Pessoas em situação de rua e o “centro do universo”: tensões entre a cidade planejada e a cidade praticada


resumo resumo

Natália Alves dos Santos
Andréa Vieira Zanella



Introdução

Você não é o centro do universo

Autor/a desconhecido/a

 

 

 

  Figura 1: “Você não é o centro do universo”

  Fonte: Registro da pesquisadora

 

Deparei-me com a epígrafe, eleita para intercessora desta escrita, estampada em um dos inúmeros muros que compõem a paisagem do centro da cidade de Florianópolis, Santa Catarina (figura 1). Pintada em letras grandes sobre pedras, na cor branca, a inscrição criava uma espécie de cenário com alguns pertences empilhados no interior de dois carrinhos de supermercado. Pertences de pessoas em situação de rua que estavam próximas do local no momento em que a imagem foi registrada. Os dois carrinhos, apesar de alocados na calçada da rua, ocupavam parte do espaço reservado ao estacionamento de carros. Ao lado e na frente dos dois carrinhos, alguns sacos de plástico preto, desses que comumente utilizamos para descarte de lixo. Não por acaso elegi essa imagem, inscrita no corpo da cidade, para disparar algumas problematizações que pretendo empreender através desta escrita.

A temática pessoas em situação de rua e cidade é foco das discussões tecidas em minha tese de doutorado, com orientação da segunda autora deste artigo. Umas das questões que norteia a investigação diz respeito às relações que a cidade institui com as pessoas em situação de rua. Além disso, a escolhi porque provocou deslocamentos em minha própria subjetividade, convocando-me a pensar sobre que universo é esse de que fala essa frase; que universo é esse no qual estamos inseridas/os; que fronteiras o delimitam; como se configura o seu centro; o que se constitui como margem; a quem se destinam esses espaços; o que/quem habita o centro e o que/quem habita suas margens.

É possível pensar o universo como nos apresenta o dicionário, atribuindo à palavra as noções de “mundo”, “conjunto de todas as realidades criadas”, “espaço, matéria, energia e tempo”, “um todo composto de partes harmonicamente dispostas”, “o cosmos”, “espaço ou domínio” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p.520).

 Outra possibilidade é pensar no universo em relação ao habitado e ao que nos habita, como o faz o poeta Taiguara1 ao dizer que “Meu pedaço de universo é no teu corpo”. Essas possibilidades de sentido parecem se inscrever na frase grafitada no muro, e por isso a elejo como intercessora para a discussão sobre as relações que a cidade - o universo urbano que habitamos - estabelece com pessoas em situação de rua. Pessoas que, embora presentes desde sempre nas referências às cidades (GRINOVER et al., 2014; FELTRAN; ARRETCHE, 2016; RODRIGUES; FERNANDES, 2020), são consideradas como margem, indesejadas, infames.

Para Michel Foucault (2003), essas vidas consideradas infames são aquelas historicamente subjugadas, cujos corpos são acometidos por diversas políticas de extermínio, não tendo o que as considere dignas de nota, de grandeza ou de reconhecimento. Sobre essas pessoas infames, no Brasil e no mundo, incidem políticas de urbanização que as rejeitam, práticas assistenciais que visam corrigir seus modos ditos desviantes de vida, medidas higienistas que pretendem as expulsar dos centros das cidades (COSTA, 1999; BOARINI, 2003; LOBO, 2008; OLIVEIRA, 2010). Este artigo busca olhar para essas relações.

 

Sobre as escolhas metodológicas

Escolher estratégias que possibilitem pesquisar a/na cidade, apesar de se estar na cidade e ser parte desta cidade, pareceu-me, à princípio, tarefa decerto desafiadora. Ao mesmo tempo, e no decorrer de todo o processo de pesquisa que possibilitou a escrita deste texto, pude compreender que não há pesquisa sem desafios e sem o encontro com incertezas, com o inesperado. Assumi, portanto, uma postura de abertura a esse desconhecido com o qual eu poderia, a qualquer momento, deparar-me. Corpo aberto e disponível, eis meu posicionamento diante de meu campo de pesquisa e durante todo o processo de pesquisar, tentando talhar, como aponta Maria Elizabeth de Barros (2016, p.11), “um estilo de pesquisa que não busca o invariável, mas o que se singulariza”.

Andréa V. Zanella (2017)  apreende o processo de pesquisar bem próximo do que é próprio ao circuito da vida, em que as descobertas se darão à medida em que disponibilizarmos nossos corpos à experimentação, a estar com o campo, as pessoas e a cidade, correndo, portanto, alguns riscos. Desses encontros, pode eclodir “a possibilidade de se vir a ser um/a outra/o, de se produzir alguma diferença. Na pesquisa e na vida” (p.24).

Lancei-me a esse desafio, assumindo as relações que a cidade estabelece com pessoas em situação de rua, as quais se configuraram como campo-tema de pesquisa. Segundo Peter Spink (2003), o nosso campo de pesquisa não é um mero espaço físico, para onde nos dirigimos em busca de informações, de maneira objetiva e neutra. O campo tem início logo que estabelecemos vínculo com a temática que investigamos, portanto é um campo-tema: “não é mais um lugar específico, mas se refere à processualidade de temas situados” (SPINK, 2003, p.18). O pesquisador defende a ideia de que, como psicólogas/os sociais, não é possível ser parte do campo-tema em um curto espaço de tempo, tampouco “numa relação de levantamento de dados conduzido num lugar exótico” (p.27). A inserção no campo-tema de pesquisa tem a ver, portanto, com um posicionamento ético e um compromisso da/o pesquisador/a em contribuir para a abertura de diferentes produções de conhecimento sobre a temática eleita, a partir de outros posicionamentos e argumentos.

Delimitada a cidade de Florianópolis e as relações que estabelece com pessoas em situação de rua como campo-tema de pesquisa, entre 2016 e 2019 caminhei pela urbe, movida pelas afecções que em mim esse campo-tema mobilizou. Durante a flanêrie (BENJAMIN, 1994), produzi fotografias, como a apresentada em epígrafe, e na medida em que as questões que me moviam foram se evidenciando, engendrei uma busca mais específica sobre documentos. Senti necessidade de olhar com mais atenção para como a cidade vem sendo planejada, se há lugar, nos modos de pensar o urbano, para as pessoas em situação de rua.

A primeira busca por pistas relacionadas ao planejamento urbano da cidade de Florianópolis ocorreu no Arquivo Histórico Municipal. O Arquivo Histórico Municipal é um órgão da Prefeitura de Florianópolis, criado através da lei municipal nº 4.491 de 14 de setembro de 1994, e inaugurado no dia 19 de dezembro de 1995. Lá encontram-se arquivados documentos históricos oficiais de diversos setores, como correspondências, alvarás, requerimentos, registros gerais, folhas de pagamento, livros-registro do antigo cemitério da Ponte/Desterro (1841/1925) e algumas fotografias da cidade.

Dirigi-me ao local acreditando que lá poderia encontrar alguma documentação a respeito, mas fui orientada pelo historiador da instituição a procurar o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis2 (IPUF). No arquivo, durante os dias em que ali estive, percorrendo os poucos materiais que estavam disponíveis para consulta, ficou evidente o descaso público com a memória da cidade. Muitos papéis, fotografias e outros documentos armazenados em armários enormes, em diversas estantes, pelos quais meus olhos percorreram, interessados, curiosos, mas que não receberam tratamento adequado, alguns nem sequer foram catalogados e, por este motivo, não pude consultá-los. Memória e história da cidade arquivadas de uma forma difícil de ser perscrutada.

Fiz contato, então, com o responsável pela guarda e organização dos arquivos da biblioteca do IPUF. Nossa conversa aconteceu por e-mail, e não foi necessário dirigir-me presencialmente ao instituto. Ele me enviou cópia dos planos diretores que a instituição possuía em seus arquivos. A princípio, quis acessar todos os planos diretores da cidade para quem sabe, problematizar a evolução do planejamento de Florianópolis ao longo dos anos. Pensar que cidade era essa no século passado e como era projetada, que cidade era possível e como se deu o processo de propor outros modelos de planejá-la. Como um plano diretor pode repercutir na organização espacial e social da urbe? Essa questão esteve presente ao longo da busca pelos planos diretores de Florianópolis. Entretanto, a dificuldade em acessar a íntegra dos planos de 1955 e 1977 me levou a eleger como foco de discussão o último plano diretor da cidade, publicado em 2014 e ainda vigente.

Ao flanar pelas 110 páginas da lei complementar que regulamenta esse plano e por seus inúmeros mapas, anexos e planilhas, busquei pistas que indicassem que tipo de atenção é voltada às pessoas em situação de rua e se existem medidas higienistas no corpo da lei. Ao fazê-lo, outra questão suscitada foi: de que modo o planejamento e urbanização da cidade se relacionam com os corpos das pessoas com as quais pesquiso?

As análises dos materiais, plano diretor e fotografias, fundamentaram-se sob um olhar cartográfico em relação à cidade. A cartografia, concebida a partir do encontro entre o filósofo Gilles Deleuze e o psicanalista institucional Félix Guattari, é considerada um método de pesquisa-intervenção que rompe com a lógica da neutralidade em pesquisa, “[...] constituindo formas de pesquisar preocupadas com a processualidade e implicadas nas transformações que a investigação pode deflagar” (CAVAGNOLI; MAHEIRIE, 2020, p.65).

A implicação do/a pesquisador/a com seu campo-tema de investigação e os afetamentos produzidos a partir daí são condição imprescindível ao processo cartográfico. O que emerge desses encontros e afetamentos – aqui tidos como o que nos atravessa, produz estranhamentos e nos tira do eixo - é, também, essencial. A cartografia tem como principais objetivos, portanto, rastrear as formas e forças (macro e micropolítica) inerentes a qualquer realidade e sustentar a processualidade e a complexidade, características das relações (ROMAGNOLI, 2016).

Vale salientar que a Esquizoanálise, aporte teórico-prático que sustenta o método cartográfico, é um campo que não se reduz apenas aos fenômenos psicológicos, mas que investe nos agenciamentos entre pessoas e forças sociais, psiquismo e estrutura social. É caro a esta abordagem compreender as conexões entre pessoas, coletivos e instituições, sem se restringir apenas às relações entre humano e humano (HUR, 2019).

A cartografia compreende realidade e subjetividade a partir de planos, que funcionam de forma distinta e sustentam relações diferenciadas, a saber: o plano de organização ou das formas e o plano de composição ou consistência. O plano de organização ou plano das formas refere-se àquilo que está instituído socialmente de forma molar, ordenado em segmentos e estratos, cujo funcionamento se dá por classificações e codificações, operando por transcendência que, por sua vez, propicia a formação de estratos que homogeneízam os fluxos da vida.

O plano de composição ou consistência é o plano constituído de forças moleculares, plano invisível de expansão da vida; seu funcionamento é heterogêneo e pouco importa como vai se organizar, já que a potência é conquistada nos encontros, que promovem sentidos outros à existência (KASTRUP, 2008; ROMAGNOLI, 2016). Os planos coexistem, deslizam uns sobre os outros, e importante se faz considerar que a cartografia, contrapondo-se a uma maneira dicotômica de se pensar, “convoca a imanência, a exterioridade das forças que atuam na realidade, buscando conexões, abrindo-se para o que afeta a subjetividade” (ROMAGNOLI, 2016, p.42).

A leitura da cidade foi aqui empreendida a partir de um olhar para o plano diretor da urbe e o que ali se inscreve, de forma rizomática. A figura do rizoma, apropriada da botânica por Deleuze e Guattari e antagônica ao modelo arborescente, é essencial para compreendermos a proposta da cartografia. Segundo os autores, o rizoma é mapa e não decalque:

 

[...] é aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social. Pode-se desenhá-lo numa parede, concebê-lo como obra de arte, construí-lo como uma ação política [...]. (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p.30).

 

Realidade e subjetividade também podem ser pensadas a partir das lógicas das linhas que, como já afirmaram Deleuze e Guattari (2011), podem estar em qualquer coisa; “[...] há linhas de articulação ou segmentaridade, estratos, territorialidades, mas também linhas de fuga, movimentos de desterritorialização e desestratificação” (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 18).

Todo/a cartógrafo/a tem como desafio, dentre as formas, forças e intensidades em que se situa, acompanhar a realidade sem a preocupação de representar fatos e dados, mas de produzir com o campo-tema de pesquisa conhecimentos que possam instigar, criar indagações e transformar, atento/a não só ao “que faz as forças e a potência fluir, mas ao que endurece e impede que processos de subjetivação aconteçam” (SANTOS, 2010, p.26).

Vitor Regis e Tania Galli Fonseca (2012) reiteram que as cartografias são sempre resultados “parciais, lances de uma viagem em terras estrangeiras. É essa a potência que o cartógrafo quer alcançar, de sentir-se estrangeiro dentro da própria morada, ele que de porto em porto se vê em um tempo outro, que empurra, traveste, ora rasga e ora costura o mesmo e o faz diferir” (p.273). Cartógrafo/a e flanêur tem em comum esse estranhar a própria morada de que os autores nos falam.

Parti dessa proposta de estranhamento à cidade que ora habito para empreender olhares outros, que pudessem me ajudar a problematizar as lógicas que engendram as relações entre as pessoas em situação de rua e a urbe. Estive atenta ao fato de que, a qualquer momento, poderia ser capturada pela lógica que classifica e enquadra, que reproduz e impede a emergência do novo, da diferença. Tentei não me deixar capturar. O olhar para os documentos, por conseguinte, buscou compreender as tensões entre a cidade planejada e a cidade praticada: mais especificamente, analisar como a cidade responde à presença, permanência e trânsito de pessoas em situação de rua e se há rastros de medidas higienistas a elas voltadas no corpo da lei.

 

Sobre Pessoas em Situação de Rua: breves considerações

A existência de pessoas habitando provisória ou permanentemente as ruas de cidades brasileiras não é recente: alguns/mas autores/as remontam ao período histórico que compreende o Brasil Colônia e Império para demonstrar que os/as chamados/as, à época, de vadios/as, indigentes, esmoleiros/as, mendigos/as e/ou vagabundos/as, “espelhavam desajustes à lógica do binômio senhor-escravo, portanto, marginais na estrutura social” (RODRIGUES et al. 2020, p.25).

Igor Rodrigues et al. (2020) também nos convidam a problematizar o termo ou referência “pessoa em situação de rua”, comumente utilizado nas cidades por diferentes instituições e em diferentes contextos. A expressão visa abarcar um público heterogêneo que engloba “um extenso rol de outras classificações, como migrantes, coletores de materiais recicláveis, albergados, profissionais do sexo, usuários de drogas, trabalhadores itinerantes, andarilhos, desabrigados e camelôs” (p.23).

O que parece é que esse termo soa um pouco mais adequado que os anteriores - mendigo, pedinte, morador de rua -, porém importante se faz compreender que, como categorização, não dá conta da complexidade inerente à existência dessas pessoas. Como apontam os/as autores/as citados, é necessário compreendermos por quais motivos elas são reduzidas e/ou localizadas a partir desse referencial de marginal urbano, “mesmo tendo diversas outras atividades e pertencimentos” (RODRIGUES et al., 2020, p.23). Neste sentido, Igor Rodrigues et al. (2020), defendem o uso do termo “cidadãos em situação de rua”.

A pesquisadora Jane Cruz Prates, por sua vez, cunhou o termo “processo de rualização” para referenciar a relação das pessoas com a rua. Sua argumentação evidencia que o uso reiterado de palavras, sem a devida problematização, geralmente omite o fato de que viver na rua pode ser uma situação contingente e “ver essa situação como estado e não como processo é um modo de reiterá-la, sem reconhecer a perspectiva do movimento de superação” (PRATES et al., 2011, p.194). Quando se parte da noção de um processo de rualização, este é concebido como processo social que pode se modificar a partir de inúmeros condicionantes e de maneira contínua.

Mateus Cunda (2018) defende a ideia de que o que chamamos de população em situação de rua congrega numa só categoria, diversos movimentos, tais como os de rualização, periferização, dispersão e segmentação “enunciando a questão social das cidades” (p.6). E acrescenta que, de maneira transversal, essa categoria também manifesta outras questões: a feminina, negra e indígena, “marcos da expropriação burguesa, branca e patriarcal. A categoria não representa, assim, uma essência do viver na rua: transparece, muito mais, as formas sempre reinventadas das pessoas sobreviverem nas grandes cidades e terem reconhecidas suas cidadanias” (ibid, p.6). Simone Frangella (2004), evidencia o fato de que a especificidade das pessoas em situação de rua “está em subverter, de forma radical, o sentido homogeneizador do espaço da rua, ao condensar cotidianamente neste as dimensões pública e privada de sua vida” (p.33).

Para Bader Sawaia, Aline Pereira e Lívia Maria dos Santos (2018, p.101), “a situação de rua perturba o mundo sensível: traz ao ‘centro’ da vida na cidade as agudas desigualdades que marcam a estrutura social brasileira”. Essas pessoas em situação de rua ganham mais “visibilidade política” (ibid) com a primeira pesquisa censitária realizada na cidade de São Paulo, no final dos anos 1980 e início de 1990.

 Em 2009 foram publicados os dados do I Censo e Pesquisa Nacional da População em Situação de Rua, intitulado “Rua: aprendendo a contar”, realizado pelo então Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) entre os anos de 2007 e 2008 em 48 municípios com mais de 300 mil habitantes e 23 capitais brasileiras, com o intuito de visibilizar as pessoas que, até então, não apareciam nos censos demográficos brasileiros pelo fato de as coletas serem de base domiciliar. Belo Horizonte, São Paulo, Brasília e Recife não participaram dessa pesquisa nacional, pois já estavam realizando suas contagens locais. O estudo identificou 31.922 pessoas maiores de 18 anos vivendo nas ruas das cidades estudadas. Como principais resultados, apontou que 82% das pessoas em situação de rua eram homens, 53% dos/as entrevistados/as tinham idade entre 25 e 44 anos, 76,1% nunca saíram do município de origem, 70,9% exerciam algum tipo de atividade remunerada, 24,8% não possuíam documento de identificação, 88,5% não recebiam benefício governamental, 48,4% não concluíram o ensino fundamental, 15,1% nunca estudaram. Em relação à raça/cor 39,1% dos/as entrevistados/as declararam-se pardos/as, 29,5% brancos/as e 27,9% pretos/as. Mesmo com dados considerados questionáveis, “tendo em vista a própria limitação geográfica aduzida, o estudo foi considerado um grande avanço para a época e subsidiou a elaboração da Política Nacional para a População em Situação de Rua” (SARMENTO, 2020, p.16).

O decreto nº 7.053/2009, que instituiu a referida Política Nacional e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, representou um dos esforços do Governo Federal para atender e acompanhar quem vivia nas ruas. Mariglei Argiles (2012), entretanto, destaca que a condição de pessoas em situação de rua passou a ser entendida como uma questão pública significativa de modo tardio. Vale ressaltar que a implementação da referida política é fruto de inúmeros esforços empreendidos por movimentos sociais, dentre eles o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR). Um dos marcos e efeitos dessa movimentação foi a realização do I Encontro Nacional sobre População em Situação de Rua no ano de 2005.

Isabela Sarmento (2020) destaca que, em se tratando de pessoas em situação de rua, é clara a omissão estatal - a começar pelo cumprimento do que estabelece a Política Nacional. No inciso III do artigo 7º do decreto 7.053, a contagem oficial desse grupo populacional é definida como um dos objetivos da política. “Apesar do preconizado no tardio decreto, apenas 22,6% dos municípios possuem estimativa da população de rua e o IBGE jamais se pronunciou oficialmente sobre o tema” (SARMENTO, 2020, p.30).

A última tentativa de se estimar o número de pessoas em situação de rua no Brasil foi realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2016, que contabilizou 48.351 pessoas em situação de rua, número considerado subestimado por alguns/mas estudiosos/as, principalmente por conta das dificuldades de se elaborar uma metodologia adequada para tal estimativa. Em virtude disso, o IPEA contabilizou, no mesmo ano e baseado em uma estimativa de proporcionalidade, outro dado geral, a saber: 122.890 pessoas (NATALINO, 2016).

Mesmo com a inserção da temática pessoas em situação de rua na legislação brasileira, a exemplo da implementação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) em 2004 - a qual prevê o atendimento dessas pessoas pela Proteção Social Especial - e da alteração da lei nº 11.258 sancionada em dezembro de 20053- Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) - com o acréscimo do artigo 23, que defende esse público como prioritário e reconhece “as especificidades de quem vive nas ruas” (BOVE; FIGUEIREDO, 2014, p.432), ainda há um abismo entre o que diz a lei e o que se implementa na prática. Neste sentido, Gabriel Feltran e Marta Arretche (2016) defendem que “os diferentes diagramas políticos e políticas públicas voltados para atender os que vivem na rua são compreendidos como respostas orientadas a gerenciar o que se vê, com o olho do Estado, como um problema e assim visar a minimizá-lo, contê-lo, regulá-lo ou escondê-lo” (p.7).

Talvez, um dos grandes desafios da efetivação de políticas públicas voltadas às pessoas em situação de rua tenha a ver com o universo que inaugura esta escrita. Pensar no movimento dessas pessoas nas cidades é pensar e falar de nós, da nossa relação com a urbe, de nossas capturas e microfascismos (FONSECA et al., 2008), da nossa dificuldade em sair do centro, ou deixar que nele habite o que nos causa estranheza, mas que é parte de nós e do que ajudamos a produzir. A fim de se problematizar essa relação, introduzirei, a seguir, o que perpassa historicamente as cidades.

 

Sobre Cidades e Planos Diretores: algumas considerações

Levando em consideração o fato de que o ser humano existe no planeta Terra há aproximadamente 130 mil anos, habitar espaços urbanos é um fenômeno recente. Cidades, das mais antigas da humanidade, tais como Jericó e Çatal Hüyük - em Israel e Turquia, respectivamente - existem há pouco mais de 10 mil anos (NOVAES et. al, 2005). Atualmente, 55% da população mundial reside em áreas urbanas, podendo esse índice aumentar para 70% até o ano de 2050 (ONU, 2019).

Para Paulo Raposo (2019), esta realidade nos coloca diante de uma série de desafios e desvela riscos não somente às próximas gerações, mas também àquelas que hoje têm enfrentado os efeitos da “densificação intensa da vida nas cidades” (p.7). O pesquisador evidencia a urgência de elaborarmos soluções para as necessidades que acompanham o crescimento da população urbana, tais como emprego, infraestruturas, habitação, transportes e energia, além de serviços básicos, a saber: saúde e educação e acrescenta: “imaginar cidades sustentáveis, inclusivas e plurais emerge hoje como uma das missões mais improváveis ou difíceis” (RAPOSO, 2019, p.7).

Mas o que define uma cidade? O que a constitui? O que é o urbano? O que é possível ou não exercer, exercitar e/ou ser nesse espaço, nesse universo? Essas são questões complexas para as quais não temos respostas. Mas nos propomos, dialogando com alguns/mas autores/as que estudam, pesquisam e discutem a temática, problematizar o modo como a cidade se relaciona com pessoas em situação de rua, como as enxergas, se as integra ou não em seus planos e/ou projetos urbanísticos.

Richard Sennett (2003) compreende a cidade como lócus de poder, “cujos espaços tornaram-se coerentes e completos à imagem do próprio [ser humano]” e onde, entretanto, essas imagens “se estilhaçaram, no contexto de agrupamentos de pessoas diferentes – fator de intensificação da complexidade social – e que se apresentam umas às outras como estranhas” (2003, p.24).

Maria Luísa Nogueira, Cássio Hissa e Jardel Silva (2015) apreendem a cidade como “um conjunto de relações de produção de recursos materiais, políticos, simbólicos, que tem em seu seio a esfera da política e do poder e, logo, da alteridade, do encontro com o outro, com o diferente e com a produção de si, gestada nesse encontro” (p.374). Para Jaison Hinkel e Kátia Maheirie (2018), por sua vez, a cidade é um território em que as pessoas se constituem como tal, “um lugar onde o sujeito vive e é vivido, já que ao mesmo tempo em que age sobre a cidade, também é afetado por ela. Isto faz da cidade um coro polifônico da ordem do encontro” (p. 4).

A cidade é viva, dinâmica, nela coexistem aspirações, ideais, certezas e incertezas e, vale lembrar, nenhuma cidade é igual à outra. Para Michel Agier (2011) a cidade é processo e já não pode mais ser considerada como coisa e objeto, apreensíveis e visíveis como totalidade.

Uma cidade não cabe nos mapas que a pretendem representar e delimitar suas fronteiras. Obviamente, e como bem destacam Nogueira, Hissa e Silva (2015), não há como prescindir dos mapas, uma vez que são úteis à orientação dos/as habitantes pelas cidades e “facilitadores de arranjos sociais e de trocas de informações” (p.359). Tais autores destacam que não podemos nos esquecer de que “um mapa da cidade é um discurso urbano” (p.369). Faz-se urgente, por conseguinte, pensarmos para além dos mapas. Refletirmos sobre a lógica social que os engendra (NOGUEIRA, 2009).

Flávio Villaça (2015) evidencia o fato de que o espaço urbano é um território de disputas. Nas palavras do autor, “[...] quanto mais desigual uma sociedade, mais desiguais e injustas são as condições e os resultados dessa disputa [...] a segregação é um processo necessário para que haja dominação através do espaço” (ibid, p. 17).

Desde 1980, processos como o da globalização da economia, e políticas como as neoliberais, têm definido novas funções para as cidades, que passam a relacionar-se entre si de forma competitiva, sendo geridas a partir da perspectiva empresarial. A tentativa de atrair futuros investimentos e se inserir em mercados globais, que caracteriza a chamada “cidade empresa” (SUGAI, 2015), produzem, dentre outros impactos, “a desterritorialização e a despolitização da cidade, ao desconsiderar os contextos sociais, a identidade política e as singularidades locais, e ao consagrar a ideia de uma cidade-modelo supostamente unificada e de aparência universal” (p.25). Que lugar há, nesse modelo de cidade, para as pessoas em situação de rua?

Ainda que esse projeto empresarial não se configure como realidade para todas as cidades, há políticas que visam regular suas dinâmicas e o uso de seus territórios, as quais se objetivam, no caso brasileiro, em seus planos diretores. Um Plano Diretor faz parte da política de desenvolvimento municipal e há uma exigência constitucional (conforme artigo 182 da Constituição da República Federativa do Brasil) para a elaboração desse instrumento em municípios com mais de 20.000 habitantes. Prefeito, população e câmara municipal devem participar da elaboração do plano diretor de sua cidade. Após inúmeras discussões e análise de propostas da comunidade e do poder executivo, o projeto de plano é encaminhado à Câmara Municipal de Vereadores para ser transformado em lei.

Como mecanismo legal, o objetivo de um Plano Diretor é orientar a forma com que o solo urbano é ocupado, levando em conta os interesses coletivos da população, sendo considerado relevante para o desenvolvimento dos centros urbanos. “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes” (BRASIL, 2016, p.112). Vejamos como a ocupação do solo urbano vem sendo considerada nos planos diretores de Florianópolis/SC e que lugar é destinado às pessoas em situação de rua na cidade.

 

Florianópolis e o Plano Diretor

Florianópolis já teve quatro Planos Diretores, sendo o primeiro datado de 1955. Os demais foram implementados em 1977, 1997 e 2014 (lei complementar n.482, de 17 de janeiro de 2014). Cada plano tem suas particularidades e orientações que refletem o contexto específico da época, inclusive a concepção de cidade. Para Leandro José Cravo, Adriana Rosseto e Adriana Storch (2016), se por um lado os planos urbanos são negociados por diversas esferas da sociedade e levam em conta as especificidades locais, por outro podem gerar “centralidades”, formatando as cidades de uma maneira que nem sempre garante acesso a diferentes espaços públicos, mas que segrega determinados grupos sociais.

O último plano diretor4 aprovado e em vigência na cidade de Florianópolis está alinhado, segundo o corpo da lei complementar que o instituiu, “às políticas, diretrizes e instrumentos de desenvolvimento territorial e urbanístico instituídos pela Lei Federal n. 10.257, de 2001 - Estatuto da Cidade, pela Constituição do Estado de Santa Catarina e pela Lei Orgânica do Município de Florianópolis” (PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS, 2014, p.1).

Cabe destacar que, em novembro de 2013, antes de sua aprovação, esse instrumento de planejamento urbano teve sua primeira votação suspensa a pedido do Ministério Público Federal, que considerou ter havido falta de participação pública em sua elaboração. A ação civil pública protocolada na Justiça Federal foi assinada pelos procuradores Analúcia Hartmann e Eduardo Barrgan. Posteriormente, a decisão foi anulada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região.

No dia da aprovação final do plano diretor, houve manifestações contra a tramitação da matéria, inclusive de um dos vereadores da câmara. Uma das alegações foi a falta de transparência e participação popular no processo de elaboração do projeto. Outro ponto polêmico da lei foi a transformação de áreas de preservação ambiental, como a Ponta do Ataliba e a Ponta do Coral, em área mista comercial e área turística e de lazer, o que permite a construção de edificações. Esses lugares, assim como outros da Ilha de Santa Catarina (como também é conhecida a parte insular da capital do estado), são marcados por várias disputas e tensões.

Florianópolis não é só a famosa Ilha da Magia, conhecida nacional e internacionalmente. A cidade possui, além de sua parte insular, outra parte continental, formada pelos bairros Abraão, Bom Abrigo, Itaguaçu, Coqueiros, Capoeiras, Monte Cristo, Coloninha, Estreito, Canto, Balneário e Jardim Atlântico. A área insular da ilha, recorrentemente, é palco de tensões entre grandes empresas do ramo imobiliário, que desconsideram leis ambientais e de preservação de áreas como mangues, dunas e lagoas e empreendem disputas para construírem grandes empreendimentos residenciais, comerciais e turísticos. A polêmica envolvendo a construção do Shopping Iguatemi e do Floripa Shopping, localizados em área de proteção ambiental, é exemplo disso (O JUDICIÁRIO, 2006).

Além do texto que dispõe sobre a Política de Desenvolvimento Urbano, o Plano Diretor de Florianópolis de 2014 institui o Plano de Uso e Ocupação, os Instrumentos Urbanísticos e o Sistema de Gestão. Também integram a lei complementar diversas tabelas, anexos, mapas, decretos de regulamentação e leis de alteração. O último plano possui mapas específicos das regiões da Barra da Lagoa, Cachoeira do Bom Jesus, Campeche, Canasvieiras, Ingleses, Lagoa da Conceição, Pântano do Sul, Ratones, Ribeirão da Ilha, Rio Vermelho, Santo Antônio de Lisboa, Sede Continental, Sede Insular, do sistema viário do município, das áreas de limitação ambiental, das zonas especiais de interesse social (ZEIS) e das áreas de preservação cultural. Cada um dos mapas é ilustrado com uma foto de satélite de sua região, e possui delimitações e legendas conforme a sua classificação de zoneamento (primário e secundário).

O plano diretor de Florianópolis, portanto, é um planejamento de alta complexidade, composto de inúmeras camadas que se entrecruzam. Trata-se de um plano molar que objetiva organizar e planejar o desenvolvimento da urbe, a qual, por sua vez, como qualquer cidade, comporta outras dimensões, moleculares e inventivas. A cidade que se planeja, portanto, nem sempre é a cidade que se pratica, como veremos no tópico seguinte.

 

Entre a cidade planejada e a cidade praticada

Segundo informações disponibilizadas pelo IBGE, a população estimada de Florianópolis, em 2020, era de 508.826 pessoas. No último Censo, realizado em 2010, o índice de desenvolvimento humano municipal (IDHM) da cidade foi de 0,847, o que é considerado muito alto pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNDU). Florianópolis está em terceiro lugar na lista das cidades com os maiores IDHM do Brasil. O IDHM é calculado através da parceria entre o PNDU, Fundação João Pinheiro e IPEA. Seu objetivo é produzir um indicador da qualidade de vida da população.

No ano de 2001, a Revista Veja publicou a reportagem intitulada “FLORIPA, A CAMPEÃ: pintada de verde no mapa e recordista em estatísticas positivas, a capital catarinense é a meca da classe média” (VILLELA; BAPTISTA, 2001). Dentre outros destaques, a matéria ressaltou as baixas taxas de mortalidade infantil, analfabetismo e violência, a extensa frota de micro-ônibus com ar-condicionado e televisão a bordo, além das belezas naturais e áreas de preservação permanente.

O que foi visibilizado na reportagem e até os dias de hoje aparece em diversos veículos midiáticos não condiz exatamente com a realidade da cidade, que apresenta, dentre outros problemas, sérias questões relacionadas ao saneamento básico, abastecimento de água e mobilidade urbana.

Fundada em 1673 por bandeirantes vicentinos, a cidade já teve diversos nomes5. O anterior ao atual, Nossa Senhora do Desterro, foi substituído para dar lugar a uma homenagem ao então Marechal Floriano Peixoto, também conhecido como “marechal de ferro” pela forma como subjugou os/as contestadores/as do regime militar instaurado durante a recém implantada República no Brasil.

A cidade carrega em seu próprio nome, portanto, algumas das tensões de outros tempos que lhes são constitutivas. Dentre essas, as que envolvem pessoas em situação de rua são recorrentes e marcadas por violências de variadas ordens. Situações estas por diversas vezes questionadas pelo MNPR/SC, como na manifestação que realizaram no centro da cidade em maio de 2019. Durante o evento, os/as participantes do movimento visibilizaram algumas ações da prefeitura, como a instalação de tapumes em torno de alguns edifícios da urbe - usados pela maioria deles/as para se abrigarem da chuva, do frio e para dormirem (PORTAL DESACATO, 2019). À época, o MNPR também reivindicou locais para abrigamento noturno, tendo em vista a forte onda de frio que se aproximava da cidade. Um dos representantes do movimento, argumentou que as vagas em albergues eram insuficientes face ao número de pessoas nas ruas, cerca de 850 naquele período.

Outras medidas, como o recolhimento dos pertences das pessoas em situação de rua de forma arbitrária pela polícia e agressões físicas e verbais, são recorrentes. Basta realizar uma busca rápida em portais de pesquisa da internet que inúmeras reportagens sobre o assunto vão aparecer. Uma das últimas ações da administração municipal de Florianópolis, duramente criticada em alguns veículos midiáticos, virou reportagem do Portal Rede Rua, sob o título: “Higienismo e Barbárie em Florianópolis” (REDE RUA, 2020).

Algumas das tensões que conotam as relações da cidade com pessoas em situação de rua podem ser visibilizadas nas imagens que produzi em minhas andanças pelo centro histórico de Florianópolis, apresentadas na figura 2.

Figura 2: Composição de fotos Miramar- Ele Não

Fonte: Arquivo da pesquisadora

 

“Ele Não”, grafitado na parede lateral do ponto de apoio da equipe de abordagem social da prefeitura. Equipe esta que lida, diariamente, com pessoas em situação de rua. A frase que tem muito a nos dizer, remonta a um período político de nossa história recente, marcado pelo golpe que destituiu do Governo Federal a presidenta Dilma Roussef. O “Ele Não” feito coro foi cantado inúmeras vezes em manifestações que ocorreram em Florianópolis e diversas cidades do Brasil. Protestos e manifestações encarnadas no corpo da cidade, em suas paredes e em suas vias. Teria essa negativa algo a entrever? Hoje, um dos efeitos do golpe se atualiza na retirada progressiva de direitos de populações vulnerabilizadas, entre elas as pessoas em situação de rua.

Aquela pessoa que fotografei compõe, com a cidade visível, outra moldura possível e (in)visível. Ela está, também, entre as pilastras do famoso Miramar, antigo bar da cidade que adentrava o mar por meio de seu frequentado trapiche, mas que fora, junto de parte das águas da famosa avenida Beira Mar Norte, soterrado pelo aterro que alargou o espaço edificado da cidade (NONNENMACHER, 2004).

O corpo ali estendido e o órgão público de portas fechadas para uma situação que é testemunhada pelos rastros de uma antiga construção, um monumento/cicatriz. Um corpo-outro, ou o “outro da urbe, aquele que não se encaixa nos modelos do progresso, da urbanidade, da civilidade e dos processos de transformação sociais e históricos que a vida contemporânea reclama – a partir de narrativas e práticas de poder bem localizadas” (RAPOSO, 2019, p.19).

Esse corpo estendido não poderia ali se deitar, como estabelece o artigo 27 do primeiro capítulo do Código de Posturas do município6, instituído através da lei nº 1224 de 1974 e implementado via decreto nº 296 de 1995. Apesar de ter tido alguns artigos revogados, como o artigo 109 (retirado do código em 2012) que afirmava “não será tolerada a mendicância, devendo os mendigos serem recolhidos aos asilos locais”, o código ainda integra o atual plano diretor da cidade. No trecho que trata das vias e logradouros públicos destacamos a seguinte passagem: “a ninguém é lícito, sob qualquer pretexto [...] deitar nas ruas, praças, travessas ou logradouros públicos, águas servidas e quaisquer detritos prejudiciais ao asseio e à higiene pública” (PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS, 1995, s/p).

A lei aqui discutida, que planeja e organiza a cidade de Florianópolis, destaca no artigo 9º de seu primeiro capítulo, o qual discorre sobre a política de desenvolvimento municipal, seus princípios e diretrizes, que o objetivo do Plano Diretor é o:

 

 [...] pleno desenvolvimento das funções sociais, econômicas e ambientais da cidade, garantindo o uso e a ocupação justa e equilibrada do seu território, de forma a assegurar a todos os seus habitantes condições de bem estar, qualidade de vida, inclusão e segurança, na conformidade com o disposto nos artigos 100 e 101 da Lei Orgânica do Município de Florianópolis (2014, p.10)

 

Diante do exposto na legislação, questiono-me se essa pessoa que aparece na imagem tem asseguradas condições de vida digna. Por que estaria dormindo ali, durante o dia e naquelas condições? Teria tido acesso a uma vaga em algum abrigo noturno da cidade? Teria passado a noite em claro para proteger-se da violência a que pode estar diariamente exposta nas ruas? As respostas a essas perguntas fogem ao escopo deste trabalho. Há várias pesquisas que discutem condições de vida de pessoas em situação de rua e os desafios que enfrentam cotidianamente (SARMENTO, 2015; SERAFINO; LUZ, 2015; OLIVEIRA, 2015; NASCIMENTO, 2018), as quais contribuem para a compreensão da complexidade em foco.

Mas o que a imagem denuncia, ainda que seja de conhecimento público, é o que vemos cotidianamente e ao mesmo tempo somos alçados a negar, na medida em que aceitamos o discurso de que situações como essa são problemas de outros – das próprias pessoas em situação de rua ou de gestores públicos - e não de um modo de organização da vida em sociedade produtor de desigualdades sociais. E o que um plano diretor de uma cidade tem a ver com isso?

Planos diretores configuram-se como um modo outro para visibilizar as tensas relações entre cidade e seus habitantes, o que fica claro quando prestamos atenção às Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), previstas para tentar amenizar a questão da exclusão socioespacial (BROMFIELD; SANTORO, 2015). Essas zonas têm como objetivo regularizar áreas que foram ocupadas de forma irregular ou que congregam construções precárias, o que é feito via empreendimentos de habitação popular (o projeto “Minha Casa, Minha Vida”, lançado em 2009 no governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é um exemplo).

Heather Bromfield e Paula Santoro (2015) esclarecem que as ZEIS foram concebidas nos anos 1980 a partir do reconhecimento dos direitos à moradia e à cidade dos/as ocupantes de áreas precárias e informais, derivam, portanto, das lutas que ocorreram pela reforma urbana que resultaram na aprovação, em 1988, da Constituição Federal e em 2001 do Estatuto da Cidade. Percebeu-se que havia certas formas de ocupação que eram fruto de processos de exclusão social e socioterritorial e que as regras urbanísticas, as leis, ajudavam a formar um território onde as pessoas mais ricas conseguiam acessar os melhores pedaços da cidade, enquanto os/as mais pobres acabavam relegados/as aos lugares menos interessantes, bem distantes de seus locais de trabalho, com dificuldade de transporte, sem equipamentos urbanos e com pouco ou nenhum acesso à cidade.

Para fazer frente a essa lógica de ocupação desordenada, as ZEIS foram concebidas a fim de produzirem inclusão territorial. O objetivo era intervir nas normas urbanísticas para que se produzisse o efeito contrário, reservando terra para a implantação de moradia para a população que não conseguiria acessá-la nesses locais já urbanizados, onde havia oferta de emprego. As pesquisadoras afirmam que a implementação das ZEIS tem a ver com o reconhecimento do direito à moradia e da garantia de que o lugar dos/as mais pobres seja na cidade, e não fora dela. Só que, na prática, o processo se dá de outra forma.

Nos mapas do plano diretor de Florianópolis, constata-se que há ZEIS delimitadas, distribuídas tanto na região insular como continental da cidade. Todas elas estão em bairros mais afastados, em morros, em lugares considerados sem prestígio na cidade, de certo modo pouco visíveis para turistas que visitam a Ilha da Magia. Pode-se inferir, a partir disso, que o planejamento urbano da cidade facilita certa invisibilização dessas áreas. Na prática, e com o aumento das desigualdades sociais da cidade, essas áreas estão transbordando a delimitação que os mapas da cidade a elas impõem.

Pessoas em situação de rua que fazem das vias do centro histórico da cidade sua moradia, não se subjugam às zonas que em tese as pessoas como elas são designadas. A presença no centro da cidade visibiliza essas tensões, pois traz para uma região distante das ZEIS a realidade de precarização que o ordenamento público planeja deixar longe da vista; expõem aos olhos da população das cidades o entre que habitam, as fendas, como nos mostra a figura 3.

Essa imagem foi produzida também no centro da cidade. Desta vez, na região que engloba a rodoviária e o Terminal de Integração de ônibus municipais e intermunicipais do centro (TICEN). Um dos locais mais movimentados de Florianópolis. Duas pessoas dormem no vão central da passarela que liga a rodoviária ao outro lado da rua, lado este que permite a pedestres acessarem o famoso Mercado Público e as vias centrais de maior movimento.

 

Figura 3: Pessoas em situação de rua no centro da passarela

Fonte: Registro da pesquisadora

 

Essas pessoas no centro da passarela evidenciam que, por mais que sejam negadas em seus direitos, por mais que a cidade insista em colocá-las à distância dos locais de circulação e do comércio, elas estão ali. Elas se recusam a ir para as margens e lá permanecer, ainda que cientes de que sobre seus corpos incidirão medidas higienistas e olhares de repulsa e reprovação.

Estão nos “entre”, deslizando das planilhas da cidade, tensionando seus formatos duros, convocando-nos a lembrar que, entre a cidade planejada e a cidade praticada, há vidas que se mantém na linha do horizonte.

 

Considerações Finais

“Você não é o centro universo”, frase que transversalizou as reflexões aqui tecidas, nos permitiu problematizar, a partir do planejamento urbano empreendido pelo Plano Diretor de Florianópolis, as cidades pensadas, as cidades praticadas e as cidades vivíveis para as pessoas em situação de rua.

Certamente, não podemos desconsiderar o fato de que a criação das leis passa por um complexo sistema de normas hierarquizadas e que, ao menos em tese, o ordenamento jurídico busca harmonizar a relação coerente destas normas, com sua reconstrução contínua através da interpretação dos Tribunais Superiores. Os comandos normativos legais são amplos e deveriam servir para se ajustarem às mudanças da sociedade. A pergunta que fica é: como na prática isso se atualiza? De que modo as vidas que não se deixam capturar pelo plano de organização da cidade podem vir a ser reconhecidas em seu direito de existir? Se cabe a um plano diretor assegurar a todos/as habitantes da cidade condições de bem-estar, qualidade de vida, inclusão e segurança, que lugar há para pessoas em situação de rua na tessitura urbana? Que lugar há para um “entre” no universo da cidade?

 

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Data de Recebimento: 29/09/2021
Data de Aprovação: 03/11/2021


1  Taiguara Chalar da Silva (1945-1996) foi um cantor e compositor nascido em Montevidéu e radicado no Brasil. Ficou conhecido no cenário da Música Popular Brasileira junto a outros cantores e compositores. como Toquinho e Chico Buarque. Consagrou-se no final da década de 1960 por suas participações em festivais e por grandes sucessos nacionais como “Hoje”, “Universo No Teu Corpo”, “Viagem”, “Berço De Marcela”, “Teu Sonho Não Acabou” e “Que As Crianças Cantem Livres”. Sua carreira é considerada um símbolo da resistência à ditadura militar, já que ele teve 68 composições censuradas nas décadas de 1960 e 1970.

2 Autarquia municipal criada em 1977, através da lei nº 1.494. Dentre suas finalidades estão a promoção de estudos e pesquisas para o planejamento integrado do município e o planejamento local de acordo com as diretrizes microrregional, estadual, regional ou federal.

3  Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11258.htm.

4 O Plano Diretor de Florianópolis, na íntegra, está disponível no seguinte endereço: http://planodiretorflorianopolis.webflow.io.

5 Florianópolis já foi chamada Porto dos Patos, Meiembipe, Nossa Senhora do Desterro e apenas Desterro. Hoje é conhecida, também, por Floripa, Ilha de Santa Catarina e Ilha da Magia. Este último nome também possui relação com o folclore ilhéu. Segundo algumas lendas da ilha, reunidas no livro do pesquisador, folclorista e gravurista Franklin Cascaes intitulado “O fantástico na Ilha de Santa Catarina”, antes da chegada dos primeiros habitantes, a cidade era habitada por diversos seres mágicos.

6  O Código de Posturas de Florianópolis integra o plano diretor da cidade dispondo sobre “medidas de polícia administrativa a cargo do município, em matéria de higiene e ordem pública; tratamento da propriedade, dos logradouros e dos bens públicos; horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais e industriais e matéria conexa, estatuindo as necessárias relações entre o poder público e os particulares”. Está disponível em: https://leismunicipais.com.br/codigo-de-posturas-florianopolis-sc.