A cidade resultante da construção histórico-social do negro e da mulher no Brasil


resumo resumo

Karla Victória Nunes da Silva
Stéphane Mariana Cunha Lima de Sousa
Maria de Jesus Britto Leite
Julieta Maria de Vasconcelos Leite



Introdução

Na construção da sociedade brasileira, historicamente, foi delegado ao negro um lugar notavelmente marginalizado. Esse lugar foi designado em decorrência de diversas construções sociais, advindas primeiramente do regime escravocrata, baseado na “afirmação desenfreada de uma singularidade admitida como absoluta” (FANON, 1968, p. 30), tendo como consequência a desumanização dos colonizados. Com a desagregação da ordem servil, que naturalmente antecedeu, como processo, à abolição, foi-se constituindo pouco a pouco o problema negro, e com ele se intensificando o preconceito de cor.

Assim como os negros, consideradas as semelhanças, distinções e intersecções, as mulheres brasileiras nunca estiveram em patamar de igualdade perante os homens brancos, que seriam o topo da pirâmide social. Ao falarmos de gênero, a cultura portuguesa trouxe para o Brasil os costumes machistas e um modelo social baseado no homem branco1 e controlado por ele. Portanto, durante séculos as mulheres estiveram em posição de inferioridade perante os homens brancos e o machismo estrutural e institucional da atualidade é decorrente do modelo social estabelecido na colonização.

O modelo social vigente na colonização trouxe para a modernidade o racismo e machismo como herança e como forma de “legalizar” e eternizar estruturalmente a posição de privilégio dos homens brancos. Essa “herança” é tanto advinda do racismo e machismo praticados pelas instituições do Estado, quanto traduzida em forma de costumes ou padrões culturais.

Esses padrões culturais acabam sendo determinantes na forma como o espaço urbano é apropriado e ocupado pelas pessoas, e as organizações espaciais acabam sendo reflexo da sociedade. Portanto, o ambiente construído está repleto de elementos que são heranças do período colonial, os quais acabam eternizando e cada vez mais reforçando o racismo e o machismo em nosso corpo social. Assim como os costumes influenciam a constituição do ambiente construído, este acaba eternizando hábitos, transmitindo-os de geração para geração.

O artigo que aqui se apresenta tem como objetivo realizar uma breve análise histórica e social da formação da sociedade brasileira, sob o ponto de vista da construção do machismo e racismo no país, assim como investigar as consequências arquitetônicas e urbanísticas desse processo desigual na constituição das cidades brasileiras, ao analisar escalas distintas dos espaços urbanos hodiernos.

O presente trabalho justifica-se pela necessidade de exploração de diversas perspectivas, ao abordar um objeto de estudo como o da junção dos preconceitos de cor e de gênero. Considerando o fato de a produção literária brasileira possuir uma visão predominantemente branca e masculina, faz-se de crucial importância o combate do silenciamento dos sujeitos que constantemente são invisibilizados, como é o caso das mulheres e dos negros na estrutura da sociedade brasileira. Para tanto se faz necessário a exploração do discurso pela perspectiva desses sujeitos, dando a eles o protagonismo que lhes é de direito.

A estrutura de organização das análises empreendidas é composta por: i) breve resgate histórico e relacional dos negros com o espaço urbano; ii) compreensão das influências sociais na constituição do espaço; iii) contribuições do papel social da mulher no ambiente construído; e iv) análises atuais da relação dos costumes com o espaço.

O aporte teórico utilizado para embasar as investigações realizadas tem como principais autores Mbembe (2016) e Rolnik (1989) no que se refere à contextualização do sujeito negro e sua influência na constituição do espaço urbano hodierno; Calió (1997), Harkot (2018) e Leitão (2009) deram subsídio às análises acerca das influências de costumes sociais e do papel da mulher dentro da composição do espaço.

 

O negro e o urbano

Para compreender a hierarquia criada através das consequências da sociedade escravista, é necessário entender que já existia escravidão antes mesmo dos europeus chegarem ao Brasil. A escravidão negra em Portugal já era uma instituição quando chegou ao território brasileiro. Além disso, a construção da relação entre os proprietários brancos e os negros escravizados foi pautada na inexistência de compaixão; as únicas melhorias de qualidade de vida baseavam-se na manutenção do sistema escravista. Isto é, existiu uma desumanização dos corpos negros, que solidificou essa hierarquização.

A escravidão dos negros no Brasil iniciou-se em 1550 e terminou apenas oficialmente em 1888, com a promulgação da Lei Áurea, influenciada pela Inglaterra e o capitalismo. Segundo Munanga (2004) a modernidade foi concebida a partir da colonização europeia, a qual consagrou a supremacia branca, solidificada através do sistema capitalista, que reformou e consolidou processos históricos de barganha.

Nesse sentido, Almeida (2018) afirma que o capitalismo serviu como forma de adaptar as expressões do racismo, já que os oprimidos e os opressores se moldaram às necessidades do mercado, isto é, “racismo e sexismo colocam as pessoas em seu devido lugar, ou seja, nos setores menos privilegiados e mais precarizados da economia” (ALMEIDA, 2018, p. 160). Por esse motivo, é bastante comum visualizar a população negra em posições de inferioridade perante a sociedade. Portanto, a abolição da escravatura não significou a liberdade da população negra.

Nesse processo houve diversas degradações. Segundo Mbembe (2016, p. 131), esse regime escravocrata “resulta de uma tripla perda: perda de um ‘lar’, perda de direitos sobre seu corpo e perda de estatuto político”. Como consequência de séculos de opressão racista, tem-se o modelo de sociedade hodierno com uma complexa estrutura baseada no racismo. Com a desagregação da ordem servil, posterior à abolição, foi sendo construído o devir-negro, intensificado e evidenciado no preconceito de cor ou raça.

Em paralelo com a abolição, a campanha de embranquecimento do governo brasileiro no século XX – em que o governo financiava a vinda de europeus para o Brasil, em prol da miscigenação e do “clareamento” da população – significou o deslocamento dos negros como mão de obra (ROLNIK, 1989). Dessa forma, os europeus que chegavam no Brasil eram contratados para o trabalho livre e assalariado (ROLNIK, 1989), enquanto restava a marginalização para a população negra.

Essa marginalização ocorreu não somente no sentido capitalista de mercado, mas também no viés territorial e urbanístico. Isto, aliado a processos como o crescimento das cidades e a Lei da Terra – latifundiarização das terras –, levou essa população a ocupar os espaços de forma marginalizada, literalmente instalando-se nas margens dos tecidos urbanos, transformando as paisagens das cidades e dando origem às favelas. Nesse processo de mudanças em várias esferas da sociedade, houveram diversas dinâmicas de urbanização. Nesse contexto, Freyre (2015) trata das mudanças da casa grande para os cortiços e das senzalas para os quartos de empregada:

 

Quando a paisagem social começou a se alterar entre nós, no sentido das casas-grandes se urbanizarem em sobrados mais requintadamente europeus, com as senzalas reduzidas quase a quartos de criado, as moças namorando das janelas para a rua, as aldeias de mucambos, os ‘quadros’, os cortiços crescendo ao lado dos sobrados, mas quase sem se comunicarem com eles, (...) aquela acomodação quebrou-se e novas relações de subordinação, novas distâncias sociais, começaram a desenvolver-se entre o rico e o pobre, entre o branco e a gente de cor, entre a casa grande e a casa pequena. (...) Maiores antagonismos entre dominadores e dominados. (FREYRE, 2015, p. 31)

Nesse mesmo contexto, nas primeiras décadas do século XX, surge no governo brasileiro as políticas de “embelezamento” e “desfavelização”: as reformas urbanas. Tais reformas surgem no Brasil como forma de controle da população negra e pobre. Essa marginalização da população negra gerou espaços segregados, fazendo com que a elite se isolasse nos bairros burgueses, em um conflito territorial contínuo, como afirma Rolnik (1989). Observando tal dinâmica, temos a ratificação do que Calió (1997) afirma quando aponta que “as estruturas de dominação racial, sexual e de classe afetam explicitamente a cidade, que não é neutra, que exprime relações sociais e reproduz, espacialmente, as divisões da sociedade na forma de segregação, organizando o espaço e o tempo dos indivíduos” (CALIÓ, 1997, p. 5).

 

Costumes que moldam espaços e vivências

O espaço físico brasileiro foi e é produzido à luz da paisagem social do seu tempo. O termo paisagem social foi introduzido por Freyre (2015) ao tratar a sociedade brasileira no contexto colonial, indo além da paisagem observada. Isto é, a paisagem social é composta por um período histórico em um determinado contexto social, em um espaço social específico.

Espaços em geral são construídos para atender demandas sociais, de acordo com seus costumes e práticas. Tanto o espaço público quanto o privado refletem os costumes contemporâneos à sua construção. Devido à vida útil e ao tempo de permanência dos ambientes construídos em geral, sejam eles públicos ou não, alguns costumes herdados do modelo de sociedade colonial brasileira ainda são passíveis de identificação em determinados espaços. Tal identificação se torna possível devido a cristalização desses costumes na estrutura espacial daquilo que foi construído no decorrer da história.

Como aponta DaMatta (1997), a casa e a rua constituem uma espécie de oposição na gramática social brasileira. O autor destaca que estamos diante de “um par estrutural que é constituído e constituinte da própria dinâmica de sua relação” (DAMATTA, 1997, p. 16). Ou seja, a casa é fruto dos costumes e crenças daquele que a constrói, e perpetua tais costumes pela expressão deles em sua estrutura e forma física. Forma essa que vai determinar as relações estabelecidas entre público e privado, e até mesmo as relações que ocorrem em seu espaço interior.

Corroborando com o pensamento de DaMatta, Leitão (2009) destaca que “sendo obra coletiva, expressão da cultura, consequentemente, a casa é também elemento privilegiado de transmissão de valores socialmente partilhados. Valores esses que se querem permanentes e que devem, portanto, ser transmitidos de geração a geração." (LEITÃO, 2009, p. 48). A casa então constitui-se como uma projeção cultural da sociedade que a edificou, não apenas em sua forma, mas na função que desempenha dentro do universo social em que está inserida.

Como exemplo de costumes sociais expressos no espaço, temos a sala de visitas dos sobrados brasileiros, que herdaram da casa grande o rechaço pelas dinâmicas urbanas acontecidas fora do ambiente privado. A sala de visitas dessas edificações funcionava como uma espécie de elemento amortecedor da vida urbana para o interior da residência. Como a esse espaço não era permitido o acesso das mulheres da casa, ele funcionava como elemento separador do feminino do ambiente profano que era considerado a rua. Era como se existisse então um muro simbólico entre o espaço familiar e a rua, representado pela sala de visitas.

Assim como esse cômodo, existiam outros elementos separadores que mantinham o corpo feminino longe da rua e longe de possíveis exposições a ela, tais como os muxarabis das edificações assobradadas. Esse elemento permitia que as moças visualizassem a rua, porém impedia que suas faces e seus corpos fossem expostos àqueles aos quais era permitido o acesso à rua, os homens em geral (LEITÃO, 2009).

Desta maneira percebe-se a expressão dos costumes sociais, neste caso do controle do feminino exercido pelo patriarcado, na forma das casas brasileiras, com o intuito de perpetuar tal controle e manter as mulheres submissas a esse sistema que as dissocia da vida pública.

Além da disposição/relação entre cômodos em planta e da composição de fachadas, que guiam o modo com que se dão as relações entre sujeitos no interior da edificação e entre o espaço interno e externo, na casa podem existir elementos de comunicação de status social expressos em sua estrutura. Um exemplo explícito do reflexo das identidades sociais na forma arquitetônica, é a expressão “sem eira nem beira''. Tal expressão demonstra muito bem a ligação direta que existe entre espaço construído e sociedade, ou seja, “entre arquitetura e paisagem social, portanto (...). Afinal, a eira e a beira eram elementos arquitetônicos cuja presença, ou ausência, na casa edificada anunciava precisa e publicamente o lugar social da família que a habitava" (LEITÃO, 2009, p. 42).

Assim como a eira e a beira, que tinham a função de proteger as paredes das águas das chuvas, mas que também assumiam o papel de adorno dos volumes construídos (fachadas e telhados) das casas antigas, diversos outros aspectos são comunicadores de poder e classe social. Observando o contraste entre a casa grande e a senzala, percebe-se o interesse por distinção por parte dos que abrigavam as edificações lidas como mais importantes. A casa grande não apenas expressava os valores sociais de sua época, mas os ratificou através do que representava a sua composição formal.

A divisão hierárquica ficava muito clara, não só socialmente, mas sobretudo espacialmente. A senzala era formada por “fileiras de quartos sem janelas ou mobília fechando-se em pátios de onde se podia vigiá-los e comandá-los” (ROLNIK, 1989, p. 30). Dessa forma, a mão de obra negra determinava o programa de necessidades, o quintal era destinado às mulheres, a habitação do fazendeiro era isolada (LEMOS, 2012).

Por meio da estruturação de sua forma, a casa grande exercia uma expressão de controle e poder. Elevada do chão e geralmente com vista privilegiada de seu entorno, se diferenciava da senzala pelo rebuscamento de seu volume e sua grandiosidade. Observando suas características, é nítida a posição de poder dos senhores que ditavam as regras no Brasil patriarcal e escravocrata. Tal edificação simbolizava uma primazia do espaço privado que não se resumia apenas a um modo de morar, mas englobava “um modo de viver marcado pela segregação, pela exclusão, pela busca de distinção e fidalguia” (LEITÃO, 2009, p. 35).

A vida brasileira se constituiu em torno da casa grande e, logo depois, em torno do sobrado, que herdou não apenas as funções, mas também o significado socioespacial que a casa grande detinha. Um outro exemplo de reflexo de costumes na arquitetura, agora em uma outra cultura, é o da Casa Kabyle, destrinchada por Pierre Bourdieu em seu texto “A casa kabyle ou o mundo às avessas''. Na cultura africana a casa do povo Kabyle era carregada de significados e representações deles em seu espaço, assim como a divisão do trabalho era responsável por zonear os sujeitos em seu interior e áreas externas. Como afirma Bourdieu (1999), até a orientação geográfica dava privilégio à área da casa destinada ao homem:

 

a fachada da casa principal, aquela que abriga o chefe de família e que comporta um estábulo, é quase sempre orientada em direção ao leste, a porta principal – por oposição à porta estreita e baixa, reservada às mulheres, que abre para o jardim, atrás da casa – sendo geralmente chamada a porta do leste ou ainda a porta da rua, a porta de cima, a grande porta. (BOURDIEU, 1999, p. 156)

 

Uma casa separada em níveis, com funções e atividades determinadas espacialmente de acordo com os sujeitos responsáveis por elas, a casa Kabyle possuía o lado alto e o lado baixo, o lado claro e o lado escuro. Seu povo dava significados para cada lado da casa, e estes se opunham entre si com relação às suas funções. O lado alto e o lado claro eram os lugares de visitas, dos humanos, das festividades, como o casamento, e da vida social. O lado escuro e o lado baixo eram destinados aos animais, à sexualidade e à procriação, aos doentes e à morte. Para o povo Kabyle, o nascimento é o renascimento de um ancestral. A partir daí pode-se encontrar uma possível explicação para o fato de a procriação e a morte estarem associadas ao mesmo lado da casa. Sobre essa divisão do espaço de acordo com os sujeitos, Bourdieu discorre:

 

A parte baixa e obscura se opõe também à parte alta, como o masculino ao feminino: além do que, a divisão do trabalho entre os sexos (fundamentada sobre o mesmo princípio de divisão que a organização do espaço) confia à mulher o encargo da maioria dos objetos que pertence à parte escura da casa, o transporte da água, da lenha e do estrume, por exemplo, a oposição entre a parte alta e a parte baixa reproduz, no âmbito do espaço da casa, aquela estabelecida entre dentro e fora, entre o espaço feminino, a casa e seu jardim, lugar do haram por excelência, isto é, do sagrado e do proibido, espaço fechado secreto, protegido, ao abrigo das intrusões e dos olhares, e o espaço masculino thajma'th, o lugar da assembléia, a mesquita, o café, os campos ou o mercado; de um lado o segredo da intimidade, do outro, o espaço aberto dos relacionamentos sociais; de um lado a vida dos sentidos e dos sentimentos, do outro, a vida dos relacionamentos de homem para homem, do diálogo e das trocas. A parte baixa da casa é o lugar do segredo mais íntimo, do seio do mundo da intimidade, isto é, de tudo o que diz respeito à sexualidade e à procriação. (BOURDIEU, 1999, p. 149)

 

Desta forma pode-se perceber que na cultura do povo Kabyle a mulher também foi afastada da vida pública, das áreas externas e áreas de relações sociais, pelos costumes de sua sociedade e pelas estruturas espaciais geradas por eles. Diversas culturas tiveram, ou ainda têm, o aspecto em comum de afastar ou até mesmo separar o ser feminino das relações sociais através da materialização dos costumes nas estruturas formais geradas pelos seus povos.

 

A mulher e o urbano

Os costumes e valores do Brasil patriarcal, além de terem moldado a forma das edificações e as diferenças sócio-espaciais estabelecidas nos modos de vivência dentro delas, ditou também a maneira como as mulheres deveriam utilizar o espaço urbano, trazendo reflexos nos modos de apropriação desse espaço pelas mulheres até os dias atuais. Nas vivências fora dos limites da casa, a mulher tinha um leque reduzido de locais que poderia frequentar normalmente. Harkot (2018) faz uma breve síntese do que significava o ato de sair à rua exercido pelas mulheres:

 

A rua e os lugares públicos (...) seriam aqueles onde a mulher estaria constantemente atenta, sentindo-se ameaçada e apertando o passo, cuidadosamente traçando seus caminhos. Dessa forma, a circulação feminina pertenceria historicamente aos espaços da cidade onde se encontram bens e serviços que dizem respeito ao cuidado da casa e da família, tais como mercados, feiras, farmácias, escolas etc. Ou seja: a mulher, ao ‘ousar’ sair de casa, seria bem recebida e se sentiria segura nos espaços correspondentes àquelas atividades que ela exerce por excelência, aqueles espaços que fazem parte do universo do trabalho reprodutivo. (HARKOT, 2018, p. 40)

 

Os espaços destacados por Harkot (2018) como os espaços das atividades cotidianas diretamente ligadas ao funcionamento da casa, são chamados por Calió (1997) de lar expandido. Esse confinamento das mulheres às atividades íntimas pode ser visto nas formas de apropriação do espaço urbano pelas mulheres atualmente. Se o corpo que ocupava os espaços públicos brasileiros durante o surgimento da identidade de sua população era o corpo marculino, é natural que esses espaços tenham passado a ser construídos para o atendimento das demandas desse ser, de suas atividades. Logo, essa forma de construção do espaço não atendia e ainda não atende às demandas do feminino, isto é, ao sair à rua a mulher continua a negociar com o urbano, sentindo-se ameaçada quando expostas na esfera pública da cidade.

Como aponta Harkot, “a maneira como o gênero é construído o torna elemento central em nossa sociedade” (HARKOT, 2018, p. 27) e, de acordo com a autora, ele opera em diversas camadas, ou até mesmo em todas, as quais vão além das relações de parentesco e das dinâmicas familiares. Considerando o machismo presente e arraigado na estrutura social do Brasil, entende-se que a construção dos papéis masculinos e femininos tenha resultado em estruturas historicamente rígidas, que refletem, certamente, no uso do espaço urbano brasileiro, o qual constitui uma das camadas de operação do gênero citada por Harkot.

Em seu livro “Quando o ambiente é Hostil”, Leitão (2009) traz um anúncio publicado no Diário do Rio de Janeiro, em 28 de outubro de 1821, reproduzido em um dos livros de Freyre que a autora usa como referência. Tal anúncio está carregado de informações acerca de como eram valoradas as vivências dentro e fora de casa por mulheres, inclusive como isso refletia no "valor de venda" de mulheres pretas à época da comercialização de escravos. O anúncio dizia: "Vende-se huma preta de bons costumes, muito ágil para todo o serviço de uma casa, tem 16 annos de idade e sempre tem sido criada sem sahir á rua [...] para todo serviço de uma casa de portas a dentro".

Nota-se em tal sentença o peso que o ato de ir à rua representava para o feminino naquela época. Mulheres em geral não deveriam estar na rua, e aquelas que o faziam tinham seu valor diminuído, tanto seu valor social quanto o comercial, neste caso para os senhores de escravos. O valor que lhes era atribuído refletiria também no tratamento recebido e tipos de trabalhos aos quais as escravas daquela época seriam submetidas.

Em outro momento, referindo-se aos costumes impostos e praticados por mulheres na rua naquela mesma época, Leitão (2009) recorre aos dizeres de Henry Koster, que fala:

 

Não se veem mulheres além das escravas negras [...]. As mulheres portuguesas e as brasileiras, e mesmo as mulatas de classe média, não chegam à porta da casa durante o dia. Ouvem a missa pela madrugada, e não saem senão em palanquins, ou à tarde, a pé, quando, ocasionalmente, a família faz um passeio (HENRY KOSTER, 1816 apud LEITÃO, 2009, p. 40 e 41)

 

Homens e mulheres, em suas semelhanças e diferenças, apropriam-se do espaço urbano de diferentes formas. Não se pode tratar a vivência de pessoas nas cidades como “a experiência do homem” enquanto ser humano neutro, enquadrando nessa classificação vivências femininas e masculinas. A busca por equidade de gênero nos revela um lugar de diferença, e isso é refletido, também, nas formas em que nos sentimos e agimos nos espaços da cidade.

O histórico confinamento das mulheres à casa e a divisão sexual do trabalho são processos que se retroalimentam, ou seja, para que um exista e se cristalize em uma sociedade, o outro precisa cristalizar-se também (HARKOT, 2018). As inadequações do ambiente construído refletem crenças e práticas que também se cristalizam nas culturas das sociedades. Desta maneira Rotschild e Rosner (1999 apud HARKOT, 2018, p. 41) destacam que, desde o projeto das habitações até a estruturação de bairros, cidades e subúrbios, “os arranjos espaciais para mulheres e suas famílias não só foram construídos com base em mas também serviram para reforçar duas ideologias reinantes inter-relacionadas: (1) mulheres estão e deveriam estar confinadas ao seu lar; (2) o público e o privado são esferas separadas”.

A divisão do trabalho implica na divisão dos espaços – da cidade, ao bairro, à casa. A divisão sexual do trabalho e a consequente diferenciação do uso da cidade feito por homens e mulheres, sexuou a cidade. Somado a isso, o não reconhecimento da cidade sexista dificulta a abordagem dela, bem como o pensamento de seus espaços, com o foco na resolução de questões que podem acirrar as desigualdades e dificultar ainda mais as vivências das mulheres no urbano. Enquanto não se explora as diferenças entre as apropriações femininas e masculinas nos estudos urbanos, bem como na elaboração de políticas públicas de desenvolvimento urbano, o corpo feminino continua sendo invisibilizado. Permanecemos lá, “importantes para o cenário mas insignificantes para a cena” (CALIÓ, 1997, p. 4).

Em contrapartida, Calió (1997) destaca que aos poucos essa situação vem sendo modificada. A autora salienta que a introdução da variável “sexo” nos estudos acerca da cidade “vem permitindo que se analise o lugar de homens e mulheres no urbano, mostrando como e porque cada um vive o cotidiano da cidade com diferentes lógicas temporais e espaciais de organização” (CALIÓ, 1997, p. 3).

Mesmo que o cenário atual seja diferente daquele das origens da identidade do Brasil, com mulheres tendo a liberdade de trabalhar e circular fora do ambiente privado, ainda existem diversos fatores que fazem-nas temer a exposição das vivências externas. Calió destaca também essa persistente situação, quando fala que “misturada na multidão, a mulher vive uma falsa impressão de igualdade de uso e de mobilidade urbana” (CALIÓ, 1997, p. 5), quando na verdade essa igualdade ainda não foi atingida.

Apesar de a pauta da não consideração do corpo feminino nas vivências urbanas e sua consequente invisibilização não ser de fácil discussão, nem muito menos de abordagem recorrente, ela vem sendo cada vez mais incorporada nas reivindicações de mulheres em suas lutas e movimentos organizados. Além de se configurar como “formas de apropriação do espaço traduzidas por uma verdadeira re-leitura indireta do urbano patriarcal” (CALIÓ, 1997, p. 7), tal incorporação dessa discussão nas reivindicações, como também nos estudos urbanos, abre novas perspectivas para a adequação do ambiente construído urbano às vivências de mulheres na esfera pública das cidades.

 

Herança e contemporaneidade

Os espaços urbanos e arquitetônicos da contemporaneidade certamente expressam costumes sociais do nosso tempo, assim como aqueles que permanecem arraigados em nosso corpo social. Não é à toa que edificações passaram a ser construídas utilizando outras maneiras de se distanciar do espaço urbano, tais como a adoção de muros altos, a elevação dos acessos de edifícios em relação ao nível da rua, o uso de fachadas com pouca comunicação entre o público e o privado. Tais características expressam crenças atuais assim como crenças herdadas que ainda fazem parte de nossa história.

Além dos típicos exemplos que são geralmente citados com relação à negação da rua que, sim, são expressão de costumes ainda componentes de nossa identidade, existem diversas outras formas de expressão de heranças através da maneira que se constroem os espaços. Para compreender a hierarquia racista gerada como consequência da sociedade escravista, é necessário analisar o contexto que construiu os espaços segregadores hodiernos. Assim, Rolnik (1989) afirma que as favelas, ocupadas em sua maioria pela população negra e de baixa renda, são resultado de um contexto histórico segregador e desigual.

Essa condição teve como consequência a atual distribuição espacial das cidades brasileiras, não somente a marginalização das favelas, mas também o bairro exclusivo burguês, o qual “produz um território marginal contíguo, depende de sua expansão para ter garantida sua manutenção, mas acaba por se envolver num conflito territorial inevitável e violento.” (ROLNIK, 1989, p. 39).

Lacerda (et al, 2021), em texto intitulado “Porque o déficit habitacional brasileiro é feminino”, demonstra uma marca da desigualdade enfrentada pela mulher negra no território urbano. Ao acompanhar os dados do IBGE do período de 2016 a 2019, as autoras apontam uma feminização do déficit habitacional. Para a construção dos dados de déficit habitacional absoluto são avaliados os critérios de habitação precária, coabitação involuntária e ônus excessivo com aluguel. Houve um aumento no déficit habitacional brasileiro durante o período estudado e esse déficit, como destacam as autoras, foi basicamente feminino. Todos os critérios de avaliação tiveram aumento na porcentagem de mulheres e queda na porcentagem de homens ao longo dos três anos explorados, totalizando um déficit habitacional absoluto composto por 60% de mulheres e 40% de homens.

A condição de inferioridade criada para o negro e para a mulher na sociedade brasileira tem decorrências urbanas significativas. Unindo esses dois corpos sociais em um só, e colocando o foco da exploração na mulher negra, é possível perceber como a junção de diferentes acúmulos de desigualdade acabam por ser inscritas na cidade. A maioria da população das favelas brasileiras é negra, segundo Meirelles; Athayde (2016) 72% dos que moram em favelas são negros e conforme dados do IBGE de 2014, 6% da população brasileira vive em favelas. Adicionando a isso o fato do déficit habitacional feminino ser 20% maior que o masculino, de acordo com os dados do IBGE analisados por Lacerda et al (2021), pode-se afirmar que a mulher negra é mais submetida a situações de vulnerabilidade habitacional, apontando as favelas como inscrições das crenças de desigualdade na forma urbana.

Um dos frutos impiedosos do machismo é o problema do abandono paterno, o qual contribui fortemente para o alto número de mães solo no Brasil. Segundo os dados do IBGE, em 2018 existiam 11 milhões de mães solo no país. Observando esse dado sob o filtro de racialidade, temos que dentre as 11 milhões de mães solo:

 

61% delas são mulheres negras. Além disso, 63% das casas que têm como pessoa de referência mulheres negras, com filhos até 14 anos, estão abaixo da linha da pobreza, já nos domicílios de mulheres brancas com filhos, a porcentagem é de 39,6%, o que revela as desigualdades entre mulheres brancas e negras e suas reverberações nas experiências habitacionais e urbanas das diferentes mulheres. (LACERDA, et al. 2021).

 

Sabe-se que as desigualdades enfrentadas pelo negro e pela mulher são inúmeras no cenário atual do Brasil. Observando os dados apontados, e refletindo sobre esses sujeitos, ao fazer uma intersecção de gênero e racialidade, pode-se observar um retrato do papel relegado à mulher negra pelo patriarcado, machismo e racismo no Brasil. Tal retrato social, como tantos outros decorrentes de construções histórico-sociais, é capaz de produzir reflexos na forma urbana pelos meios de apropriação da cidade disponíveis e acessíveis para esses sujeitos.

Observando os reflexos dos costumes sociais agora em nível de edificações, temos que a arquitetura colonial senhorial escravista deixou como herança para as edificações modernas a edícula – conjunto de serviço, isto é, lavanderia, garagem, quarto e wc dos empregados ou o antiquado elevador de serviço – (LEMOS, 2012). Isto é, a localização do quarto de empregada é a testemunha social e atual do regime escravocrata (MELLO, 2012). Como afirma DaMatta (1984) essa diferenciação fenotípica conduz à hierarquização da sociedade:

 

[...] somos uma sociedade hierarquizada, que opera por meio de gradações e que, por isso mesmo, pode admitir, entre o branco superior e o negro pobre e inferior, uma série de critérios de classificações. Assim, podemos situar as pessoas pela cor da pele ou pelo dinheiro. Pelo poder que detém ou pela feiura de seus rostos. Pelos seus pais e nome de família, ou por sua conta bancária. As possibilidades são ilimitadas, e isso apenas nos diz de um sistema com enorme e até agora inabalável confiança no credo segundo o qual, dentro dele, 'cada um sabe bem o seu lugar'. (DAMATTA, 1984, p. 47).

 

O desejo por diferenciação, ainda fortemente presente em nossa sociedade, é expresso e facilmente identificado em diversas formas de construir na contemporaneidade. Os shoppings centers são uma das formas de materialização dessa necessidade de distanciamento do espaço público, aquele que é de acesso a todos. Destaca-se aqui o caráter não público dos shoppings, por surgir como um simulacro da rua e, principalmente, por não permitir o acesso à tal ambiente de maneira igualitária e irrestrita a todos.

Esse tipo de empreendimento exerce uma função social para uma parcela expressiva da sociedade, porém possui filtros explícitos e ocultos para outras parcelas. Dentro dos próprios shoppings é comum perceber uma espécie de estratificação das classes sociais. Tal separação é realizada por meio da disposição de lojas em andares diferentes de acordo com o nível de popularidade e requinte dos serviços e produtos oferecidos, dividindo assim os usuários desse espaço com base em seus poderes aquisitivos.

Além dessa separação exercida por meio do arranjo formal e disposição de comércio e serviço no interior desse tipo de empreendimento, existem aquelas praticadas através do estabelecimento da ordem por pessoas. Por ser um espaço de caráter mais privado que público, pessoas “marginalizadas” socialmente não são bem-vindas e podem até mesmo ser expulsas por não se encaixarem no leque de padrões de consumidores aos quais esse tipo de espaço é voltado. Como exemplo ilustrativo dessa realidade temos o evento denominado Rolezinho, que consistia na reunião de um grande número de jovens, geralmente advindos de regiões periféricas, para a utilização dos ambientes dos shoppings e alguns desses eventos acabaram com a expulsão desses jovens por seguranças e policiais. A repetição de tais acontecimentos culminou na recorrência da administração de diversos shoppings à justiça, para o impedimento da entrada de jovens menores de idade desacompanhados de adultos.

Diante do apresentado, percebe-se a herança estratificadora, diferenciativa e excludente que continua a ser expressa tanto nos ambientes construídos quanto nas vivências abrigadas por eles. Costumes que se perpetuam e se cristalizam na sociedade muito provavelmente continuarão a se fazer presentes em nossas formas de construir, devido ao processo de retroalimentação presente nesse ciclo, em que o espaço é produzido à luz dos costumes da sociedade e os transmite para outras gerações por meio do que representa a sua estrutura.

 

Conclusão

Este trabalho surgiu de uma inquietação frente à carência de diversidade de perspectivas quanto ao estudo do espaço urbano, comumente. Por isso, a correlação construída entre o protagonismo da história dos negros e das mulheres com a formação do ambiente construído tornou-se o foco da discussão estabelecida. De forma que não só os conceitos, mas também a contextualização histórica e social prescrita foram de extrema importância para a construção das análises.

Desse modo, foi possível observar que a história da formação das cidades brasileiras perpassa a construção social do racismo e do machismo estruturais. No caso dos negros, através de processos que ultrapassam a escravidão e a sociedade capitalista, como a abolição, as Reformas Urbanas e o projeto de embranquecimento, que foram determinantes para o racismo existente no espaço urbano contemporâneo. Como também, no caso das mulheres, processos como o reconhecimento da esfera privada dedicada ao feminino e da pública ao masculino, elucidam a discussão; observando também, em alguns pontos, questões interseccionam gênero e racialidade, no que se refere aos obstáculos enfrentados pela mulher negra.

A compreensão das influências sociais na constituição do ambiente construído foi bastante necessária para refletir acerca do processo de transformação do contexto colonial brasileiro na modernidade e, posteriormente, na contemporaneidade, de um ponto de vista arquitetônico e urbanístico. Assim, foi possível reconhecer diversas heranças diretas, tanto machistas quanto racistas, do período colonial, como a relação da casa com a rua e da casa grande com a senzala.

Além disso, esse estudo perpassa as fronteiras da pesquisa acadêmica, e tem um papel social importante, a partir do momento que transpassa o protagonismo do homem branco na história brasileira e se opõe ao silenciamento de sujeitos comumente invisibilizados na bibliografia.

 

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Data de Recebimento: 31/03/2021
Data de Aprovação: 27/07/2021


1  É preciso enfatizar que a mulher esteve ao longo da história brasileira inferior ao homem branco, porém tendo em vista que os homens negros eram escravizados pelas mulheres brancas durante o período colonial, logo os homens negros não podem ser socialmente colocados no lugar de opressores na pirâmide social.