho instituído que, no caso deste trabalho, originaram do projeto modernista de Lúcio Costa, consoante ao ato político de construção da nova capital do país.

A concepção urbanística de Brasília se traduz em quatro diferentes escalas – monumental (composta pelos edifícios simbólicos e governamentais ao longo do Eixo Monumental), residencial (composta pelas superquadras ao longo do Eixo Rodoviário), bucólica (composta pelo verde emoldurador do conjunto moderno) e gregária (compreendendo justamente o cruzamento dos eixos, a partir da plataforma rodoviária, formada, nas palavras de Lúcio Costa, por “dois grandes núcleos destinados exclusivamente ao comércio – lojas de magazines – e dois setores distintos, o bancário-comercial e o dos escritórios para profissões liberais, representações e empresas” (COSTA, 1991); seria o local do frenesi da metrópole1, onde o gabarito homogêneo das superquadras seria interrompido por edifícios mais altos).

Desse modo, deslocado poucos metros do espaço de poder da Esplanada dos Ministérios – na escala monumental – e a ele conectado a partir da plataforma da Rodoviária do Plano Piloto, conforme sofisticada junção escalar do projeto de Lúcio Costa, o SCS compõe, dentro da escala gregária, o centro metropolitano principal. Sendo que, no caso de uma metrópole estruturada a partir da função principal da administração pública federal que é o caso de Brasília, tem no setor terciário 92,7% dos postos de trabalho – 74,7% deles serviços e 18% comércio (CODEPLAN, 2018) – e por mais que outras Regiões Administrativas (RAs) concentrem alguns postos de trabalho, como Taguatinga (8,3%) e Ceilândia (6,3%), 41% deles, contudo, ainda estão situados no Plano Piloto (CODEPLAN, 2018).

O SCS é o local onde a multidão metropolitana de anônimos, corpos errantes, forjaria sua práxis cotidiana; onde vários coletivos atuam com táticas voltadas à cultura e ao fortalecimento da identidade de Brasília, à vitalidade do centro, ao acolhimento aos grupos vulneráveis, mostrando a potência da apropriação coletiva para além dos espaços e usos programados pelo desenho.

Todavia, entre esta cidade real, efervescente, e aquela idealizada pelo Governo, há uma incompatibilidade, como se fossem projetos forjados em escalas diferentes. Isso porque, da parte do Governo, a legislação que busca conciliar os princípios do tombamento da capital2 com as necessidades da metrópole contemporânea – o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB) – não está aprovada, enquanto mantém um emaranhado de normas edilícias antigas e, portanto, frágeis para dialogar com a dinâmica metropolitana atual. No PPCUB, o SCS está situado dentro do Território de Preservação 3 (TP3) relativo aos setores centrais, mais especificamente na Unidade de Proteção 3 (UP3) relativa ao Setor Comercial e de Rádio e TV Norte e Sul (figura 2), sendo definidas a localização de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) nas quadras 1 a 6 e a aplicação da Outorga Onerosa de Alteração de Uso (ONALT) como estratégias para diversificar o zoneamento funcionalista rígido. Ademais, a revisão do Plano Distrital de Habitação de Interesse Social (PLANDHIS), no qual estão previstas 30% de (ZEIS) para provimento habitacional no local também não está aprovado.

Desse modo, diferentemente do que ocorreu em algumas metrópoles, que tiveram o esvaziamento de algumas funções de habitação e comércio do centro e que passam, atualmente, pelo reavivamento funcional deste (Nobre, 2009; Nagle; Medrano, 2014), só atualmente se começa a discutir a possibilidade de admitir habitação no centro de Brasília. Para isso, o Governo propõe o controverso Programa “Viva Centro!”, que busca requalificar os espaços livres e destinar o “uso habitacional em até 30% da área total construída no perímetro de intervenção do Programa, excluídos térreo, sobreloja e subsolo dos edifícios” (SEDUH, 2021, Minuta de Projeto de Lei, art. 7º, inciso I). Conforme esta, “o atendimento prioritário seria à “população com faixas de renda familiar de até 12 salários mínimos” (art. 7º, inciso II) e seriam adotados incentivos e contrapartidas, compreendidos por meio da ONALT, para se viabilizar:

 

25% da área admitida para uso habitacional em unidades para moradia da população de baixa renda, na forma de doação de imóveis à Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (CODHAB) para utilização em Locação Social ou outros programas sem transferência de propriedade. (art. 7º, inciso III).

 

O argumento do Governo (SEDUH, 2018) é de que, antes da pandemia de Covid-19, o SCS tinha 24% dos imóveis vazios, incluindo sete prédios integralmente desocupados e esses dados aumentaram exponencialmente pelo impacto que esta representou ao comércio e aos serviços adaptados majoritariamente ao home-office.

Vale esclarecer que a proposta de relativizar o zoneamento funcionalista rígido se apoia no próprio entendimento de Lúcio Costa no documento Brasília Revisita (Decreto nº 10.829 de 1987), no qual o autor reafirma os princípios fundamentais do projeto e a necessidade de conservá-los, mas traz novas propostas para lidar com os problemas decorrentes da metropolização da capital, dentre elas a inclusão de novos setores habitacionais no Plano, buscando reparar, ainda que de forma não bem-sucedida, a histórica expulsão dos setores populares para a periferia, e a sugestão por usos antes predominantes do que exclusivos no centro urbano, recomendando:

 

reexaminar os projetos dos setores centrais, sobretudo os ainda pouco edificados, no sentido de propiciar a efetiva existência da escala gregária – além da Rodoviária e dos dois Setores de Diversões – prevendo percursos contínuos e animados para pedestres e circulação de veículos dentro dos vários quarteirões, cuja ocupação deve, em princípio, voltar-se mais para as vias internas do que para as periféricas. Neste mesmo sentido, não insistir na excessiva setorização de usos no centro urbano – aliás, de um modo geral, nas áreas não residenciais da cidade, excetuando o centro cívico. O que o plano propôs foi apenas a predominância de certos usos, como ocorre naturalmente nas cidades espontâneas (COSTA, 1987. p. 73).

 

Para o mercado, há um interesse imediato no Programa, dada a oportunidade de atualização dos preços dos imóveis corporativos, muitos deles vacantes pela concorrência dos shoppings-centers e de outras centralidades terciárias do entorno, atraindo usos mais vantajosos, como é o caso da moradia popular de mercado (para jovens e outros públicos não vinculados à baixa renda interessados em habitar áreas centrais) por meio da ONALT.

Na voz dos movimentos sociais, o Programa não incorpora soluções efetivas para a população de rua, para a inclusão dos segmentos de baixa renda nesta oferta habitacional, tampouco valoriza os espaços diferenciais sociais e culturais atuantes no local (IAB-DF, 2020).

No vórtice dessas intencionalidades distintas, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a quem se encarrega a deliberação sobre a proteção do patrimônio no CUB, emitiu parecer devolutivo ao GDF apontando fragilidades do Programa para continuidade da análise. Dentre elas, questiona que a proposta para habitação, por meio do provimento às famílias com renda familiar de até 12 salários mínimos e aluguel social, além de desarmonizar com o PPCUB (onde previam-se ZEIS) poderia, no primeiro caso, atrair de forma rápida e direta uma população de média renda, já atendida no CUB, e, no segundo caso, tornar mais lenta e incerta a obtenção de um estoque habitacional pela CODHAB por meio de contrapartidas, para posterior destinação à política de locação social. Outrossim, aponta que o Programa não parte de um mapeamento efetivo dos vazios e subutilizações, para orientar a alocação da moradia social e sugere que ela ocorra nos lotes menores (Quadras 3, 6 e 8).

Questiona ainda os meios para se alcançar a vitalidade do centro compreendendo, por um lado, que a habitação pode não ser precisamente panaceia para esta, a exemplo do que ocorre na Via W3 Sul onde há habitação (reconheça-se unifamiliar de média-alta renda), mas a área encontra-se em decadência funcional, e, por outro, que os genuínos usos que conferem dinamismo – população de rua, coletivos sociais e culturais, trabalhadores informais, bares e casas noturnas – estão inseridos de forma preocupantemente pouco consistentes no Programa. Para além disso, questiona se a inserção de novos usos não contrariaria os já existentes, a partir da aplicação da pouco consensual Lei Distrital nº 4.092 de 2008 (Lei do Silêncio).

Questiona, por fim, a inconsistência das medidas de adaptação das edificações ao uso residencial, respeitando-se a premissa de salvaguarda da forma urbana, dentre elas a reforma em fachadas, garagens subterrâneas, possibilidade de varandas, coberturas e áreas técnicas associadas, adaptação de normas de acessibilidade, de preservação e combate a incêndio e de desempenho, inserção de reservatórios de caixa d’água sobre as platibandas, etc.

Nesta querela, a descaracterização do patrimônio tem sido utilizada como subterfúgio para defender interesses próprios. Madson (2009) assinala que é preciso conciliar esses dois princípios básicos – o direito à cidade e o direito à memória –, segundo ele, é preciso buscar uma ordem urbanística para a capital, na qual a proteção do patrimônio construído seja considerada um parâmetro de valorização da vida citadina. Corroborando esse pensamento, discute-se aqui possibilidades para essa reconciliação, tomando a vida cotidiana como escala para o planejamento e política patrimonial.

 

1. Múltiplas “resoluções” sobre o mesmo espaço e a potência da vida cotidiana como escala do planejamento em Lefebvre

Lefebvre apresenta uma importante contribuição para entendimento da cidade apropriada pela população como potência transformadora das práticas de planejamento e proteção do patrimônio, aqui analisada por meio de três conceitos chaves – a dialética da tríade, a revolução do cotidiano e a forma-função urbana (onde o autor analisa o centro).

Em sua obra “Produção do espaço”, Lefebvre (1991a) apresenta a dialética da tríade, compreendendo que o espaço e o tempo estão interligados e são pré-condição e resultado da produção da sociedade (Schimid, 2012). A base do raciocínio dialético de Lefebvre reconhece três características dimensionais do espaço – a prática social material (a partir de Marx), a linguagem e o pensamento (a partir de Hegel) e o ato criativo poético (em Nietzsche) (Schmid, 2012) –, o que enseja que o espaço seja, simultaneamente, concebido, percebido e vivido.

O espaço concebido, na abordagem lefebvriana, é aquele das representações do espaço, no qual o pensamento (mental) se transforma em prática, a partir da construção concreta (Schmid, 2012). Nele, o domínio material das forças produtivas e seus componentes (natureza, trabalho, técnica, conhecimento), estruturas (relações de propriedade), superestruturas (as instituições e o próprio Estado) (LEFEBVRE, 1991a. p.85), instalam uma linguagem, uma ideologia, um valor de troca (Lefebvre, 1991a). Este é o espaço dos cientistas, dos planejadores, dos urbanistas, dos tecnocratas fragmentadores, engenheiros sociais e até o de certos tipos de artistas próximos da cientificidade (LEFEBVRE, 1991a. p.39).

O espaço percebido é aquele da prática espacial, no qual ocorre a identificação (percepção) da manifestação da natureza (transformada, dominada, apropriada) pela ação coletiva nas diversas escalas – do indivíduo, da família, da vizinhança (Lefebvre, 1991a). Afere-se daí que é nessa escala que as decisões políticas e econômicas definidas no espaço abstrato são percebidas e traduzidas em atos burocráticos como normas e desenhos.

O espaço vivido, dito como espaço de representação, é aquele da vida cotidiana, dominada, passivamente experienciada por meio de um sistema mais ou menos coerente de símbolos e signos não-verbais que a imaginação deseja modificar e apropriar (LEFEBVRE, 1991a. p. 98).

O autor alarga, assim, a compreensão do cotidiano como espaço e tempo nos quais decorrem os aspectos mais profundos de uma existência, que é simultaneamente social e individual, em seus projetos de vida, desejos, satisfações e frustrações (Lefebvre, 1991b).

O cotidiano é, nesses termos, o lugar da experiência do corpo no espaço – dos encontros marcados, que criam obras singulares, ou fortuitos, que fornecem intensidade à vida urbana. É o lugar do afetivo, do falado, do criativo, da quebra da rotina, da esmagadura da mesmice, mas também do conflito, da confrontação das diferenças, onde os problemas são formulados e coexistem diferentes modos de vida (Carlos, 2017). É justamente a improvisação e espontaneidade contidos no vivido que produzem, para além da práxis ordinária, a criatividade e inventividade urbanos (a poíesis).

Quanto ao tempo contido na vida cotidiana, Lefebvre (1991a) compreende que a prioridade do econômico e, mais ainda, do político provoca a supremacia do espaço sobre o tempo. Para ele:

 

o tempo, esse ‘vivido’ essencial, esse bem entre os bens, não se vê, não se lê. Não se constrói. Ele se consome, se exaure, e isto é o fim. O tempo deixa apenas marcas. Ele se dissimula no espaço sob os fragmentos que o encobrem e dos quais nos livramos o mais rápido: os rejeitos poluem” (LEFEBVRE, 1991a. p. 95-96. Traduzido).

 

Isso faz compreender o espaço como um acúmulo de escalas, cujo desenho constituído vai traduzir as atribuições de sentido expressas por cada um dos atores que o produzem, enquanto pode gerar a subversão do desenho formal instituído pelo mercado e pelo Estado por outro dito informal, forjado pelos atos da população em sua vida cotidiana.

Não se pode deduzir do pensamento de Lefebvre, contudo, que haja uma segmentação escalar ou a prevalência de uma escala sobre as outras, mas do entendimento de que o espaço é, simultaneamente, concebido, percebido e vivido. De tal modo que a passagem do espaço concebido e percebido para o vivido implicaria em um deslocamento do interesse social do produto para a obra (Carlos, 2017 citando Lefebvre, 1983).

Lefebvre fornece um genuíno pensamento sobre uma revolução urbana a partir do cotidiano, lapidado ao longo das décadas – nos três volumes de “Crítica da vida cotidiana”, 1991b [1947], 1961 [2002] e 1981 [2014] –; mas que tem no ativismo das ruas, particularmente no incendiário maio de 1968, o ponto de inflame das discussões, como pode ser visto em “A vida cotidiana no mundo moderno”, 1968 [2009] escrita no calor do movimento. No dizer de Harvey (2012, p. xiii), “a gênese dessa concepção, pouco antes dos eventos de maio de 1968, provavelmente deva mais ao ativismo nas ruas e vizinhanças de Paris do que à tradição intelectual em que ela (também) se apóia”.

Na obra de 1947 o foco de Lefebvre é o avanço da sociedade de consumo do pós-guerra e suas consequências para a reificação do homem. Segundo ele, a modernidade instaura o domínio do homem sobre a natureza, sobre o mundo e sobre a própria vida, mas esse domínio é alienado na medida em que o homem se vê prisioneiro de sua própria dominação e de sua própria vida (Lefebvre, 1991b), apresentando-se então como dialética.

Carlos (2017) salienta que a alienação na obra de Lefebvre é compreendida a partir das mudanças do ritmo de trabalho, impostas pelas exigências da tecnicidade; das relações dos homens com os objetos, pela sociedade da mass media; do esfacelamento das relações familiares e das relações de vizinhança; da incorporação de um lazer alienante, particularmente pelo advento das máquinas de lazer da época (a televisão e o rádio). Assim, a alienação, ensejada pela divisão do trabalho na sociedade de classes, resultaria no empobrecimento da sensibilidade, da cultura, do relacionamento com o outro (Carlos, 2017 citando Lefebvre, 1953).

Todavia, o autor enxerga que são justamente as possibilidades sociais e individuais da vida cotidiana que podem representar uma superação desta alienação; para ele, “a arte de viver implica o fim da alienação” (LEFEBVRE, 1991b. p.199).

Na obra de 1961, por sua vez, Lefebvre traz, por um lado, um aprofundamento da teoria das necessidades a partir de Marx e, por outro, uma sistematização de conceitos instrumentais para uma sociologia do cotidiano, a partir das categorias teóricas da noção da realidade, do vivido e do viver e da ambiguidade (Lacombie, 2007). Assim, a realidade se refere a tudo aquilo que é concreto, existente, tangível e não apenas estes, como também as representações e simbolizações que estes guardam à própria realidade (Lacombie, 2007).

O vivido, para o autor, se refere à ordem do real, daquilo que é realizado, ao passo que o viver, à ordem do virtual, daquilo que é possível viver (Lacombie, 2007). De tal modo que o vivido, enquanto categoria sociológica, estaria ligado ao conjunto de experiências sociais dadas e realizadas no presente, no decorrer da cotidianidade (Lacombie, 2007). A ambiguidade, por sua vez, diz respeito aos conflitos e contradições da existência, no confronto do real com o possível (Lacombie, 2007).

Na obra de 1981, a contribuição principal de Lefebvre é a reflexão sobre o advento da tecnologia no projeto de modernidade, resultando em continuidades e rupturas.

O pensamento de Lefebvre (1991a, 2011, 1991c) sobre a dialética forma-função urbana traz importantes contribuições para compreender a forma (e o conteúdo) como representação das relações socais, traz ainda uma análise sobre o centro, a obsolescência e a rua.

No sentido lefebvriano (1991a, 1991c), a acepção mais abstrata do termo forma urbana – na geometria ou na plástica – é marcada pela disposição espacial – quadriculada, radiocêntrica, linear, curvilínea – que acaba por definir uma área e um volume. A envoltória da forma acaba também por definir um interior e um exterior, um público e um privado, ainda que essa noção de fechamento seja relativizada pela intrínseca simbiose entre exterior e interior. Outrossim, a forma urbana traz uma ordenação (de fundo) que a faz confundir com o contexto.

No entanto, na acepção social do termo, a forma pura é preenchida e transformada pela vida social, como encontro da obra e do produto (LEFEBVRE, 2011. p.94). Lefebvre (1991a; 1991c) identifica que há no urbano sempre um lado repressivo – lugares escondidos, até impenetráveis, viscosidades, buracos negros (Lefebvre, 1991a); capazes de manter os dramas velados, as violências latentes, a morte e a cotidianidade (Lefebvre, 1991c). E é justamente essa opacidade que nutre a transgressão, que se torna transparente na fala da cidade, expressa nos seus muros (Lefebvre, 1991c).

 Não à toa os becos e subsolos modernistas do SCS terem sido apropriados pelas tribos undergrounds e os muros expressarem gritos de vários tipos de violência velados (vide item 4). Interessante observar que a tática dos coletivos culturais que atuam no local incute os lambes como uma tentativa de devolver cor e alma para os sólidos monumentais brancos que definem a paisagem da área central de Brasília.

Lefebvre (2011) esclarece que além das funções próprias à cada cidade – política e administrativa, comercial, produtiva (artesanal, manufatureira, industrial) –, definidas pela divisão do trabalho, como aquela que deu a Brasília o papel de cidade administrativa, os espaços são definidos por diversos níveis. O nível G, dito por ele de global, é representado pelos edifícios monumentais como ministérios, palácios, edifícios políticos e administrativo, catedrais, templos que expressam a semiologia do poder do Estado (LEFEBVRE, 1991c. p.78); o nível M, dito misto, mediador, intermediário, é representado pelos itinerários, lugares de passagem, endereços comerciais (LEFEBVRE, 1991c. p.79); o nível P, dos edifícios privados, é representado pelo habitar e seus lugares, as casas e apartamentos.

Disto resulta uma dimensão paradigmática – o centro e a periferia – e outra sintagmática – a ligação dos elementos articulando isotopias (isto é, lugares do mesmo, da ordem próxima) e heterotopias (isto é, lugares do outro, ao mesmo tempo excluídos e imbricados, da ordem distante). Para Lefebvre (1991c), “as isotopias se expressam e se leem nos planos, nos percursos, nas imagens mais ou menos elaboradas pelos ‘sujeitos’, como é o caso dos espaços produzidos pelo racionalismo de Estado, como grandes linhas retas, avenidas largas, vazios, perspectivas amplas, ocupação do solo fazendo tábula rasa do precedente, sem observar os direitos e os interesses dos ‘de baixo’, nem os custos” (LEFEBVRE, 1991c. p.119-120).

Daí decorre em Lefebvre a compreensão de que o centro3 é um espaço raro, que só pode se dispersar em centralidades parciais (policentralidades); que se pode atingir de todos os lados e, a partir do qual, quem o ocupa, percebe-se tudo e descobre tudo (Lefebvre, 1991c).

A obsolescência dos espaços é compreendida em Lefebvre (1991a) a partir da tríade homogeneidade-fragmentação-hierarquização do espaço e do tempo provocados pela modernidade. As transformações podem resultar em continuidades – quando há a justaposição de formas históricas de momentos diversos – e descontinuidades – quando há rupturas provocadas por algumas transformações (Carlos, 2017) –; ao passo que, temporalmente, podem implicar na mudança dos tempos da vida urbana – mais efêmeros ou mais lentos – e nos modos de apropriação e uso dos espaços (Carlos, 2017).

Enquanto essas transformações produzem novas áreas e usos, podem resultar na obsolescência de áreas e usos antigos. Carlos (2017) observa, a partir de Jean Gottmann (1973), a dialética entre a obsolescência dos imóveis, vinculada à esfera do individual, e dos espaços, vinculada à esfera do coletivo. Ao passo que a fragmentação do espaço pode resultar na diluição da memória coletiva, o que implica compreender a vida citadina como memória imaterial potente para a proteção da memória material.

Depreende-se dessas reflexões que, se uma política congelante do patrimônio poderia resultar no aprofundamento da obsolescência funcional e da degradação dos espaços do SCS, a tentativa de sua reativação por novos usos e requalificações, sem provocar a mudança das tipologias arquitetônicas, seria capaz de alterar o conteúdo social dos espaços e, por conseguinte, o tempo do trabalho, do não-trabalho e a própria espessura do tempo.

A rua tem grande centralidade na obra de Lefebvre, compreendida não apenas como lugar de passagem, mas antes como lugar da experiência da corporeidade, conforme será explorado no item 2. Para Lefebvre, cabe à rua uma dimensão sintagmática de encadeamento dos percursos; a partir do seu panorama pode-se ler a vida cotidiana, no seu ritmo, conflitos, sentimentos de estranhamento, no modo como a solidão se desponta, a arte da sobrevivência se desvela, o ritual da mercadoria expresso nas vitrines inebria o comando dos passos; o contraste das construções, das fachadas, dos usos e das cores.

 

2. A experiência do corpo no espaço em Debord e De Certeau como escala de uma revolução pelo cotidiano

Debord (1997) e De Certeau (2003) ao buscarem a crítica ao formalismo e ao funcionalismo do movimento moderno em arquitetura trouxeram contribuições empíricas acerca da corporeidade no espaço em prol de um urbanismo unitário.

As propostas se baseiam na criação de espaços mais humanos, trocando os desejos impostos pela cultura dominante por aqueles latentes no cotidiano das pessoas. Buscam explorar a cidade como condicionadora e condicionante das experiências comportamentais, a partir dos métodos técnico-artísticos da pscicogeografia e da deriva.

A pscicogeografia consiste em “estudar os efeitos exatos do meio geográfico, conscientemente planejado ou não, que agem diretamente sobre o comportamento afetivo dos indivíduos” (JACQUES, 2003. p.18) para compreender como as ambiências urbanas são percebidas pelos cidadãos. Já a deriva consiste na técnica de andar sem rumo pela cidade (errâncias), perdendo-se voluntaria e lentamente, escapando-se da rotina do cotidiano e misturando-se à influência do cenário, para registrar as sensações obtidas (Jacques, 2003). Jacques (2003) observa que, pela proposta da deriva, os situacionistas propunham a experimentação lúdica da cidade atual, enxergando-a como um jogo que deve ser jogado até chegar-se a uma formulação da cidade futura, inédita (JACQUES, 2003. p. 20).

De Certeau, no mesmo contexto de maio de 1968, vai advogar pela importância das práticas ordinárias, pelos “modos de fazer” o espaço pelas pessoas comuns, os usuários anônimos. Tais práticas muitas vezes fazem uso das regras e convenções impostas por uma ordem social e economicamente dominante, bem como pelo desenho urbano instituído, mas outras definem comportamentos, usos e apropriações, não previstos nas normas sociais e nos planos urbanísticos.

O autor propõe a arte de andar pela rua, compreendendo sua linguística e performance, os diversos patchworks (microredes do cotidiano) e as diversas bricolagens poéticas (ambiências criadas pelos diversos grupos sociais), a partir das “focalizações enunciativas”, ou seja, do lugar do corpo no discurso. Para ele, a rua, geometricamente definida pelo urbanismo, transforma-se em lugar pelos pedestres.

De Certeau defende que as táticas são as forças que a população dispõe para acessar seus objetivos, e é justamente nas brechas deixadas pela sociedade de controle, do poder dominado que as populações têm reais possibilidades de transformação. Não à toa Brasília ter sido vista como autoritária, não só por possuir seus conjuntos monumentais/simbólicos protegidos da população, mas também por gerar um domínio perspectivo, muito propenso ao controle panóptico.

 

3. A ação coletiva em Tilly como instrumentalidade de um planejamento não-técnico

O pensamento da ação coletiva de Tilly, considerando um dos mais polêmicos e originais do século XX, traz uma importante compreensão instrumental sobre o confronto como forma de construção crítica do espaço. Ao se abordar a ação coletiva em Tilly não se pretende aprofundar na teoria dos novos movimentos sociais, mas apenas lançar luz sobre as ações dos coletivos que atuam no SCS.

Tilly traz o conceito de “repertório” para analisar as formas de fazer manifestação em cada momento histórico e identifica três formatos principais de sua ocorrência – o competitivo, para expressar rivalidades dentro de um sistema constituído; o reativo, para defender direitos ameaçados; o proativo, para reivindicar “novos direitos”.

Para Tilly a eficácia instrumental de um repertório deriva intrinsicamente de sua novidade, de um tensionamento constante por criatividade e inovação que a persistência da luta requer. O repertório inclui também diversas variedades de greve, envio de petições, organização de grupos de pressão e umas tantas outras maneiras de articular queixas e demandas (TILLY, 1978. p. 151-152).

Tilly analisa a formação de alianças e conflitos entre os grupos sociais nas ações coletivas da contemporaneidade. Para ele os “Ciclos de Protestos” são períodos de alta mobilização social e as “Oportunidades Políticas” são momentos históricos propícios às grandes lutas sociais (Miller, 2000).

Tilly identifica alguns pontos de convergência entre as ações coletivas dos tempos do neoliberalismo: i) o uso das redes para articular as alianças entre os movimentos sociais para lutarem por causas maiores e depois desaparecem; ii) o uso da comunicação interpessoal como forma de fortalecer a identidade coletiva dos movimentos sociais (Tilly, 2005) – este enquadramento interpretativo (framing) de identidades coletivas isola o grupo face a face do movimento maior do qual é parte e de suas relações com outros significativos: antagonistas, aliados e agentes culturais mais amplos que restringem e incentivam a ação coletiva (Snow; Benford, 1992; Snow et al., 1986) –; iii) a aproximação dos campos da política e da cultura, com suas dimensões cognitivas, afetivas, simbólicas ou morais.

O confronto político tem início quando, de forma coletiva, as pessoas fazem reivindicações a outras pessoas cujos interesses seriam afetados se elas fossem atendidas, as quais vão desde súplicas humildes até ataques brutais, passando por petições, reivindicações através de palavras de ordem e manifestos revolucionários (McAdams et al., 2009). 

Dentre as novas formas de manifestação têm-se as performances, tanto para marcar suas demandas às autoridades como para criar e manter seus adeptos; um exemplo dessa tática são os eventos-festa organizados pelos coletivos culturais no SCS, com repertório político nítido.

As formas de articulação com o Estado na ação coletiva permitem tratar das relações complexas e variáveis entre os movimentos sociais e a política institucional pelas seguintes maneiras:

 

Primeiro, pode revelar os tipos de atores sociais que tendem a interagir de forma contenciosa com estados, elites e outros atores; segundo, pode mostrar se e como esses atores combinam formas contenciosas de ação coletiva com comportamentos mais convencionais dentro e no entorno das instituições; terceiro, pode indicar mudanças de recursos, oportunidades e restrições associadas às alternâncias entre formas mais ou menos contenciosas de ação coletiva; quarto, pode indicar relações entre as ações desses atores e as de outros durante os mesmos períodos de tempo para averiguar a hipótese acima de que ciclos de protesto produzem quadros interpretativos de ação coletiva e uma aceleração da inovação da ação coletiva através de um amplo espectro de grupos sociais; quinto, pode revelar as mudanças nos padrões de ação coletiva que produzem situações revolucionárias e interações entre pessoas poderosas e desafiantes que convertem essas situações em resultados revolucionários (MCADAM et al., 2009. p. 35-36).

 

4. A apropriação cotidiana dos espaços do SCS como potência para o planejamento e proteção do patrimônio

Partindo de uma análise lefebvriana, tem-se que o SCS é resultante de decisões que são tomadas em várias escalas. Podendo-se compreender, na escala do espaço concebido, o seu projeto como representação do ato político de construção da capital moderna no interior do país. Na escala do espaço percebido, representaria o conflito instituído pela regulação do Governo, entre proteger o desenho e o zoneamento modernistas e garantir as dinâmicas de reprodução da cidade (e do capital), dentro do clássico pêndulo entre acumulação e legitimação (Poulantzas, 2000). Na escala do vivido, por fim, representaria o lugar da pulsação da metrópole, da reprodução da vida e do trabalho (formal e informal) assim como o tempo do deleite (do não-trabalho).

Dentro dessa interpretação lefebvriana, o desenho formal modernista instituído para o SCS Setor A (visto na figura 1) resultou em grandes quadras (1 a 6) entre o Eixinho Oeste e a Via W3 Sul, com blocos de edificações. Sendo que a quadra 1 possui edifícios isolados, com gabarito de 16 pavimentos; as quadras 2, 4 e 6 possuem edifícios-quarteirão, com gabarito de 6 pavimentos; a quadra 3 edifícios-quarteirão, com gabarito de 4 pavimentos e a quadra 5 edifícios-geminados com 2 pavimentos, diferenciam-se os edifícios Bradesco, Palácio do Comércio, OI e Embratel, com mais de 12 pavimentos.

As quadras de 1 a 6 do Setor A foram implantadas de forma pioneira, na década de 1960, e as quadras do Setor B (não analisadas neste trabalho) foram implantadas no início da década de 1970. A figura 2 mostra as intenções de uso pelo PPCUB.

 

 

 

 

 

 

 

Figura 1


Mapa com usos formais e informais do SCS. Fonte: arquivo das autoras.

 

Figura 2


Mapa com as UP do PPCUB. Fonte: arquivo das autoras.

 

As entrevistas aplicadas junto à população compreendem, inicialmente, a motivação principal de uso do SCS, mostrando que a maioria das pessoas, 37,3%, o utilizam por motivo de trabalho e 37,3% para acesso a serviços; a motivação de lazer foi menos informada (29,4%) (figura 3a). Quanto ao tempo de utilização, 27% ficam entre 9 e 12 horas, 19% entre 12 e 15 horas e 29% costumam ficar acima de 15 horas cotidianamente no local (figura 3b). 32,7% dos entrevistados declarou utilizar a área durante os dias úteis e 11,5% durante os dias úteis e aos finais de semana, metade dos respondentes declarou utilizar a área raramente (figura 3c).

Figura 3 (‘a’ a ‘c’)

Motivo, tempo e frequência do uso do SCS. Fonte: arquivo das autoras.

 

O zoneamento funcionalista rígido define uma prevalência do uso no tempo do trabalho deixando a área desocupada no tempo do não-trabalho ou apropriada pelos atos da poíesis. Percebe-se no SCS zonas híbridas de temporalidades e espessuras do tempo distintas – dos trabalhadores informais, os primeiros a chegar, já para as vendas do pico da manhã, dos apressados indo para o trabalho ou voltando para casa no fim do dia, dos que fazem um terceiro turno de trabalho ou estudo no entorno, da população de rua que realiza bicos ou fica isolada ou em grupos durante o dia e segue isolada ou em grupos durante a noite, dos artistas com seus tempos lentos, dos eventos e festas da noite e usos undergrounds da madrugada.

Algumas narrativas mostram essa grande sazonalidade do uso: “o local fica deserto em determinados horários” (Jovem, morador do Plano Piloto); “durante o dia é lotado e durante a noite o espaço morre. Fica abandonado” (Mulher, trabalhadora do local).

É ao longo dos blocos que se desenvolvem três tipos de atividades terciárias – as que ocupam as salas corporativas dos edifícios, geralmente com funções de serviços, e que, portanto, são pouco percebidas na fruição de pedestres no térreo; a que ocorre nos comércios do térreo e que atendem tanto a quem trabalha quanto a quem circula pelo local; as que são realizadas pelo comércio montado cotidianamente no local pelos trabalhadores informais.

A apropriação desses blocos pelo cotidiano da população mostra que as atividades voltadas para os espaços livres contribuem mais para a fruição do pedestre do que aquelas introversas (figura 4 versus figura 5), enquanto a presença de empenas cegas coíbe a fruição térrea criando espaços opacos (figura 7). Sobre este desenho formal instituído, a consolidação de outro informal, a partir do comércio ambulante ao longo das galerias e dos puxadinhos dos bares e atividades de apoio à dinâmica cotidiana, fornece uma maior animação ao local.

 

Figura 4

Atividades ativas. Fonte: arquivo das autoras

 

Figura 5

Atividades introversas. Fonte: arquivo das autoras.

 

Figura 6

Comércio informal. Fonte: arquivo das autoras

 

 

 

Figura 7

Empenas cegas. Fonte: arquivo das autoras.

 

No espaço livre entre os blocos localizam-se quatro praças, os estacionamentos, as ruas internas, as calçadas de circulação de pedestres e os demais espaços verdes. As praças são propícias à permanência e à realização de feiras e eventos coletivos. Todavia, o desenho instituído, com a descontinuidade em relação ao fluxo principal de pedestres (conforme discussão lefebvriana sobre o encadeamento dos percursos) a falta de equipamentos qualitativos, dificulta a sua maior apropriação pela população. Dentre estas, a Praça do Povo foi reinaugurada em outubro de 2021, catalisando uma maior apropriação pela população.

A escassez de massas arbóreas define o aspecto da paisagem preponderado pelo concreto, com a vegetação ocorrendo de forma pontual nesta. A própria narrativa dos usuários reforça essa percepção do lugar: “tem tons de cinza e cimento escuro” (Mulher, moradora de Sobradinho).

A concentração e diversificação dos serviços, a grande circulação de pessoas e a facilidade de acesso confirmam o SCS como centralidade principal da metrópole. O próprio dizer das pessoas reforça isso: “é um local que possui uma grande variedade de pessoas, comércios” (Jovem, moradora do Plano Piloto); “tem uma localização central na cidade, próximo de equipamentos urbanos importantes e com acesso fácil ao transporte público. Você consegue achar tudo aqui – se você precisa de banco, mercado, tem próximo. Shoppings têm dois” (Trabalhadora do local, moradora de Valparaíso de Goiás).

 “É um grande polo comercial e é importante para a história do brasiliense” (Jovem, moradora do Cruzeiro). Outra, por fim, contribui:

 

O SCS é um lugar de muito movimento e que você sente o ritmo da cidade. Acho um lugar interessante para se observar pessoas, tem muito comércio e serviços úteis e que são importantes para a sociedade. Também percebo de forma positiva todos os movimentos culturais e sociais que ocorrem lá, que nos lembram que as formas que ocupamos locais dita como eles serão em segurança, conforto e receptividade (Jovem, moradora do Plano Piloto).

 

Figura 8

Praça malconservada. Fonte: arquivo das autoras.

 

Figura 9

Praça reformada. Fonte: arquivo das autoras.

 

Figura 10

Escassez de vegetação. Fonte: arquivo das autoras.

 

 

 

Figura 11

Estacionamentos. Fonte: arquivo das autoras.

 

Não obstante sua localização central, com estação de metrô e linhas de ônibus bastante capilarizadas, as entrevistas reafirmaram o uso do carro como forma majoritária de acessar o local (informado por 63,5% dos respondentes), ao passo que as formas coletivas metrô e/ou ônibus somam juntas 48% das respostas (figura 12a). O que pode ser confirmado pelos estacionamentos sempre insuficientes na oferta por vagas; a ausência de estacionamento rotativo impede a renovação das vagas, de tal modo que, já nas primeiras horas da manhã, essas são ocupadas majoritariamente pelos trabalhadores formais e informais (que têm no carro uma forma de deslocar o estoque de vendas: fruitas, produtos eletrônicos, de beleza e higiene, roupas e calçados, manequins, etc.).

 

Figura 12 (“a” a “c”)

  Meio de transporte, imóveis vazios e mudanças do uso com a pandemia.

 Fonte: arquivo das autoras.

 

O deslocamento a pé por entre os setores da área central é fragmentado não apenas pela adoção da malha aberta cortada por vias lineares (Eixo Rodoviário, W3, etc.), mas também pela prevalência do trânsito rodoviário assumido nestas. A Galeria dos Estados coloca-se como uma das únicas formas de deslocamento a pé por entre os setores.

Lúcio Costa pensava para o setor central uma circulação pedonal facilitada como elemento essencial para se alcançar a almejada vitalidade urbana. Goulart e Leitão (2009) lembram que, em 1974, Lúcio Costa chegou a reafirmar que se revertesse a desarticulação e segmentação do caminhamento dos pedestres entre os setores da área central, sugerindo que “se procure a maneira mais racional, mais simples, sem grandes artifícios de conectá-los para que o pedestre possa percorrer, caminhar e circular de um setor da cidade para o outro, com a devida tranquilidade e segurança. Isso é fundamental, precisa ser corrigido” (COSTA, 1974, p.27).

Conforme a tradição modernista, as vias internas do SCS servem mais para o acesso interno de veículos do que para o encadeamento do fluxo de pedestres; em alguns trechos, inclusive, as vias passam sob os edifícios para acessar às garagens no miolo dos quarteirões. Ademais, os fluxos de pedestres são comprometidos por barreiras, desníveis, conformação de platôs, calçadas pouco qualificadas, puxadinhos, que tornam a caminhabilidade pouco confortável (figura 13 e 14). Assim, o projeto modernista do SCS ressignifica a rua de comércio ou mesmo a rua como lugar, o que não implica dizer que “mate a rua”, já que a práxis e a poesis continuam acontecendo ao longo delas.

A mencionada centralidade do SCS se contrasta, contudo, com o esvaziamento funcional. Questionados se percebem muitos imóveis vazios no lugar, 54% das pessoas disseram que sim e 42% não souberam opinar (figura 12b). As falas registram a decadência e obsolescência de alguns imóveis: “o espaço está decadente” (Mulher, moradora do Plano Piloto); “têm muitos prédios com uma estrutura envelhecida” (Mulher, moradora da Estrutural). “Tem muitos prédios bonitos, que estão bem conservados, mas tem muito prédio abandonado” (Jovem, moradora de Taguatinga); “falta manutenção predial” (Homem, morador Sobradinho).

Registram ainda a percepção de um esvaziamento ainda maior em razão da pandemia de Covid-19; na opinião de 47,1% dos entrevistados o local ficou mais vazio e 11,8% consideram que as pessoas estão utilizando-o, com uso de máscara, mas sem distanciamento social (figura 12c).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 13

Puxadinhos. Fonte: arquivo das autoras.

 

Figura 14

Barreiras. Fonte: arquivo das autoras.

 

Apesar de destacarem a decadência dos imóveis, quando questionados sobre os pontos da arquitetura do SCS que mais apreciam, 59,6% disseram os pilotis e galerias, 48,1% os cobogós. 42,3% os lambes, 48,1% os grafites e 44,2% os becos (figura 15a).

 

Figura 15 (“a” a “c”)

Elementos mais significativos da arquitetura, moraria no centro e sensação de segurança.

Fonte: arquivo das autoras.

 

Quando questionadas sobre a possibilidade de haver moradias no local, 58% disseram concordar e 42% descordar (figura 15b). Algumas falas a favor e contra mostram: “Não tem espaço. Quem morasse lá não teria qualidade de vida com a movimentação do lado” (Mulher, morador do Plano Piloto). “Porque é um setor comercial e o lazer, o barulho noturno e diurno não combinariam com moradias” (Homem, morador de Sobradinho). “Bom, primeiro porque o próprio nome já diz é um setor comercial. Eu acho muito difícil conseguir reverter o abandono com a moradia. As pessoas não têm segurança para morar aqui” (Mulher, Taguatinga). “Sim, para melhorar o ambiente. Não ficaria tão largado, especialmente de noite. Os moradores cuidariam mais. Se for bem organizado, sim” (Homem, morador de Samambaia). “Para aproveitar melhor a ocupação urbana” (Homem, morador de Águas Claras).

Questionadas ainda sobre quais mudanças sugeririam para o local, 63,5% apontaram a necessidade de espaços públicos e praças de qualidade; 67,3% a revitalização dos prédios (figura 15c). Algumas falas apontam: “O que mais tem é banco. Gostaria que tivessem árvores, praças, fontes d’agua. Gostaria que houvesse mais espaços residenciais, voltados à população em situação de rua e comércios noturnos como bares, restaurantes” (Mulher, moradora do Guará). “Eu vejo mais comércio e gostaria de ver mais opções culturais e habitação. Alguma coisa para atrair as famílias” (Mulher, moradora de Valparaíso de Goiás).

Uma análise da percepção do corpo no espaço, a partir Debord e De Certeau, mostra que as pessoas se relacionam com o desenho instituído de diversas maneiras – sentadas nas escadarias, guarda-corpos e balizadores em conversas ou descanso entre os intervalos de trabalho (figura 16); jogando (figura 17); deitadas nos gramados; apropriando-se dos guarda-corpos e balizadores para expor e comercializar os produtos; para a prática skate, sobretudo na Praça do Povo de dia e de noite (figura 18); comendo entre os food-trucks e quiosques com mesas improvisadas nas calçadas (figura 19) ou nos bares do happy-hour; para as festas underground no Beco do Rato, mostrando a subversão da rua modernista; para as bocas de fumo e zonas de prostituição. 

 

 

 

Figura 16

 

Grupos de conversa. Fonte: arquivo das autoras.

 

Figura 17

 

Pessoas jogando. Fonte: arquivo das autoras.

 

Figura 18

 

Skatistas na praça. Fonte: arquivo das autoras.

 

 

 

 

 

 Figura 19

 

Food-trucks. Fonte: arquivo das autoras.

 

As narrativas sobre as sensações transmitidas por essas práticas ordinárias expõem: “os espaços são barulhentos. Tem muita gente gritando, com microfone, som alto” (Mulher, trabalhadora do local); “acho inseguro devido a pobre iluminação do local” (Homem, morador do Jardim Botânico). Vale ressaltar que essa má luminosidade não decorre da ausência de iluminação pública, ao contrário, é um dos únicos locais do DF com uso de lâmpadas de LED, mas da falta de usos noturnos que pudessem promover o policiamento comunitário (figura 20).

 

Figura 20

 

Luzes noturnas do SCS. Fonte: arquivo das autoras.

 

 

  

Figura 21

 

Horta comunitária. Fonte: arquivo das autoras.

 

Além dessas formas ordinárias da apropriação da população conforme ou contra o desenho instituído, a poeisis também se apropria do espaço. O que pode ser percebido no ato de criação da horta comunitária em canteiro da praça central (figura 21) e que foi desativada pelo próprio Governo em 2021, de colocação dos lambes (figura 22) e intervenções artísticas (figura 23) chamando atenção para os espaços do SCS, da criação de microcircuitos internos de comunicação (quase uma codificação) pelo Jornal Jararaca, de realização de feiras e eventos de samba e música eletrônica, ações culturais e grafites, sobretudo no Beco do Rato (figura 25).

A horta comunitária simbolizaria não apenas uma rede social de segurança alimentar, de apoio e resistência à população em situação de rua, mas também uma forma de ressiginificar a predominância do concreto e das construções na paisagem. Apoio que se contrasta com a colocação de grades ou outras barreiras que evite que a população de rua se abrigue sob algumas marquises (figura 24). Nas narrativas da população: “Sinto que a paisagem é extremamente urbana, mas não de um jeito ruim – gosto do efeito que a circulação de pedestres dá ao ambiente, acho as artes urbanas lindas e sinto que refletem a realidade local” (Mulher, morador do Plano Piloto). “O SCS me lembra feirinhas de rua, frutas, camelôs, galeria amplas e espaçadas. Carnaval, samba da sexta-feira, horta comunitária, ioga, sopão, van do banho. Bloquinhos de carnaval, samba urgente, samba do churrasquinho, cinema ao ar livre, também frequento o centro de cultura da América Latina e eventuais festivais” (Mulher, moradora de Samambaia).

 

 

 

 

 

Figura 22

Lambes. Fonte: arquivo das autoras.

 

 Figura 23

 

Intervenções artísticas. Fonte: arquivo das autoras.

 

Figura 24

 

Arte nos becos. Fonte: arquivo das autoras.

 

 

 

 

 

Figura 25

Grades. Fonte: arquivo das autoras.

 

Esses atos da poesis são, com efeito, formas de manifesto político de competição e reação, conforme Tilly, frente as intenções do capital e do poder para o local. O repertório dos coletivos que atuam no SCS inclui microprojetos de valorização das minorias e dos espaços diferenciais – como as hortas (Coletivo Aroeira), banho, comida e apoio a população de rua (Coletivo Barba na Rua, além de outras entidades sociais), lambes e intervenções artísticas (Coletivo Transverso), intervenções urbanas acupunturais (Coletivos MOB e Labirinto) –; eventos e festas nos quais os temas políticos socioculturais se diluem – Beco-elétrico (Coletivos Sintra, SNM, Sujo, Confronto SoundSystem e Limbo), Samba-Urgente, Setor Carnavalesco Sul (No Setor), Cinema Urbana (Coletivo Cinema Urbana), Feiras (No Setor) –; além das lutas, dentro da institucionalidade, por um planejamento mais humano, a partir de assentos em Conselhos (IAB, No Setor), geralmente difundida no circuito das redes sociotécnicas (BR Cidades, IAB) e comunitárias (Jornal Jararaca, Barba na Rua), aproximando as fronteiras entre a cultura e política e a constante criatividade, inovação e persistência das táticas.

 

Conclusões

Para além da pulverização de moradia social no SCS, como compromisso urgente de reverter as tradicionais injustiças socioespaciais de Brasília, legitimar as práticas ordinárias do local – forjadas pelos cidadãos anônimos, pela população de rua e pelos minorias – e qualifica-las – por meio da promoção de espaços culturais, centros de educação, profissionalização e recolocação no mercado de trabalho, restaurantes populares, abrigos, serviços de apoio à população de rua, praças e espaços de lazer ativos, percursos contínuos e desobstruídos para o pedestre, eventos de lazer diversos – parece ser, ao lado da valorização da criatividade urbana – pela atuação dos coletivos – a forma mais potente para um planejamento justo.

Pensar em uma revolução urbana a partir do cotidiano para o SCS significaria reinverter o espaço invertido pela sociedade de consumo – trazendo a diversidade e não o abafamento das vozes dos coletivos sociais e culturais; a heterogeneidade de usos e classes sociais e não sua hegemonia; a valorização dos espaços públicos sobre os privados como medida potente contra a decadência funcional; a segurança de andar na rua pelos grupos vulneráveis (mulheres, idosos, população LGBT+), a valorização dos percursos de pedestres e a diversidade de usos, sobretudo durante a noite, não o seu empobrecimento; a experiência criativa e afetiva do corpo no espaço por meio dos eventos diversos, não do seu empobrecimento; a valorização do tempo do não-trabalho e não apenas do trabalho. A valorização da cidade praticada e da linguagem comunicativa, legitimados pelo planejamento e como elemento vital do patrimônio, mostram-se como possibilidades reais para uma irrupção a partir do cotidiano.

 

Bibliografia

CARLOS, A.F.A. Espaço-tempo da vida cotidiana na metrópole. São Paulo: Labur Edições, 2017, 2ª edição revisada, 317p.

CASTRIOTA, L. B. História da arquitetura e preservação do patrimônio: diálogos. In: XXIV Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte. Anais [...]. Belo Horizonte, 2007. p.1-7.

CODEPLAN. Pesquisa Distrital por amostra de domicílios. 2018. Disponível em: https://www.codeplan.df.gov.br/wp-content/uploads/2019/03/PDAD_DF-Grupo-de-Renda-compactado.pdf. Acesso em: 23 de novembro de 2021.

COSTA, L. Brasília revisitada, 1985-1987: complementação, preservação, adensamento e expansão urbana. In: LEITÃO, F. (org.). Brasília 1960-2010: passado, presente e futuro. Brasília: SEDUMA, 2009. p. 69-78.

COSTA, M.E; LIMA, A.V. de. Brasília 57-85: do plano piloto ao Plano Piloto. In: LEITÃO, F. (org.). Brasília 1960-2010: passado, presente e futuro. Brasília: SEDUMA, 2009. p. 45-68.

DE CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

GOTTMANN, J. The Significance of Territory. The Rector and Visitors of the University of Virginia. Virginia: University of Virginia, 1973.

GOULART, M.; LEITÃO, F. Escala gregária. In: LEITÃO, F. (org.). Brasília 1960-2010: passado, presente e futuro. Brasília: SEDUMA, 2009. p. 45-68.

HARVEY, D. Rebel cities. From the right to the city to the urban revolution. Londres/Nova York: Verso, 2012.

INSTITUTO DOS ARQUITETOS DO BRASIL DEPARTAMENTO DISTRITO FEDERAL. 2020. O Centro do Plano Piloto precisa ser devolvido às pessoas de Brasília. Disponível em: http://www.iabdf.org.br/noticias. Acesso em: 23 de novembro de 2021.

IPHAN. Superintendência no Distrito Federal. Parecer Técnico nº 07/2021/COTEC/IPHAN-DF/IPHAN-DF. Programa de Revitalização do Setor Comercial Sul, denominado “Viva Centro!”. 2021. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/522915986/Iphan-SCS. Acesso em: 23 de novembro de 2021.

JACQUES, P. B. (org.). Apologia da Deriva – escritos situacionistas sobre a cidade / Internacional Situacionista. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.

LACOMBE, M. S. M. Os fundamentos marxistas de uma sociologia do cotidiano. In: Revista Outubro, ed. 17. São Paulo, 2008. p. 145-172.

LEFEBVRE, H. A revolução urbana. (Trad. Sérgio Martins). B. Horizonte, Ed.UFMG, 1991c.

LEFEBVRE, H. A vida cotidiana no mundo moderno. (Trad. João de Barros). São Paulo: Editora Ática, 2009.

LEFEBVRE, H. Contribution a l´estetique. Paris, Éditions Sociales, 1953. 43p.

LEFEBVRE, H. Critique of Everyday Life. V1. Introduction (Trad. John Moore). London; New York: Verso, 1991b.

LEFEBVRE, H. Critique of Everyday Life. V2. Foundations for a sociology of the everyday (Trad. John Moore). London; New York: Verso, 2002.

LEFEBVRE, H. Critique of Everyday Life. V3. The one-volume edition (Trad. John Moore). London; New York: Verso, 2014.

LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia. México: Fondo de Cultura Económica, 1983.

LEFEBVRE, H. O direito à cidade. São Paulo: Editora Centauro, 2011.

LEFEBVRE, H. The production of space. 1ª ed. Oxford: Blackwell, 1991a.

MADSON, C. R. Preservação do conjunto urbanístico de Brasília: alguma coisa está fora da ordem. In: LEITÃO, F. (org.). Brasília 1960-2010: passado, presente e futuro. Brasília: SEDUMA, 2009. p. 219-238.

MCADAM, D.; TARROW, S.; TILLY, C. Para mapear o confronto político. In: Lua Nova, São Paulo, 76: 11-48, 2009.

MILLER, B. Geography and social movements. Minneapolis: Minnesota University, 2000.

NAGLE, C. B. ; MEDRANO, L. Retorno à cidade. Habitação social e o centro urbano consolidado da cidade de São Paulo. In: I Congresso Internacional de Vivienda Colectiva Sostenible. 2014. v. 1. Anais [...]. Barcelona: UPC, 2014. p. 316-323.

NOBRE, E. A. C. Políticas urbanas para o centro de São Paulo: renovação ou reabilitação? Avaliação das propostas da prefeitura do município de São Paulo de 1970 a 2004. Pós. Revista Do Programa De Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP, (25), 2009. São Paulo: FAUUSP, 2009, p. 214-231.

POULANTZAS, N. O estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro: GRAAL, 1980.

SCHIMID, C. Teoria da produção do espaço de Henri Lefebvre: em direção a uma dialética tridimencional. (Trad. Marta Inez Medeiros Marques; Marcelo Barreto). In: GEOUSP – espaço e tempo, N°32. São Paulo, 2012. p. 89-109.

SEDUH. Governo propõe residências no Setor Comercial Sul. 2020. Disponível em: https://www.seduh.df.gov.br/governo-propoe-residencias-no-setor-comercial-sul/. Acesso em: 23 de novembro de 2021.

SEDUH. Projeto de Lei Viva Centro! Disponível em: http://www.seduh.df.gov.br/projeto-de-lei-complementar-viva-centro/. Acesso em: 23 de novembro de 2021.

SNOW, A.; BENFORD, D. Master frames and cycles of protest. In: MORRIS, A.; MUELLER, C. M. (eds.). Frontiers in social movement theory. New Haven: Yale University Press, 1992.

SNOW, D. A.; 1986. “Frame alignment processes, micromobilization, and movement participation”. American Sociological Review, nº 51, pp. 464-481.

TILLY, C. From Mobilization to Revolution. Nova York: Random House, 1978.

 

Data de Recebimento: 05/02/2022
Data de Aprovação: 28/03/2022


1  Em visita à Brasília, Lúcio Costa descreve a apropriação do centro metropolitano que concebeu: “[...] isto tudo é muito diferente do que eu tinha imaginado para esse centro urbano, como um centro requintado, igual a Champs Elysées ou Picadilly Circus, uma coisa mais cosmopolita. Mas não é. Quem tomou conta dele foram esses brasileiros legítimos que construíram a cidade e estão instalados ali legitimamente. É o Brasil... E eu fiquei orgulhoso disso, fiquei satisfeito. É isso. Eles estão com a razão, eu é que estava errado. Eles tomaram conta daquilo que não foi concebido para eles. Foi uma Bastilha” (COSTA, 1984 apud COSTA; LIMA, 2009).

2  O tombamento do Conjunto Urbanístico de Brasília (CUB) pelo GDF se deu pelo Decreto nº 10.829 de 1987, como medida para inclusão da cidade na lista do Patrimônio Cultural da Humanidade da UNESCO, ocorrida no mesmo ano, e que levou em conta “representar uma obra artística única, uma obra-prima do gênio criativo humano; ser um exemplar marcante de um tipo de construção ou conjunto arquitetônico, que ilustre um estágio significativo da história da humanidade”. O tombamento federal inclui Portarias, a partir da previsão inicial da Lei Federal n º 3.751, de 1960. 

3  Infere-se que o SCS pertence ao nível M, dada a centralidade terciária, enquanto o nível G, seria representado, sobretudo pelo Eixo Monumental com os edifícios administrativos dispostos com o afastamento perspectivo para a apreciação monumental; o simbólico e o opressor contidos no monumental é analisado por Lefebvre (1991a).