Ser ou não ser (feito de) palhaço? A performatividade de enunciados que denunciam


resumo resumo

Romulo Santana Osthues
Mónica G. Zoppi Fontana



Imagem 1. Multidão reunida em frente ao Congresso Nacional protesta contra
o governo da ex-presidenta Dilma Rousseff – Brasília (DF), 15/03/20151

 

1. Introdução

“NO CIRCO BRASIL, O PALHAÇO SOU EU”. Esse enunciado, encarnado em letras garrafais num cartaz de papel, diz de um sujeito – e é por ele dito – em meio a uma multidão de manifestantes que se reuniram para protestar contra a corrupção e o governo da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 15 de março de 2015, em Brasília (DF). Embora haja certa dificuldade de identificá-lo imediatamente, não há muita demora a se enxergar e tornar o gesto desse sujeito, na dispersão de gente vestida de verde e amarelo, o ponto de entrada na leitura da imagem 1.

Tomando como corpus a fotografia acima e outras três, produzidas em manifestações de rua brasileiras entre os anos de 2011 e 2015, e fundamentados na Semântica do Acontecimento (Guimarães, 2005, 2017, 2018), realizaremos sondagens2 de enunciados inscritos em cartazes nos quais a enunciação de palhaço acontece como uma designação para/ sobre si e o outro, ora como uma afirmação, ora como negação.

Cientes de que o acontecimento da enunciação “constitui, a cada vez, sua temporalidade3 significativa: um passado, um presente e um futuro de sentidos” (GUIMARÃES, 2018, p. 40, grifos nossos), serão colocados em relação “enunciados existentes, em textos existentes” com outros tantos a fim de se “confirmar, infirmar, aprofundar, modificar o que se conseguiu com sondagens já realizadas” (GUIMARÃES, 2018, p. 18). Descreveremos como, em diferentes cenas enunciativas, esses sujeitos, tomados como Locutores, aparecem necessariamente divididos e, por meio de distintos lugares sociais de dizer, designam a si mesmos palhaços ou negam essa designação nas manifestações de rua em questão.

Mesmo que nosso interesse primário nos direcione aos enunciados inscritos nos cartazes, materialidades não linguísticas serão levadas em conta na compreensão desses processos já que elas são constituintes das fotografias em sua composição. Por isso, a fim de respondermos como funcionam os enunciados presentes nas fotografias nas quais estão integrados, consideraremos cada fotografia como um texto e que “o sentido de um enunciado é sua relação de integração ao texto em que está” (GUIMARÃES, 2018, p. 42, grifos do autor). Veremos de que maneira as fotografias enquanto textos integram os enunciados como unidade, não deixando de pesar a consistência interna e a independência relativa em relação ao todo de que esses enunciados fazem parte (GUIMARÃES, 2018, p. 129).

Nosso empenho será o de mostrar como a designação da palavra palhaço produz sentidos quando os manifestantes, concomitantemente, usam a máscara palhacesca (o pequeno nariz vermelho) e exibem em cartazes uma série de enunciados nos quais ser ou não ser palhaço os tematizam (modalizados de alguma forma, seja pela grafia em maiúsculas, por uma cor em destaque etc.). Como palhaço acontece enquanto palavra, segundo as configurações do agenciamento nas cenas enunciativas, nos enunciados presentes nas fotografias do corpus? Como esses processos de designação pelos quais se afirma ou se nega ser palhaço podem ser interpretados? São essas as principais questões em nosso horizonte.

 

2. A configuração da cena enunciativa

No corpus selecionado para as sondagens apresentadas, é no espaço de enunciação4 do Português falado no Brasil (PB) que os processos de designação de palhaço ocorrem e são instauradas as cenas enunciativas sobre as quais nos debruçaremos. De acordo com Guimarães (2018, p. 71), “a cena enunciativa se constitui pelo agenciamento do falante a dizer”. Isso significa que “uma cena enunciativa se caracteriza por constituir modos específicos de acesso à palavra dadas as relações entre as figuras da enunciação e as formas linguísticas” (GUIMARÃES, 2017, p. 31).

Para o autor, enquanto agenciado a enunciar, o falante se divide em: lugar que diz, o Locutor (L); lugar social de dizer, o alocutor-x (al-x); e lugar de dizer, o enunciador (E). E a cada uma das duas primeiras figuras correspondem outras que ocupam as posições daquele a quem se destina dado enunciado (na constituição de um “tu”), o Locutário (LT) e o alocutário-x (at-x). Já “o enunciador não projeta um tu, é um modo de o eu se apresentar na sua relação com o que se diz (o que se diz por quem diz)”, destaca Guimarães (2017, p. 62). O “x” é uma variável que corresponde aos lugares sociais de dizer ou àqueles aos quais se diz algo, podendo ser substituído, por exemplo, por presidente, professor, colonizador, policial etc. Segundo ele, o Locutor só se dá como tal enquanto lugar social: “o Locutor é díspar a si. Sem essa disparidade não há enunciação” (GUIMARÃES, 2017, p. 32). E ainda explica que, entre os lugares de enunciação, “as correlações L / LT e al-x / at-x são estabelecidas em relação ao modo como o enunciador (E) é agenciado como individual, genérico, coletivo, universal” (GUIMARÃES, 2018, p. 64-65, grifos nossos).

Os enunciadores são as perspectivas, os lugares de dizer do Locutor, e “se apresentam sempre como a representação da inexistência dos lugares sociais de Locutor” (GUIMARÃES, 2017, p. 35). Trocando em miúdos, ao trazermos à cena um enunciador individual (E-i), estamos nos referindo ao lugar de dizer que representa o locutor como independente da história, dono daquilo que diz. Um enunciador coletivo (E-col) se aproxima do anterior nessa característica, excluindo-se marcas de individualidade, pois esse enunciador representa um conjunto, a perspectiva de um grupo determinado de falantes representado por um “nós” que se opõe à perspectiva de outros grupos. O universal (E-uni), por sua vez, é o estatuto do enunciador que traz o Locutor como estando fora da história, submetido ao que é verdadeiro ou falso, lugar a partir do qual se diz sobre o mundo. Por fim, o genérico (E-gen) é aquele que apresenta o Locutor dizendo “o que todos dizem”, como uma figura difusa, o lugar da repetição.5

Para exemplificar como se dá a configuração de uma cena enunciativa e a performatividade de um enunciado (a relação que se constitui entre as posições enunciativas e os discursos que se fazem presentes na enunciação), apresentamos o excerto abaixo, recortado de uma entrevista que o filósofo Olavo de Carvalho concedeu à jornalista Beatriz Bulla, publicada no site do Estadão em 24 de novembro de 2018.6 No parágrafo ligeiramente anterior ao trecho apresentado, o tema abordado era o “Escola sem Partido”. Olavo de Carvalho dizia que era possível observar uma “onipresença” de autores marxistas nas teses universitárias das áreas filosóficas e das ciências humanas. E que o número de autores de teses “analfabetos funcionais” tem aumentado. Segundo ele, é escandaloso que autores desse tipo estejam “fazendo propagandinha comunista” e sejam aprovados.

 

[...]

Beatriz Bulla - Mas a partir desse entendimento qual a proposta? Limitar quais autores poderiam ser citados numa tese universitária?

Olavo de Carvalho - Eles que estão limitando. Eu estou querendo abrir. (Exalta o tom da voz) Não brinque com isso. Quer me fazer de palhaço? Peça desculpa pelo que você falou. Quer insinuar que eu quero limitar o número de autores?

Beatriz Bulla - Eu fiz uma pergunta.

[...]

 

Foquemos na resposta do entrevistado e no modo como a cena enunciativa se configura:

 

L --------------------------------------------------------------------------------------------------- LT

 

E-i – Não brinque com isso. Quer me fazer de palhaço?
Peça desculpa pelo que você falou. Quer insinuar que eu quero limitar o número de autores?

 

al-entrevistado ----------- at-jornalista

 

Agenciado como Locutor, é do lugar social de dizer alocutor-entrevistado, apresentando um enunciador-individual que, na sequência de enunciados em destaque, ele refuta (“Eles que estão limitando. Eu estou querendo abrir”), adverte (“Não brinque com isso”), objeta (“Quer me fazer de palhaço?”), ordena (“Peça desculpa pelo que você falou”) e questiona (“Quer insinuar que eu quero limitar o número de autores?”). Na alocução, dadas as condições sócio-históricas do acontecimento desses enunciados (um momento pós-eleição presidencial; o filósofo em voga na mídia por sua estreita relação com o candidato eleito na época; a configuração de uma entrevista do tipo “perguntas e respostas” etc.), a figura instituída como uma correspondente do alocutor-entrevistado é o alocutário-jornalista.

Especificamente, segundo uma história de enunciações, o enunciado “Quer me fazer de palhaço? recorta um memorável de que há um ser no mundo designado palhaço por se expor (ou ser exposto por terceiros) a partir daquilo que fala/ faz e pelo modo como o fala/ faz: seja disparatado, jocoso, atrapalhado etc. Ao questionar se o Locutário quer fazê-lo de palhaço, o Locutor, do lugar social de um alocutor-entrevistado, sugere que a pergunta feita pelo Locutário é uma insinuação, uma brincadeira que pode afetar sua reputação, tornando-o ridículo (como palhaços costumam ser) frente aos outros. Brincar com aquele assunto – isso (a limitação da quantidade de autores que podem ser citados numa tese acadêmica) –, fazê-lo de palhaço, portanto, seria ridicularizá-lo. A futuridade projetada nesse acontecimento possibilita que Olavo de Carvalho possa ser predicado como palhaço em enunciações outras por ter sido feito de palhaço – ou por se fazer de palhaço.

 

3. O ser (feito de) palhaço

Para a escrita deste artigo, interessou-nos descrever o modo como, no acontecimento de um enunciado, uma dada cena enunciativa configura os agenciamentos possíveis a partir dos quais as designações de palhaço significam, considerando os memoráveis recortados por tal enunciado. O mesmo ocorreu em relação ao nariz de palhaço: não é o objeto em si que significa, mas o gesto de vestir a máscara em dada manifestação – a enunciação (do gesto). Há processos de designação de palhaço que, produzidos em diversos acontecimentos enunciativos, configuram diferentes cenas enunciativas. E esses processos de designação estão relacionados entre si por uma história de enunciações dessa palavra ou do gesto de vestir um nariz de palhaço.

A princípio, nos concentraremos no enunciado constante da imagem 1, cuja especificidade da configuração da cena enunciativa apresenta importantes funcionamentos (alguns deles se repetem nos demais) que descreveremos com maior minúcia. Os modos como, no processo de designação, as palavras são determinadas nos enunciados e entre aqueles que integram um mesmo texto é o que vai permitir descrever o sentido da designação de palhaço.

 

 

3.1. Multialocução

Antes de avançar, vale destacar uma particularidade de nosso corpus: as configurações das cenas enunciativas, em todas as fotografias que selecionamos, mostram que os enunciados inscritos nos cartazes, em seus acontecimentos, projetam diversos lugares para o alocutário-x concomitantemente nas alocuções. O alocutor-manifestante diz para alocutários-x que, dada a especificidade de uma manifestação de rua (suas condições de produção e os modos de circulação do que se é enunciado ali), tanto podem ser aqueles contra quem se diz algo (os alvos do protesto etc.) quanto aqueles para os quais se diz sobre o assunto por que se protesta.

Verón (1986), García Negroni (2016) e Indursky (2013) tratam enunciativa e discursivamente desse funcionamento interlocutório e o denominam multidestinação, que é próprio dos discursos do campo político. De certo modo, guardadas as diferenças estruturais, é também o campo no qual as manifestações de rua descritas neste trabalho se inscrevem e que “implica enfrentamiento, relación con um enemigo, lucha entre enunciadores. La enunciación política parece inseparable de la construcción de un adversario" (VERÓN, 1987, p. 16). Para o autor, todo ato de enunciação política supõe outros atos de enunciação opostos ao próprio, o que o faz ser, de uma só vez, uma réplica, que supõe ou antecipa outra réplica.

 

Metafóricamente, podemos decir que todo discurso político está habitado por un Otro negativo. Pero, como todo discurso, el discurso político construye también un Otro positivo, aquél al que el discurso está dirigido. En consecuencia, de lo que se trata en definitiva es de una suerte de desdoblamiento que se sitúa en la destinación. Podemos decir que el imaginario político supone no menos de dos destinatarios: un destinatario positivo y un destinatario negativo. El discurso político se dirige a ambos al mismo tempo (VERÓN, 1987, p. 16).

 

Na multidestinação, ainda segundo Verón (1987), essa divisão não se restringe a destinatários positivo e negativo: há um “terceiro homem”. Consideremos o seguinte:

Destinatário positivo (prodestinarário): aquele que compartilha ideias, adere aos mesmos valores e persegue os mesmos objetivos que o enunciador. Nesse caso, ambos seriam partidários, participantes de um coletivo de identificação.

 

Destinatário negativo (contradestinatário): excluído do coletivo de identificação, corresponde ao destinatário cujas crenças, posições, ações etc. são opostas às do enunciador. Segundo Verón, “ese ‘outro’ discurso que habita todo discurso político no es otra cosa que la presencia, siempre latente, de la lectura destructiva que define la posición del adversario” (VERÓN, 1987, p. 17).

 

Destinatário terceiro (paradestinatário): aquele que faz parte das práticas democráticas, mas que se pensa estar fora do jogo. É um destinatário propenso ou não à persuasão/ adesão do enunciador. É uma figura em um devir de convencimento. No trabalho de Indursky (2013), essa terceira pessoa discursiva se apresenta como um “interlocutor indeterminado”.

 

Embora Guimarães (2018) não tenha tratado diretamente da multidestinação – ou, pelo menos, tenha dado esse nome ao modo como, no nível da alocução, a dados alocutores correspondem certos alocutários distintos –, ao elaborar a noção de configuração da cena enunciativa, o autor já abre a possibilidade de os alocutários-x serem múltiplos. É importante dizer que as figuras do enunciador e do destinatário não são correspondentes entre Verón (1987), García Negroni (2016) e Indursky (2013) e Guimarães (2018). Na perspectiva deste último, como já apontamos anteriormente, a figura do enunciador nem mesmo “projeta um tu” (GUIMARÃES, 2018, p. 62), um destinatário.

Portanto, para nos atermos aos pressupostos teóricos da Semântica do Acontecimento, esse funcionamento múltiplo da alocução será considerado, em sua politopia, na instância do lugar social de dizer (em projeções imaginárias aludidas na enunciação), entre as figuras do alocutor-x e do alocutário-x. Por isso, para os fins deste trabalho, propomos a concepção da noção de multialocução, análoga à multidestinação (da qual tomamos como empréstimo a compreensão de seu funcionamento), que conceba alocutários-x: positivos (proalocutários); negativos (contra-alocutários) e terceiros (para-alocutários).

Isso posto, retomemos o enunciado “NO CIRCO BRASIL, O PALHAÇO SOU EU” (presente na imagem 1). O Locutor que diz isso, ao ser agenciado no acontecimento da enunciação, ele o faz de um lugar social de dizer (al-x) que chamaremos de manifestante e de uma perspectiva individual (E-i). Temos, assim, a seguinte configuração:

 

L --------------------------------------------------------------------------------------------------- LT

 

E-i – NO CIRCO BRASIL, O PALHAÇO SOU EU

 

al-manifestante ----------- at-figura política, instituição / outro-presente / fotógrafo / leitor da fotografia etc.

 

Nessa alocução, por exemplo, ao alocutor-manifestante correspondem apenas contra-alocutários (figura política/ instituição) e para-alocutários (outro-presente no protesto; fotógrafo; leitor da fotografia etc.). Assim, podemos atrelar vários “x” ao alocutário cujo lugar social pode ser agenciado. O enunciado, que acontece nas condições de produção já descritas, nos permite, desse modo, observar a multialocução em funcionamento:

a) pela figura política/ instituição contra a qual se protesta [alocutário-x negativo/ contra-alocutário];

b) pelo outro-presente no protesto (um manifestante, um transeunte etc.) [alocutário-x terceiro/ para-alocutário];

c) pelo fotógrafo que registra o acontecimento da manifestação, para quem o Locutor posa (exibindo seu cartaz, seu nariz vermelho, seu corpo inteiro – “me mostro enquanto enunciador” (reflexivamente) [alocutário-x terceiro/ para-alocutário];

d) pelo leitor da fotografia, publicada em algum suporte midiático, um alocutário-x acessado pela circulação dela [alocutário-x terceiro/ para-alocutário].

 

3.2. Modalização

Também, neste artigo, conforme as características próprias do corpus e das condições de produção dos enunciados analisados, o nariz de palhaço, o uso de canetas coloridas distintas, sinais gráficos, a variação entre escrita em maiúsculas e minúsculas, os desenhos etc. serão observados como “indícios de gestos de interpretação, materializados como marcas de modalização nos enunciados, as quais representam imaginariamente o movimento do sujeito como ‘tomadas de posição’ produzidas do lugar [social] de enunciação” do sujeito que protesta (ZOPPI FONTANA, 2012, p. 21). Trata-se de “um modo de dizer produzido pelo funcionamento complexo dos agenciamentos políticos no acontecimento da enunciação, sobredeterminados pelas relações contraditórias de filiação a diferentes posições-sujeito no interdiscurso”, diz Zoppi Fontana (2012, p. 22, grifos nossos). Nos enunciados sondados, veremos que esses modos de dizer se referem à configuração das cenas enunciativas, as maneiras como Locutor e alocutor-x se mostram nelas. A partir disso, esses modos de dizer se constituem como maneiras performativas de se significar (pela designação).

Dessa maneira, consideraremos que usar o nariz de palhaço como marca de modalização seria uma maneira de o sujeito, configurado como Locutor, predicado por um lugar social (manifestante), dizer “estou em protesto”: o memorável de palhaço que é trazido às manifestações nesse caso já é um sentido de palhaço significado como protesto, porque, em algum momento da história de enunciações, produziu-se essa justaposição entre ser palhaço e protesto, que não havia antes ou que havia de outra maneira.

Guimarães (2017, p. 20) sugere que não se confunda memória de sentidos (interdiscurso) com o passado no acontecimento (memorável). Ou seja, interdiscurso é a memória de sentidos que é significada no acontecimento da enunciação. O memorável é o modo como uma história de enunciações se temporaliza. O que permitiria, então, recortar o memorável de palhaço como uma forma de protesto no acontecimento da enunciação? Quando nos voltamos para o enunciado do cartaz na imagem 1, vemos que são as relações de articulação presentes ali.

O autor (GUIMARÃES, 2018, p. 80) explica que “a articulação é um modo de relação enunciativa que dá sentido às contiguidades linguísticas” e cita a predicação, a complementação, a caracterização, entre outras, como exemplos. E completa: “é, então, uma relação local entre elementos linguísticos que significam pela relação com os lugares de enunciação agenciados pelo acontecimento”. Em NO CIRCO BRASIL, já se produz um modo particular, crítico, de designar o País. E essa determinação sobre BRASIL como CIRCO, que entra como predicação do “EU”, representado no enunciado como “PALHAÇO”, permite recortar o memorável de protesto em vez de outros aos quais a figura do palhaço está associada (como os memoráveis de alegria, diversão, zombaria, inadequação etc.). Ademais, à questão enunciativa, não se pode esquecer que se associam as condições de produção, a partir das quais se reconhece o alocutor-x como manifestante nos enunciados sondados.

 

3.3. Reflexividade

Quando visualizamos a imagem 1, cuja formulação visual apresenta uma multidão protestando em frente ao prédio do Congresso Nacional, em Brasília (DF), notamos que, contrário aos demais manifestantes, o sujeito que segura o cartaz com a inscrição “NO CIRCO BRASIL, O PALHAÇO SOU EU” posa para o fotógrafo. Seu gesto de erguer a inscrição e voltar seu corpo para serem fotografados já constitui interlocutores outros (e alocutários-x) além daquele que seria seu alvo de crítica, o adversário (contra-alocutário). Se o sujeito confecciona um cartaz para levá-lo a uma manifestação, ele o faz para ser lido por outros (seus alocutários): seja por aqueles que o acompanham na manifestação, seja por aqueles que serão leitores das imagens (foto ou videográficas) que serão produzidas e colocadas em circulação por outros sujeitos (em sites de notícias, nas redes sociais etc.).

Nessa relação dêitica – eu segurando um cartaz e me predicandopalhaço” –, a identificação do manifestante se dá por individualização. No caso, é um modo de se manifestar que supõe a circulação de uma imagem de si, por exemplo, na internet, onde não haveria apenas um interlocutor direto. E justamente por nosso corpus ser constituído de fotografias, nas quais há uma dobra/ torsão na ilusão subjetiva, um efeito de reflexividade (Zoppi Fontana, 2018), os Locutores se mostram enunciando ao construírem suas relações de argumentação, tomados em seus lugares sociais de dizer (alocutores-x), falando de si para um outro (alocutário-x) – que são outros na verdade. Conforme sugere Zoppi Fontana (2018, p. 351), o corpo mostrado funcionaria como um espaço simbólico de resistência.

Dada a perspectiva de um enunciador individual, agenciada por um alocutor-manifestante na cena enunciativa, o enunciado inscrito no cartaz destacado na imagem 1 traz a marca da primeira pessoa, que representa o locutor: “NO CIRCO BRASIL, O PALHAÇO SOU EU” (não é ele; nem ela; nem somos nós). Para além do enunciado, dá-se, pela fotografia, a representação reflexiva desse Locutor. Zoppi Fontana (2018, p. 350) explica: “trata-se de uma representação de si por meio da imagem (foto) do próprio corpo, que é assumidamente e ostensivamente mostrado pelo sujeito enquanto uma autorrepresentação: uma representação do eu (um selfie7) ao qual se atribui a enunciação”. Enquanto um efeito de reflexividade, constrói-se uma relação com o outro, projetando-se o lugar do outro na cena enunciativa em uma manifestação de rua: “ei, é com/ para você(s) que estou falando”. Ainda neste caso, “pelo desdobramento especular da representação imagética (fotos), o corpo é significado ao mesmo tempo como forma material do eu e como sua representação” (Zoppi Fontana, 2018, p. 351).

Na imagem 1, há uma inscrição dada à leitura numa manifestação de rua por aquele que enuncia. A performatividade de “NO CIRCO BRASIL, O PALHAÇO SOU EU” se legitima por esse efeito de reflexividade, pois, ao mesmo tempo em que está enunciando, o Locutor está se mostrando enunciando para um outro (ou outros!) em dada situação sócio-histórica que lhe permite isso: uma manifestação de rua em que há outros manifestantes insatisfeitos com as ações dos políticos e instituições criticados, e que está sendo reportada pelas empresas midiáticas por meio da quais outros sujeitos se informam.

É o Locutor, que já entra na cena como palhaço pelo uso do nariz vermelho, que aparece significando sua relação com as condições sócio-históricas desse acontecimento enunciativo.8 Perceba-se que é somente ao projetar o lugar do outro (al-manifestante >>> at-figura política/ instituição, at-outro-presente, at-fotógrafo, at-leitor da fotografia etc.) nessa cena enunciativa da imagem 1 que o Locutor pode se significar “(sendo) palhaço” (denunciando ter sido feito de palhaço). Do contrário, do ponto de vista performativo, haveria apenas uma constatação: sou palhaço/ não sou palhaço.

 

3.4. A interpretação ergativa de eu/ele/nós sou/é/somos palhaço/s

Determinados verbos, sintaticamente, já implicam um funcionamento ergativo, distribuindo os papéis temáticos (agente, beneficiário, objetivo etc.). Nos enunciados de nosso corpus, embora “ser” não seja um verbo ergativo, em (não) sou/é/somos palhaço/s, defendemos considerá-lo um constituinte que permite uma sua interpretação ergativa. Pela memória, evoca-se uma mudança de estado do sujeito que não era e passa a ser palhaço; interdiscursivamente, ser palhaço é interpretado como resultado de ser feito de palhaço por alguém. Quando algum sujeito se autodesigna palhaço ou nega essa designação, já há um conhecimento prévio, uma memória, que permite a interpretação ergativa: ser (feito de) palhaço (por alguém). “A argumentação exige, pois, para ser interpretada, a presença do interdiscurso como memória no acontecimento. O que significa dizer que a argumentação está determinada pelo interdiscurso. A posição do sujeito, a posição de onde se fala é o “argumento decisivo” (GUIMARÃES, 2005, p. 82). Aquilo que é significado no acontecimento é efeito do interdiscurso.

Santos (2002, p. 77), ao citar a abordagem de Halliday (1994) sobre o funcionamento das construções ergativas (marcadas na sintaxe), dá-nos pistas de como chegar à interpretação ergativa de eu/ele/nós sou/é/somos palhaço/s (interdiscursivamente em nosso caso):

Na perspectiva ergativa, focaliza-se o fato de que o processo pode acontecer por si só ou pode ter sido causado. No segundo caso, o da causação, a pergunta seria: o processo foi realizado por um determinado participante ou por alguma outra entidade? Isso quer dizer que na forma ergativa o processo é acompanhado por um participante obrigatório ‘afetado’ (o Meio) e um ‘causador’ opcional.

 

Nas cenas enunciativas que descrevemos, a interpretação ergativa é producente no sentido de que ela permite identificar que houve um participante externo (agente), cujo papel foi o de causar que o processo de alguém se tornar palhaço ocorresse, possibilitando que a designação de palhaço (negada em alguns casos inclusive) aconteça em enunciados nas manifestações de rua. Em termos de organização sintática, é um outro que faz de palhaço determinado locutor (na posição de alocutor-manifestante). Na predicação com interpretação ergativa, o locutor/alocutor-x é aquele que sofre a ação do outro, não é o agente – e isso fica marcado na sintaxe.

 

3.5. Topicalização

Destacamos um movimento sintático no enunciado da imagem 1: a topicalização do adjunto adverbial “NO CIRCO BRASIL”. Topicalizar é pôr em destaque, estruturalmente, um constituinte a ser enfatizado numa frase, movimentando-o para a primeira posição sintática, resultando na alteração da ordem canônica do PB: sujeito-verbo-complemento (SVC). Esse termo em destaque se chama tópico, e o restante da sentença é o comentário (por essa razão, a construção de tópico é também conhecida como estrutura tópico-comentário). Se estivesse na ordem SVC, o tema seria o próprio sujeito e a ordem estaria conforme segue: eu sou o palhaço no circo Brasil. Em “NO CIRCO BRASIL, O PALHAÇO SOU EU”, pela topicalização, o adjunto adverbial “NO CIRCO BRASIL” se torna o tema da frase; restando, para a constituinte que é o comentário, uma estrutura copulativa: “O PALHAÇO SOU EU”. Mais precisamente, pela presença do verbo ser (de ligação ou copulativo) essa forma assumida sintaticamente por “O PALHAÇO SOU EU” é chamada frase copulativa predicativa identificacional invertida (OLIVEIRA, 2001).9 A inversão da ordem canônica da frase para a CVS possibilita que seja focalizado o elemento pós-cópula, que é a constituinte “EU” – a informação “nova” no comentário.

De acordo com Heycock (1995), o foco prosódico é sempre fixo e pós-verbal nas frases copulativas predicativas identificacionais invertidas. Um rápido teste proposto pela autora, comparando as formas canônica e invertida de copulativas, mostra como o foco prosódico recai sobre a constituinte pós-cópula:

Canônica

A: O palhaço é você ou sou eu?

B: EU sou o palhaço.

A: Você é o palhaço ou o ilusionista?

B: Eu sou O PALHAÇO.

 

Invertida

A: O palhaço é você ou sou eu?

B: O palhaço sou EU.

A: Você é o palhaço ou o ilusionista?

B: O PALHAÇO sou eu.*

 

Nota-se que enunciar “NO CIRCO BRASIL, O PALHAÇO SOU EU” produz efeitos distintos de eu sou o palhaço no circo Brasil. Há um não dito que sustenta essas operações sintáticas, alterando a significação e, por conseguinte, a interpretação do enunciado do cartaz, já que sua construção (invertida duplamente na sintaxe) tanto realça o adjunto adverbial quanto o sujeito. Além da topicalização que foca o EU, destacamos que há relações de articulação entre BRASIL e CIRCO e entre EU e PALHAÇO que se dão por determinação10 (GUIMARÃES, 2017), segundo o funcionamento da nomeação e da predicação respectivamente.

Por efeito de sentido, chegamos à existência de um lugar chamado Brasil cujo funcionamento institucional/administrativo se aproxima do de um circo (espaço artístico significado, em discursos variados, como “precário”, “frágil”, “desorganizado”, “arriscado”, “improvisado” etc.). E se o Brasil é um circo, há palhaços nele, essas figuras cômicas que promovem jogos cênicos tematizados, entre outras coisas, pela zombaria, pela trapaça, pelo erro etc. Comparado aos outros artistas circenses – marcados por extraordinários corpos e práticas (voam em trapézios, desafiam animais selvagens, fazem mágicas etc.) –, o palhaço, no circo, é aquele que se expõe à risibilidade, tem um corpo grotesco, nada excepcional. O palhaço é significado também por certa subalternidade, uma marginalidade no fim das contas. Frente aos outros artistas e a uma plateia em torno do picadeiro, o palhaço se faz palhaço (faz-se a si próprio e é feito por um outro, quer seja palhaço ou não).

O Locutor está se autodesignando como “O PALHAÇO”, e não simplesmente “um palhaço”. Especificamente, no enunciado, trata-se de um determinado palhaço, referido pelo artigo definido “o”: “O PALHAÇO SOU EU”. Por segurar o cartaz, esse Locutor se coloca como o ser referido pelo pronome “eu” (um dêitico). E é como Locutor que ele se predica palhaço no acontecimento da enunciação. Na cena, não é apenas um “eu” que sofre uma predicação (“ser palhaço”) e a está constatando. A representação do Locutor como palhaço aparece mostrada, uma evidência constituída – um memorável que se presentifica no acontecimento enunciativo e se mostra, portanto, como tal.

A cena que se configura no acontecimento do enunciado inscrito na imagem 1 é a emergência de um lugar social de dizer (manifestante) que, numa relação de argumentação, sustenta para um outro lugar social (figura política/ instituição criticados, outro-presente, fotógrafo, leitor da fotografia etc.): olha o que sou porque me fizeram o que fazem com palhaços (ou palhaços fazem entre si) em circos: eles são enganados, trapaceados, feitos de tolos (eles se enganam, se trapaceiam, fazem uns aos outros de tolos).

A argumentação é “um modo de tratar a memória como organizada pelo presente do acontecimento, regulando o futuro dizível” (GUIMARÃES, 2005, p. 79). Observe o encadeamento argumentativo no enunciado “NO CIRCO BRASIL, O PALHAÇO SOU EU”: há um alocutor-manifestante > esse manifestante se mobiliza > sua mobilização o faz se autodesignar palhaço > ao se autodesignar palhaço, ele está fazendo uma crítica indireta às condições sociais de existência do brasileiro > essas condições são predicadas como circo, espaço regular e pejorativamente significado como precário, improvisado, mambembe etc. Um passado, portanto, se atualiza no acontecimento da enunciação e projeta uma futuridade a partir da temporalidade que se instaura no espaço de enunciação do PB do início deste século, no qual ocorrem disputas de sentidos para circo, Brasil, palhaço com regularidade, especialmente em cenas enunciativas que se dão em manifestações políticas. É uma forma de crítica ao cenário político-institucional, é uma possível forma da denúncia (MODESTO, 2018): fazem-me de palhaço neste país excêntrico.

 

Imagem 2. Contra os gastos com a Copa do Mundo de 2014,
o sujeito protesta em frente ao Estádio Castelão – Fortaleza (CE), 19/06/201311

 

Acima, uma fotografia que expõe as disputas políticas no território do futebol, atravessadas pela economia. Em foco na imagem 2, um Locutor que protesta contra os gastos do governo federal para a realização da Copa do Mundo de 2014. Após o anúncio, no dia 17 de junho de 2013, de a estimativa de gastos com o evento girar em torno de R$ 28 bilhões, uma série de manifestações ocorreu por todo o País antes e durante os jogos da Copa das Federações, que se realizava naquele mês. Em frente ao estádio Castelão, em Fortaleza (CE), dois dias depois, vestindo a bandeira nacional como uma capa e um nariz vermelho como máscara, o rapaz que carrega a cartolina branca parece anunciar um “espetáculo” com sua inscrição: “HOJE É DIA DE JOGO/ VAI TER CIRCO... / OS PALHAÇOS SOMOS NÓS”.

 

L --------------------------------------------------------------------------------------------------- LT

 

E-uni – HOJE É DIA DE JOGO/

E-i – VAI TER CIRCO...

E-col – OS PALHAÇOS SOMOS NÓS

 

al-manifestante ----------- at-figura política, instituição / outro-presente / fotógrafo / leitor da fotografia etc.

 

No acontecimento da enunciação, alude-se ao alocutor-manifestante para se protestar contra os gastos com a Copa do Mundo de 2014. O “eu” não diz de um lugar social de dizer como torcedor porque seu enunciado funciona como uma crítica ao evento que está acontecendo dentro do estádio, que era uma partida pela Copa das Confederações, um ano antes. Por outro lado, além de um alocutário-político/instituição política, para o qual o enunciado é dirigido primariamente, instituem-se outros tantos alocutários-x, entre os quais há aquele que irá assistir ao jogo e que, provavelmente, está nas cercanias do estádio.

É recortando a memória do circo como espetáculo – no qual o entretenimento é a tônica, em que há figuras atrapalhadas, tolas, que servem a (se) distrair enquanto os números de outros artistas são preparados a acontecer – que o alocutor-manifestante atribui, de uma perspectiva enunciativa individual, ao que ele próprio diz como enunciador universal (que sabe que aquele é um dia de jogo e do qual se está fora; todos sabem daquela informação): eu digo que será como um espetáculo de circo o jogo que se sabe ocorrer hoje.

O alocutor-manifestante, então, apresenta o dizer de outro lugar (outro enunciador). Desta vez, um lugar de dizer coletivo, que convoca outros alocutários a se designarem palhaços, tal qual ele se compreende naquele espetáculo. “OS PALHAÇOS SOMOS NÓS” é um enunciado cuja estrutura sintática também apresenta topicalização. Sua descrição se assemelha à do primeiro enunciado (imagem 1): frase copulativa predicativa identificacional invertida. A ênfase em uma leitura prosódica recai sobre o elemento pós-cópula, que, nesse caso, é o pronome “NÓS”. Entretanto, não é somente a topicalização que permite essa ênfase: na inscrição do cartaz, “NÓS” ganha destaque tanto pela posição central que ocupa na porção inferior da cartolina quanto pelo tamanho da letra, maior que o modo como se grafou “OS PALHAÇOS SOMOS”.

Como uma paráfrase possível, leia-se: nesse jogo de futebol, que é como um espetáculo circense, somos os palhaços que servem para entreter e divertir quem está na plateia; enquanto a plateia se diverte, nós trabalhamos para sua diversão. Ao circular com o cartaz no entorno do estádio de futebol, o alocutor-manifestante convoca um alocutário-outro-presente por meio de sua crítica, como sendo o criticado mesmo, e a sustenta pela argumentação que põe como palhaço aquele que não está se divertindo com o jogo lá dentro: eles/vocês se divertem com os palhaços que ficaram de fora do espetáculo: NÓS.

 

 

 

 

 

 

 

4. (Não) ser (feito de) palhaço: a negação metalinguística

Imagem 3. Carreata reúne caminhoneiros e seus apoiadores contra
políticas de combustíveis do governo federal – Marcelino Ramos (RS), 28/02/201512

 

Na cidade de Marcelino Ramos (RS), em 28 de fevereiro de 2015, quando os caminhoneiros se mobilizaram contra os altos preços do diesel e dos pedágios, a queda dos fretes, entre outras demandas da categoria, seus moradores também fizeram uma carreata, aderindo à causa. Da janela de um dos carros, uma mulher projeta seu corpo para fora e estende um cartaz no qual enuncia: “O POVO NÃO É PALHAÇO”. No centro de seu rosto, um nariz vermelho. A mobilização, segundo o site Portal de Marcelino,13 teve a participação de cerca de 200 carros e era uma prévia da manifestação nacional contra a presidenta Dilma Rousseff, marcada para o dia 15 do mês seguinte.14 O evento foi organizado por um empresário local.

 

L --------------------------------------------------------------------------------------------------- LT

 

E-gen – O POVO NÃO É PALHAÇO

 

al-manifestante ----------- at-figura política, instituição / outro-presente / fotógrafo / leitor da fotografia etc.

 

Ainda que o Locutor que sustenta o nariz de palhaço seja parte do povo, ele se nomeia em terceira pessoa, não sendo uma enunciação centrada no eu. Assim como em outras imagens, quem segura o cartaz é quem está enunciando. Nesse caso, o Locutor está sendo predicado por um memorável enquanto (parte d)o povo em um acontecimento enunciativo como palhaço. O Locutor, contrariado, já significado como palhaço pelo uso do nariz vermelho, vai às ruas dizer-se não sê-lo. No acontecimento enunciativo, o Locutor enuncia do lugar social de manifestante, reportando-se a seus multialocutores, em maiúsculas: “O POVO NÃO É PALHAÇO”. Que negação é essa? Responderemos a partir de Ducrot (1987) e autores que, na esteira de seu pensamento, descrevem o funcionamento da negação. Para Ducrot, há três tipos de negação: a metalinguística, a polêmica e a descritiva (sendo a última um subtipo da segunda).

A metalinguística é “una negación que contradice los términos mismos de uma palabra a la que pretende refutar y em este sentido, siempre opone dos locutores diferentes o um mismo locutor em momentos diferentes” (GARCÍA NEGRONI, 1998, p. 230). Se o Locutor disser “eu não trabalhei no CIRCO”, com uma ênfase prosódica em CIRCO, alterando o tempo verbal inclusive, o enunciado pode ser uma negação metalinguística a depender das condições de produção. Isso porque, ao dizer “eu não trabalhei no CIRCO”, não se está simplesmente negando uma ação ou uma propriedade. Pode ser uma contraposição, uma refutação da enunciação de alguém, que, por exemplo, tenha perguntado: “Durante os anos em que você viveu na Espanha, foi o circo que lhe ofereceu trabalho?”. A resposta: “Eu não trabalhei no CIRCO, e sim no HOSPITAL naquela época”. Refuta-se, então, uma enunciação anterior, de um Locutor dado, na qual fica implícito que o Locutor referido na pergunta pudesse ter trabalhado no circo enquanto vivia na Espanha.

A negação polêmica ocorre quando, na enunciação, há uma divisão polifônica15 do sentido do enunciado, mobilizando dois enunciadores (E1, o ponto de vista da asserção refutada; e E2, o enunciador que refuta): um que afirma e outro que nega. Exemplo: “eu não trabalho no circo”. Há um enunciador, um ponto de vista, que afirma que “trabalha no circo” e outro que nega isso. E é ao que nega (E2) que, em geral, o Locutor se assimila e, portanto, isso é o que encadeia argumentativamente o enunciado. A negação polêmica “no opone dos locutores sino el punto de vista de dos enunciadores que un mismo locutor pone em escena (esto es lo que habitualmente se conoce como la ‘concepción teatral de la polifonía’)”, diz García Negroni (1998, p. 230).

A negação descritiva, considerada por Ducrot (1987, p. 204) “como um derivado delocutivo da negação polêmica”, seria aquela por meio da qual se atribui uma propriedade que justifique a posição “do locutor no diálogo cristalizado subjacente à negação polêmica”. A negação é referente à aplicabilidade ou não de um predicado em relação ao sujeito. O pressuposto é preservado na negação descritiva. Ela apresenta um estado de coisas sem que o enunciador em destaque se oponha ao dizer de um outro enunciador, como em: “A lona do circo não é multicolorida” [vê-se que a lona é preta].

As marcas de modalização do enunciado “O POVO NÃO É PALHAÇO”, como a escrita em maiúsculas e o destaque em vermelho para a palavra “PALHAÇO”, permitem uma leitura enfática dela. No enunciado, o que está sendo negado veementemente não é um ponto de vista de um enunciador, mas a voz de um outro locutor, uma outra enunciação que fez o povo de palhaço – aquela que aconteceu no anúncio do aumento dos preços dos combustíveis e pedágios e da sobretaxação aos fretes dos caminhoneiros etc. Pela negação metalinguística, nega-se também o pressuposto (o não-dito) dessa outra enunciação além de negar o próprio dizer. Em outras palavras, a negação incide sintaticamente sobre a predicação (NÃO É PALHAÇO), porém a performatividade leva à negação da ergatividade, que está pressuposta e entra como memorável. Portanto, trata-se de uma negação metalinguística.

Não se está refutando que alguém tenha dito “o povo é palhaço”. Nega-se, sim, a enunciação tal que produziu um efeito de enganação, prejuízo, trapaça. Com a palavra “PALHAÇO” em vermelho, destacando-a no cartaz, um enunciador genérico recorta um memorável de que o povo seria sem importância, de que se pode fazer qualquer coisa de ruim com a população (enganar, abusar, subjugar, aumentar exorbitantemente os preços de produtos e serviços etc.) sem que haja retaliação por sua parte. Ao mesmo tempo, esse enunciado projeta uma futuridade que diz olha aqui, não é bem assim! Não ache que pode enganar o povo (de que sou parte), nos fazer de tolos com esses preços abusivos de combustíveis.

Em “O POVO NÃO É PALHAÇO”, a enunciação é feita de fora da classe (a dos caminhoneiros e seus apoiadores), em terceira pessoa, está sendo colocada num patamar de generalizações, de verdade já feita, de senso comum – outro tipo de memorável que não é o de um parecer individual ou da construção de um coletivo de identificação. Apesar disso, o alocutor-manifestante fala como se fosse parte do povo para seus alocutários-x, sejam eles os negativos ou os terceiros, pelo gesto de segurar o cartaz e se mostrar o segurando ao mesmo tempo que usa o nariz de palhaço: a enunciação se mostra reflexivamente, diferenciando-se pelos enunciadores que, no caso da imagem 3, é genérico (O POVO NÃO É PALHAÇO); no da imagem 2, coletivo (O PALHAÇOS SOMOS NÓS); e no da imagem 1, individual (O PALHAÇO SOU EU).

Imagem 4. Manifestação contra arquivamento de investigação do então prefeito
de Cascavel (PR) por fraude em compra de uniformes escolares – 13/08/201116

 

Protestando contra os vereadores que pediram o arquivamento de uma investigação do então prefeito Edgar Bueno, estudantes, professores e demais manifestantes de Cascavel (PR) tomaram a frente da Catedral Nossa Senhora Aparecida, no dia 13 de agosto de 2011. O prefeito era suspeito de fraudar uma licitação e superfaturar a compra de uniforme escolar. No canto da imagem 4, uma jovem, com apito na boca e máscara palhacesca no nariz, segura uma cartolina estampada com a caricatura de um homem mostrando a língua, usando nariz de palhaço e vestindo camisa (com colarinho aparente), paletó e gravata; e a inscrição do enunciado “O PALHAÇO É ELE/ NÃO VOCÊ!”

 

L --------------------------------------------------------------------------------------------------- LT

 

E-i – O PALHAÇO É ELE/ NÃO VOCÊ!

 

al-manifestante ----------- at-outro-presente/ prefeito / fotógrafo/ leitor da fotografia etc.

 

Sabemos que o que legitima a performatividade é a construção do alocutor, mas também o modo como essa construção se relaciona com a instituição de um outro a quem se reportar (alocutário-x) e com aquilo de que se fala, principalmente, quando aquilo de que se fala traz um terceiro à cena: “O PALHAÇO É ELE/ NÃO VOCÊ!”. Esse alocutor-manifestante se reporta a um para-alocutário (alocutário-outro-presente), para falar de seu contra-alocutário (alocutário-prefeito), que é seu alvo de crítica. Exclusivamente, aparece no corpus um enunciado em que, primariamente, a alocução não se dá com o contra-alocutário, aquele contra quem se protesta.

Ao dizer que você – esse alocutário-outro-presente que costuma colocar um nariz vermelho ou produzir enunciados em que a designação de palhaço acontece – não é o palhaço da situação, outros sentidos para palhaço são construídos na cena pelo recorte de enunciações passadas, que fazem com que palhaço possa ser significado diferentemente do que vimos até aqui. Ser ou não ser palhaço era uma predicação interpretada ergativamente como pressupondo um memorável em que ela é apresentada como efeito da ação de um outro: ser feito de palhaço. A predicação traz como memorável uma cena enunciativa anterior, na qual o locutor é representado como objeto de um ato por meio do qual foi enganado, iludido, abusado etc. Agora, ser palhaço recorta o memorável daquele que faz a palhaçada (com o outro), daquele que engana, ilude, pratica abusos. Esse ELE sobre o qual o alocutor-manifestante fala a um para-alocutário é o prefeito da cidade, que frauda licitações e superfatura compras com dinheiro público. Palhaço, na cena enunciativa da imagem 4, funciona como insulto.

A multialocução envolve, dessa vez, o contra-alocutário indiretamente. O alocutor-manifestante se dirige a um alocutário-outro-presente, constituindo o prefeito como alocutário também (porque ele, supostamente, verá o protesto). O alocutor-manifestante está dizendo que “VOCÊ”, alocutário-outro-presente, “não é o palhaço”, mas que ELE, alocutário-prefeito, é. E se “VOCÊ” não é (na posição de alocutário-outro-presente), eu (alocutor-manifestante) também não sou. Esse jogo que marca a designação insultiva para ELE, negando-a de VOCÊ, fica marcada também na estrutura sintática. Ocorrem topicalizações nesse enunciado, como nos das duas primeiras cenas que analisamos. Na primeira parte do enunciado, a inversão da ordem SVC (ele é o palhaço) para CVS (o palhaço é ele) dessas frases copulativas predicativas identificacionais permite a ênfase numa leitura prosódica para o pronome ELE (o constituinte pós-copular). Essa leitura enfática também é possível pelas marcas modalizadoras na composição do cartaz: o pronome ELE está grafado e sublinhado na cor vermelha; a caricatura do prefeito que o ilustra apresenta um nariz de palhaço em sua face.

Por outro lado, na segunda parte do enunciado, o enunciador individual alude ao alocutor-manifestante dizendo “Øa NÃO Øb VOCÊ!” ao alocutário-outro-presente. As marcações Ø representam o funcionamento de elipses nominal e verbal, respectivamente, que pressupõem: a) o predicativo do sujeito da primeira parte do enunciado, o sintagma nominal “O PALHAÇO”; b) o sintagma verbal, o copulativo “ser” flexionado na terceira pessoa, “É”. Pelo funcionamento anafórico, restituindo os constituintes elípticos, chegamos a “O PALHAÇO NÃO É VOCÊ”, uma forma também topicalizada, com negação metalinguística. Por ser uma copulativa predicativa identificacional invertida, produz-se ênfase no constituinte pós-copular: VOCÊ. Embora não esteja modalizado distintamente (como é o caso de ELE na primeira parte do enunciado), uma leitura prosódica permite a ênfase em VOCÊ.

Como alocutor-manifestante, na alocução com um alocutário-outro-presente, o enunciador individual apresentado alude a outro enunciador, que, por um outro acontecimento enunciativo, tenha se autodesignado palhaço como efeito de ter sido feito de palhaço (tolo, bobo etc.). Desse modo, nega-se que o alocutário-outro-presente seja palhaço (ergativamente interpretado como ser feito de palhaço) e se designa o alocutário-prefeito palhaço, dessa vez, recortando um passado como memorável, uma história de enunciações pejorativas para palhaço: o daquele sujeito que é atrapalhado, desordeiro, despropositado, sem decoro etc. A negação metalinguística promove a reversão do insulto, que toma palhaço (em certos sentidos) como sua forma-material. Sustentar “O PALHAÇO É ELE/ NÃO VOCÊ!” projeta a futuridade de que quem “merece” palhaço como uma designação com efeito pejorativo é o prefeito, e não os outros-presentes (manifestantes ou não).

 

5. Nariz de palhaço e (não) ser palhaço como formas da denúncia

Em alguns enunciados destacados nos materiais, sustenta-se que, ao contrário do que se possa imaginar, não está ali alguém com quem se pode fazer qualquer coisa danosa, desrespeitosa, indigna (fazer esse alguém de palhaço), não está ali um palhaço – ao se aludir ao alocutor-manifestante, demanda-se respeito. E os enunciados podem até funcionar como um aviso, um “não vem que não tem”. Em certas cenas enunciativas, fica claro que, a depender do alocutário-x para o qual o enunciado é endereçado, seu funcionamento muda. Se o alocutário-x for o primário (o alvo de crítica), o dizer é um aviso; para os demais, aqueles que ora também se manifestam, ora registram a manifestação fotograficamente ou são leitores desse registro, o dizer do cartaz é uma denúncia (para a qual se espera alguma solidariedade talvez).

Em relação à designação de palhaço, a performatividade dos enunciados nos cartazes (que é também resultante da alocução) é que nos permite compreender como denúncia aquilo que poderia (a)parecer (como) uma constatação. Examinamos o que está escrito nos cartazes e preso ao rosto do sujeito, conforme Payer (2006, p. 63), como “formas de uma enunciação que denuncia” (e os efeitos de sentido que ela produz). “Supõe-se na denúncia a existência de um Sujeito – nem sempre coincidente com o interlocutor empírico imediato – em posição de tomar providências em relação ao conteúdo denunciado”, diz a autora (PAYER, 2006, p. 64).

Com exceção da cena enunciativa descrita a partir da imagem 4 (em que o prefeito é também designado palhaço por ser o agente da palhaçada), no restante do corpus selecionado para as sondagens, o ser palhaço é efeito de ser feito de palhaço. O que acontece com dado sujeito (feito de palhaço) é resultante da ação de um outro sujeito, que é denunciado nesse processo. Retomando a projeção do lugar do outro, ao colocar esses outros na jogada é que se pode tomar a performatividade como denúncia. Ao se mostrar palhaço pelo uso da máscara, ressaltamos, o Locutor está já constituído como palhaço, recortando um passado de enunciações (não me faça de palhaço; você é um palhaço etc.) em que outros Locutores assim o fizeram para denunciar outros temas, demandar, ironizar, criticar.

Depreendemos que o sujeito que usa o nariz vermelho nas condições de produção descritas e se designa ou se nega palhaço produz essa forma da denúncia (MODESTO, 2018), trazendo como memoráveis os sentidos de palhaço que se constituíram em enunciados como “isso é uma palhaçada”, “não me faça de palhaço” etc. Modesto (2018) concebe a denúncia como uma forma de textualização do conflito, “que não se dá apenas pelo conteúdo, mas pela forma material em que, no material de análise, o gesto e o testemunho dão o tom das identificações que atravessam as fronteiras do social” (MODESTO, 2018, p. 200). Por isso, para nós, o nariz de palhaço e a palavra palhaço como predicação nas manifestações de rua são modos de dizer que denunciam: alguém é/ foi (feito de) palhaço.

 

Considerações finais

Ao lidarmos com a variedade de cenas enunciativas configuradas nos materiais do corpus, exigiu-se a descrição de redes de enunciados para percebermos como se dá a performatividade de alguns deles em certas condições de produção. A descrição das imagens colaborou com a construção dos recortes, que dividimos por funcionamentos distintos: ser e/ou não ser palhaço. Pudemos compreender de que modo os sentidos de enunciados como “o palhaço sou eu”, “o povo não é palhaço”, “o palhaço é ele” etc. se constituem nas fotografias como texto, sem deixar de levar em conta os elementos não linguísticos que, presentes nesse texto (em nosso caso, fotográfico), imbricam-se aos linguísticos no funcionamento semântico de palhaço em sua designação.

Em suma, alegamos que o nariz de palhaço e os dizeres constituídos pelo (não) ser palhaço, ergativamente interpretado como (não) ser feito de palhaço, são dispositivos de enunciação mobilizados nas manifestações. Ao descrevermos como esses dispositivos se configuram na cena enunciativa e que efeitos produzem em dadas condições de produção, observamos a interpretação ergativa como memorável de determinados enunciados. Ser palhaço é efeito de ser feito de palhaço. Essa interpretação é o ponto nodal entre os materiais analisados, que nos fizeram ver que o funcionamento de negar ser palhaço não é o mesmo que afirmar ser palhaço, pois a relação entre performatividade e memorável é diferente. A chave da questão está entre uma interpretação existencial-constatativa, não polifônicasou palhaço; e uma interpretação ergativa e polifônica – sou palhaço = ser feito de palhaço; somada, em alguns casos, de uma negação metalinguística – não sou palhaço. Apesar dessa diferença, afirmar-se ou negar-se ser palhaço são, pela enunciação, gestos simbólicos e políticos na língua que, em comum, acabam por denunciar a marginalização, a precarização, a enganação, a proibição... exercidas por um outro (um alocutário-x contra o qual se protesta), ora pela maneira como se dá a gestão do Estado, ora pelo arquivamento de uma investigação de um político acusado de corrupção, ou pela realização de um evento às custas de corrupção parlamentar etc.

Também, vimos que nem sempre há coincidências entre a representação do corpo significado como o de um palhaço pelo uso do nariz vermelho e a enunciação de um dizer negado no qual a palavra palhaço está presente (como as imagens 3 e 4) – muito embora os sentidos de palhaço produzidos no acontecimento da enunciação afetem a representação que divide o Locutor em alocutores-x e a relação de alocução com os diversos alocutários possíveis. A performatividade, por conseguinte, ocorre numa relação tensa, contraditória, paradoxal.

Em nossa formação social, diante do que é textualizado nas fotografias do corpus analisado, vem sendo necessário afirmar-se ou negar-se palhaço como gestos que produzem formas de denunciar “que mantenham o enfrentamento, o conflito”, conforme Modesto (2018, p. 184). Com o autor, sabemos ser preciso “tomar a palavra mesmo quando todo mundo sabe o que será dito, mesmo quando houver cansaço”. E pelo que constatamos, seja sobredeterminando uma pequena máscara ou se inscrevendo linguisticamente em cartazes, quando palhaço vai às ruas (como uma forma de denúncia possível para os sujeitos indignados), não se cansa nunca: o jeito é tropeçar, cair, levantar/ equivocar, falhar, significar.

 

Referências

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DUCROT, Oswald. O Dizer e o Dito. Campinas: Pontes, 1987.

GARCÍA NEGRONI, María M. La negación metalingüística, argumentación y escalaridad. Signo y Seña, n. 9, p. 227-252, 1998.

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GUIMARÃES, Eduardo. Os limites do sentido: um estudo histórico e enunciativo da linguagem. 3 ed. Campinas: Pontes, 2005.

GUIMARÃES, Eduardo. Semântica do Acontecimento: um estudo enunciativo da designação. 4 ed. Campinas: Pontes, 2017.

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HALLIDAY, Michael A. K. An Introduction to Functional Grammar. 2 ed. London: Arnold, 1994.

HEYCOCK, Caroline. The internal structure of small clauses: New evidence from inversion. In: PROCEEDINGS-NELS. UNIVERSITY OF MASSACHUSETTS, 1995. p. 223-238.

INDURSKY, Freda. A fala dos quartéis e as outras vozes. Campinas: Editora Unicamp, 2013.

MODESTO, Rogério. “Você matou meu filho” e outros gritos: um estudo das formas da denúncia. Tese (Doutorado em Linguística), Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2018. 244 p.

OLIVEIRA, Maria do Carmo P. As frases copulativas com ser: natureza e estrutura. Dissertação (Mestrado em Linguística Descritiva), Universidade do Porto, Porto, 2001.

PAYER, Maria O. Escrever, (d)enunciar a verdade, sugerir sentidos. In: MARIANI, Bethania. (Org.). A escrita e os escritos: reflexões em análise do discurso e em psicanálise. São Carlos: Claraluz, 2006. p. 59-70.

SANTOS, Maria de Fátima D. H. dos. Tradição e funcionalidade na análise de verbos de medida: um estudo de aspectos sintáticos-semânticos. Dissertação (Mestrado em Letras), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002. 88 p.

VERÓN, Eliseo. La palabra adversativa. In: VERÓN, Eliseo et al. El discurso político: lenguajes y acontecimientos. Buenos Aires: Hachette, 1987. p. 13-26

ZOPPI FONTANA, Mónica G. A Arte do Detalhe. In: Web Revista Discursividade, Estudos Linguísticos, Edição nº 9, Campo Grande, MS, 2012, s/p.

ZOPPI FONTANA, Mónica G. Selfies e efeitos de evidência: eu político ou avatar militante? In: Biziak, Jacob dos S.; Rodrigues, Carla (Orgs.). Que mais deseja o corpo de alcançar? 1 ed. v. 1. São Carlos: Pedro & João Editores, 2018. p. 341-361.

ZOPPI FONTANA, Mónica G.; DE OLIVEIRA, Sheila Elias. Entrevista com Eduardo Guimarães. Fragmentum, n. 40, p. 13-48, 2014.

 

Data de Recebimento: 01/07/2021
Data de Aprovação: 10/08/2021


1  Foto: Ed Ferreira/ Estadão Conteúdo. Disponível em: http://g1.globo.com/politica/fotos/2015/03/fotos-manifestacoes-pelo-brasil-neste-domingo-15.html#F1565721. Acesso em: 10 fev. 2021.

2  Segundo Guimarães (2018, p. 18), a sondagem é um procedimento por meio do qual se busca “encontrar acontecimentos de enunciação específicos que apresentem uma relevância para se refletir sobre a questão de linguagem e seu modo de produzir sentido”. É encontrar, “por exemplo, um enunciado em um recorte do acontecimento de enunciação e explorar este enunciado enquanto elemento deste recorte, e assim integrado ao texto que se recorta” (GUIMARÃES, 2018, p. 76).

3  Em entrevista (ZOPPI FONTANA; DE OLIVEIRA, 2014, p. 20), Guimarães conta que, pela noção de temporalidade, ele vem procurando “dizer qual a conexão desse acontecimento com outros que já existiram, outros já realizados, e, ao mesmo tempo, como é que ele projeta acontecimentos futuros”.

4  Espaços “de funcionamento de línguas, que se dividem, redividem, se misturam, desfazem, transformam por uma disputa incessante” (GUIMARÃES, 2017, p. 25).

5  Resumindo a cena enunciativa: “o Locutor (L), ao ser agenciado, institui um Locutário (LT) (L é o lugar que diz (eu) para alguém (tu); o alocutor (al-x), ao ser agenciado, institui um alocutário (at-x) (al-x é o lugar social de dizer que se apresenta para um at-x, o lugar social para o qual um certo al-x diz); o enunciador, o lugar de dizer, que se apresenta como quem diz de um lugar coletivo, individual, universal ou genérico” (GUIMARÃES, 2018, p. 62).

6  Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,todos-paises-tem-governos-de-direita-no-brasil-nao-pode-diz-olavo-de-carvalho,70002619454. Acesso em: 27 nov. 2019.

7  Mesmo quando não são fotografias feitas pelo próprio sujeito, elas estão sendo consideradas selfies porque há nelas a exibição do corpo de quem enuncia posto em circulação pelo próprio sujeito (ZOPPI FONTANA, 2018, p. 354). No caso dos corpos nas manifestações, o sujeito põe o seu corpo a ser visto, fotografado, interpretado, obtendo-se um retrato de si.

8  Ressaltamos que o nariz de palhaço presente nas manifestações é capaz de equivocar (e produzir distintos efeitos de sentido): outras memórias constituídas na palhaçaria e sobre ela são atualizadas e produzem efeitos diversos em dadas condições de produção, como no caso de atrizes e atores que realizam performances táticas (BOGAD, 2016): em manifestações políticas, eles promovem ações que parodiam, ironizam, burlam etc. instituições, pessoas e fatos que são seus alvos de crítica. É um outro modo de (se) significar palhaço em protestos.

9  Frases desse tipo “apresentam como particularidade distintiva o facto de identificarem um, ou várias entidades. Esta identificação pode ser efectuada de maneiras diversas, podendo surgir, por exemplo, sobre a forma de um referente identificado pelo nome próprio ou através de uma descrição definida. As estruturas copulativas identificacionais são a resposta adequada às questões Quem é X? ou O que é X?” (OLIVEIRA, 2001, p. 109).

10  “Os conjuntos de modos de referir organizados em torno de um nome são um modo de determiná-lo, de predicá-lo. E neste sentido é que constituem a designação do nome em questão” (GUIMARÃES, 2017, p. 36).

11  Foto: Ferdinando Ramos/ Estadão Conteúdo. Disponível em: https://esportes.r7.com/futebol/copa-das-confederacoes-2013/copa-das-confederacoes-conturbada-evidencia-problemas-a-serem-resolvidos-ate-2014-02072013. Acesso em: 10 fev. 2021.

12  Foto: Marcelo Santos/ Portal de Marcelino. Disponível em: http://www.portaldemarcelino.com.br/portal/marcelino-ramos-realiza-manifestacao-historica-contra-o-governo-federal-e-em-apoio-aos-caminhoneiros. Acesso em: 10 fev. 2021.

13  Disponível em: http://www.portaldemarcelino.com.br/portal/marcelino-ramos-realiza-manifestacao-historica-contra-o-governo-federal-e-em-apoio-aos-caminhoneiros. Acesso em: 10 fev. 2021.

14  Ver condições de produção da imagem 1 e nota de rodapé.

15  Por polifônico, compreende-se o modo como um locutor se expressa numa enunciação: nunca de maneira direta, mas por meio de “pontos de vista”, por meio de “vozes”. Ducrot (1987, p. 192) propõe que “o sentido do enunciado, na representação que ele dá da enunciação, pode fazer surgir aí vozes que não são as de um locutor”. Ele chama de “‘enunciadores’ estes seres que são considerados como se expressando através da enunciação, sem que para tanto se lhe atribuam palavras precisas; se eles ‘falam’ é somente no sentido em que a enunciação é vista como expressando seu ponto de vista, sua posição, sua atitude, mas não, no sentido material do termo, suas palavras”.

16  Foto: Luiz Carlos da Cruz/ Gazeta do Povo. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/eleitores-protestam-contra-vereadores-que-decidiram-nao-investigar-prefeito-b76hjwbznpyniz75jw4ohexqm. Acesso em: 10 fev. 2021.