Introdução
Planejada e fundada no final do século XIX, a cidade de Aracaju, capital do estado de Sergipe, passou por transformações significativas na sua configuração inicial, ao longo dos seus 169 anos de existência. Sobre o plano original, um traçado ortogonal, atualmente poucas arquiteturas localizadas no Centro Histórico ainda preservadas representam o período colonial, vista que, desde as primeiras décadas do século XX, algumas fachadas seguiram os modelos da modernização, característicos da época em que alguns imóveis foram reformados ou projetados.
Desde a sua fundação, Aracaju sofreu mudanças que impactaram não apenas a imagem do antigo centro do poder administrativo, financeiro e religioso, mas também modificaram o uso e o aproveitamento dos espaços urbanos, conforme aparece refletido na atual imagem da cidade, que se expandiu para além do traçado inicial, onde as arquiteturas de estética contemporânea prevalecem.
A singularidade dos cenários históricos provoca sensações a partir das mais distintas formas de apreensão e apropriação, indicando que os modos de percebê-los na contemporaneidade podem contrastar com as vivências do passado. Observar traçados, arquiteturas e usos do Centro Histórico da Cidade de Aracaju, onde foram planejadas duas praças interligadas como pontos centrais, inclusive a Praça Fausto Cardoso, objeto deste estudo, com indiscutível valor histórico e simbólico para a cultura sergipana, desperta uma curiosidade particular sobre os elementos que compõem a imagem daquela cidade, enquanto levanta questionamentos sobre como aquele espaço é apreendido pelas pessoas1.
O recorte espacial proposto neste estudo justifica-se pelo fato de praças públicas representarem espaços de sociabilidade, lazer e das mais diversas formas de manifestação dos indivíduos, desde os primórdios da civilização ocidental. No Centro Histórico da cidade de Aracaju, a praça Fausto Cardoso, onde estão localizadas as primeiras e mais importantes arquiteturas edificadas na cidade, passou por modificações ao longo das décadas, as quais aparecem rebatidas na construção imagética da própria cidade.
Os critérios metodológicos adotados para o desenvolvimento desta pesquisa utilizam por premissa um levantamento de dados documentais, bibliográficos e iconográficos que possibilitasse uma compreensão da historicidade sobre a formação daquele território. Foram utilizadas fontes literárias que abordam a história da cidade, enquanto iconografias correspondentes a cada época eram selecionadas em publicações oficiais diversas, para que fossem comparadas às imagens fotográficas atuais, especificamente capturadas para este estudo.
Para efetuar uma análise sobre as transformações imagéticas ocorridas na Praça Fausto Cardoso, foi necessário recorrer a processos metodológicos específicos, propostos por teóricos clássicos sobre o tema, os quais sugerem que as informações arroladas em fontes bibliográficas e iconográficas (obtidas em cartões-postais antigos e fotografias de diferentes épocas) sejam selecionadas a partir da representatividade histórica e simbólica, para que possam ser interpretadas e complementadas por exercícios de visualidade, vivências, experimentações e observações feitas in loco. A partir das informações coletadas, foi possível constatar e entender as transformações ocorridas ao longo do tempo, possibilitando uma análise acerca das alterações sofridas na paisagem e discutir como isso afetou e afeta a imagem construída da cidade de Aracaju, a partir do seu Centro Histórico.
Contudo, visando contemplar o objetivo aqui proposto, faz-se necessário inicialmente conceituar a imagem da cidade, uma vez que, de acordo com Mello (2011), escrever sobre imagem, por si, já seria suficientemente complexo, não somente pela abrangência ou pela diversidade de conceitos, algumas vezes divergentes entre autores. Por se tratar de uma reflexão sobre a imagem construída para uma cidade, deve-se levar em consideração os conceitos que melhor se adequam ao contexto a ser estudado, incluindo a percepção sobre o espaço. Afinal, na contemporaneidade, os conceitos se amplificaram, uma vez que a imagem é uma representação resultante de todas as experiências, impressões, posições e sentimentos que as pessoas apresentam em relação a uma determinada coisa. Com isso, a experiência apreendida, resultante do processo cognitivo, permite construir um olhar capaz de gerar uma imagem mental ou real das coisas (Mello, 2004).
A imagem da cidade: imaginação, percepção e sensações
O ser humano se expressou utilizando imagens ainda no período Pré-Histórico, quando a arte rupestre deixou registrado em pinturas e pequenas estatuetas seus hábitos e crenças. Contudo, o estudo da imagem e suas simbologias só foi tema de reflexão a partir da Antiguidade Clássica, momento em que Aristóteles coloca que as imagens poderiam ser equiparadas às coisas sensíveis como um produto da imaginação, construídas por percepções e sensações (Mello, 2004). Com o passar dos séculos, compreendeu-se a importância da imagem e seus conceitos foram revistos em função das possibilidades de leitura e interpretação em cada período. Na contemporaneidade, a imagem assumiu um papel de extrema relevância no mundo real e virtual.
Ao se observar a história da própria humanidade, entende-se que as imagens das cidades foram construídas, ao longo dos séculos, como formas de linguagem para expressar os modos dos indivíduos interagirem com aquele espaço. Entende-se, portanto, que as cidades têm suas imagens construídas em estado constante de devir. Sofrem transformações que fazem parte do processo natural de evolução e adaptação do ser humano, seja em relação a novas políticas econômicas, seja em relação às descobertas científicas e tecnológicas que imprimem novos modos de viver, conviver e coabitar (Mello, 2011).
As análises sobre a imagem da cidade são fundamentais para compreender o tempo passado e o presente, gerando a possibilidade de projetar o futuro dos lugares. As imagens e as representações iconográficas urbanas são uma questão multidisciplinar, por serem um instrumento documental de aplicabilidade ilimitada em áreas diversas do saber.
Se considerarmos que a imagem de uma cidade não se constrói no desenho, mas, vai se constituindo ao longo do tempo, respondendo aos imaginários de cada época, conforme vai formando a sua história, entende-se que a construção imagética de uma cidade vai estar condicionada a um determinado tempo, o que já a impediria de ser concebida como ideal (Mello, 2004). Contudo, segundo Argan (1998, p.73), “sempre existe uma cidade ideal, dentro ou sob a cidade real, distinta dessa como o mundo do pensamento o é do mundo dos fatos”. Portanto, ainda se observa uma oscilação entre a cidade real e a cidade sonhada, por muitos recorrerem a imagens utópicas, que situam a cidade entre realidade, pensamento teórico e imaginação popular (Pinheiro, 2002).
Ao conceituar a imagem da cidade, Lynch (2011) entendeu que a imagem de uma cidade se constrói a partir da visibilidade e da legibilidade, através de cores, traços e formas, os quais permitem a criação de imagens mentais identificáveis por múltiplos sentidos e geram uma leitura visual de sua representatividade, capazes de revelar aspectos históricos e culturais dos lugares. O autor considera que a cidade, assim como uma obra arquitetônica, é uma construção em grande escala que se revela ao longo do tempo. As pessoas e suas atividades, como elementos móveis, são tão cruciais quanto os aspectos físicos e imóveis, participando ativamente da experiência urbana.
É preciso ser cauteloso ao interpretar a imagem de uma cidade com base apenas nos elementos urbanos e sistemas lógicos. Lugares e culturas específicas podem tanto facilitar a identificação quanto gerar confusão, tornando essencial uma análise cuidadosa da arquitetura, como principal agente de comunicação da imagem de uma cidade, para evitar equívocos na leitura da imagem urbana. Apesar de Kostof (1991) considerar que o significado arquitetônico está sempre contextualizado cultural e historicamente na cidade, entende-se a necessidade de uma leitura multifacetada das imagens urbanas. Para Rossi (1998), não convém estudar a imagem sobre os pontos mortos da cidade, pois “[...] a história da cidade também é a história da arquitetura; mas a história da arquitetura é, no máximo, um ponto de vista de que se deve olhar a cidade [...]” (ibidem, p.164).
Eco (1974) considera a arquitetura como um sistema semiológico que se comunica, tanto pela expressão quanto pelo conteúdo, com os objetos arquitetônicos simbolizando significados que podem ser decodificados através de sua funcionalidade. Entretanto, Lynch (2011) defende que a percepção da cidade vai além da arquitetura porque é muitas vezes fragmentada e relacionada a outras referências, com a cidade se desenvolvendo continuamente sem um resultado final definido.
Ao entender a cidade como um contexto de linguagem múltiplo, onde a imagem e a leitura do espaço refletem práticas culturais, sociais e econômicas, Ferrara (1988) apresenta uma leitura singular e distinta, ao abordar a linguagem não verbal dos elementos e advertir sobre a importância da linguagem na análise das imagens urbanas, onde fatores como comércio, industrialização, explosão demográfica e tecnologia, influenciam as imagens da cidade, assim como avenidas, galerias, praças e ruas. Para a autora, as imagens urbanas despertam a nossa percepção na medida em que marcam o cenário cultural da nossa rotina e a identificam como urbana, portanto, são elementos da construção imagética: “o movimento, os adensamentos humanos, os transportes, o barulho, o tráfego, a verticalização, a vida fervilhante; uma atmosfera que assinala um modo de vida e certo tipo de relações sociais.” (Ferrara,1993 p. 201).
Cronologicamente situados, quaisquer objetos de composição da imagem de uma cidade devem ser isoladamente analisados, a exemplo da Figura 1. Não só prédios, monumentos, fluxo de pessoas, paisagismo. O espaço urbano deve ser compreendido como um todo, sempre em estado de mutação, dada à sua organicidade. A imagem é uma identificação do espaço. Pesavento (1999, p. 16) complementa a ideia ao citar que “o espaço urbano, na sua materialidade imagética, torna-se, assim, um dos suportes da memória social da cidade.”
Figura 1 - Imagem da cidade de Aracaju (Centro Histórico)
Fonte: Wikimedia Commons (2022)2 – fotografia de Paul R. Burley
Mello (2004) alerta que, em seu desenho, pré-determinado ou casualmente definido, uma leitura preliminar da cidade já pode ser feita, mas a construção da imagem sobrepõe esta ideia. Algumas cidades retratam valores socioculturais, econômicos e até religiosos na sua planta. A partir de traçados radiais, ortogonais ou mesmo irregulares, uma geometria vai definir espaços específicos que estarão formando praças, largos, jardins, parques, ruas, quadras. A autora ainda acrescenta que são os elementos inseridos na paisagem que vão automaticamente induzir a criação de uma imagem: chaminés constroem uma imagem da cidade industrial; muros grossos e altos na paisagem nos levarão a imaginar uma cidade medieval.
Faz-se importante considerar que todo detalhe gera uma leitura. Ao desconstruirmos uma imagem, identificando e isolando seus elementos de composição, poderemos observar que o efeito da representação faz com que as minúcias, vistas como elementos isolados, sejam tomadas como expressão do conjunto. Assim, os elementos de composição do espaço urbano assumem sua plena dimensão simbólica, engendrada no imaginário.
A construção imagética das cidades, na contemporaneidade, frequentemente oculta realidades como desigualdade, exclusão e violência, moldando imagens idealizadas que visam a valorização mercadológica e turística das regiões urbanas (Calvino, 1990). A reproposição simbólica dos espaços urbanos e a monumentalização das centralidades intensificam o consumo da urbanidade (Fernandes, 2003). A pesquisa sobre a imagem de um Centro Histórico exige uma análise cuidadosa dos elementos imagéticos e suas simbologias em diferentes períodos, permitindo uma interpretação acurada entre o registro iconográfico e as percepções contemporâneas. É fundamental reconhecer que as imagens urbanas são produções híbridas e heterogêneas, refletindo cenários plurais, efêmeros e multiculturais.
A cidade de Aracaju e a Praça Fausto Cardoso
O espaço escolhido para a colonização territorial e a organização da Capitania de Sergipe foi a povoação de São Cristóvão de Sergipe d’El Rey, em 1590. Por motivo de segurança, o povoado foi relocado por duas vezes e somente em 1607 foi estabelecida a sede da capitania com o nome de São Cristóvão, que, entre os anos de 1821 e 1855, foi a capital da província sergipana. Todavia, sem a possibilidade de expansão como uma cidade portuária, era necessário escolher um local estratégico para relocar a capital. Em 1855, Aracaju foi planejada e fundada para ser a nova capital do Estado. Seu planejamento ficou a cargo do engenheiro Sebastião José Basílio Pirro, o qual apresentou um plano ortogonal, com o traçado das ruas em linhas retas, formando quarteirões simétricos, popularmente conhecido como “o tabuleiro de Pirro” (IPHAN, 2023), que pode ser visualizado na Figura 2:
Figura 2 - Plano de Pirro para a cidade de Aracaju
Fonte: Portal Viva Decora (2018) 3
Observa-se neste plano original, que Pirro já havia determinado espacialmente o centro da cidade, ao demarcar os espaços, descritos na legenda da planta, onde se instalariam: três praças centrais (do Mercado, da Matriz e do Quartel); duas igrejas e os principais nove prédios, indispensáveis ao funcionamento de uma capital, na esfera social, religiosa, política e econômica.
As primeiras ruas e casas em Aracaju foram construídas entre a atual Praça Fausto Cardoso (identificada na legenda da planta original pela letra A, como Praça do Mercado, Fig. 2) e uma zona limitada pelos charcos (poças) do rio Caborge, pela foz do Riacho Olaria e pela depressão da Praça do Palácio (Fortes, 1955). De acordo com Diniz (2009), o padrão construtivo naquele período era, em geral, muito simples: casas estreitas em estilo colonial, com uma porta e duas janelas de frente para a rua, utilizando-se matéria-prima natural da região (adobe, palha e taipa). Mas, apesar de simples, o custo de construção era elevado devido à necessidade de execução de aterros e à falta de profissionais qualificados.
Cabe esclarecer que a Praça Fausto Cardoso foi anteriormente denominada como Praça do Mercado, Praça do Imperador, Praça do Palácio, Praça da República e Praça Tiradentes. Ela só foi identificada com o atual nome com o objetivo de homenagear o poeta, pensador, professor, jornalista e então deputado federal Fausto Cardoso, assassinado naquele local, em 1906, em um episódio conhecido como “a Tragédia de Sergipe”. Curiosamente, o mandante do crime teria sido o religioso e ex-presidente de Sergipe, Monsenhor Olympio Campos, o qual também foi assassinado anos depois e homenageado ao ter o seu nome atribuído à praça vizinha, posicionada como se fossem dois espaços interligados, onde se encontra a atual Catedral Metropolitana de Aracaju, antiga Igreja Matriz (Aracaju, 2010).
Seguindo as indicações feitas no quadrado de Pirro, na Figura 3 é possível visualizar parte da planta de Aracaju, redesenhada durante a execução das obras na zona central da cidade, em 1857, pelo engenheiro Pereira da Silva (Santos, 2024). Observa-se já identificada na legenda disposta abaixo da referida figura, a localização espacial de prédios que seriam edificados no entorno da praça central: Alfândega; Mesa de Rendas; Palacete da Presidência; Tesouraria da Fazenda, Barracão da Tropa de Linha; Enfermaria Militar, Quartel da Polícia, além de obras de infraestrutura como vala da cidade. As inserções feitas ao desenho original da Figura 3 (na cor azul), destacam no centro da cidade a atual posição do Rio Sergipe em relação à localização do prédio da Igreja Matriz (hoje Praça Olímpio Campos), a estrada para Santo Antônio e, no espaço central, a atual Praça Fausto Cardoso.
Figura 3 - Planta do centro de Aracaju (1857)
Fonte: Aracajuantigga (2010) – figura com interferência dos autores.4
Entre os anos de 1857 e 1860, Aracaju se resumia apenas a 600 metros de comprimento, ao longo do rio, e 100 metros em direção ao interior. Após essa fase, surgiu o primeiro vetor de crescimento, onde hoje se encontra a rua Itabaiana, situada entre as praças Fausto Cardoso e Olímpio Campos (Diniz, 2009).
Na primeira metade do século XX, a economia de Sergipe foi dominada pelos setores açucareiro e têxtil, enquanto a capital do estado era impactada pelo reflexo das políticas adotadas pela República Velha e pelas consequências da I Guerra Mundial. Em decorrência do modelo de modernização adotado para as cidades brasileiras, mesmo que de forma tímida, Aracaju se engajou ao processo de desenvolvimento urbano. As vias públicas foram pavimentadas com pedras regulares, obras de saneamento básico foram executadas e valorizou-se o embelezamento das praças públicas, destacando-se a Praça Fausto Cardoso (IPHAN, 2023).
De acordo com Souza (2005), na década de 1960, a cidade tomou um novo impulso ao sediar a Região de Produção do Nordeste da PETROBRAS, resultando na instalação de um terminal de processamento e embarque de óleo à beira-mar. Em paralelo, surgiram as primeiras indústrias no estado (Lopes et al., 2023). Aracaju passou por transformações econômicas que afetaram diretamente a população e a paisagem urbana. Ao atingir novos grupos sociais, a economia tornou-se mais complexa e diversificada, o que favoreceu o surgimento de novos nichos de mercado. Ocorria uma transformação, tanto no poder de compra, como no estilo de vida dos cidadãos, modificando os modos de conviver na cidade, onde as praças se destacavam apenas como espaços de comércio, negócios e passagem. Aracaju crescia espacialmente e no entorno da Praça Fausto Cardoso foram executadas inúmeras obras que até hoje têm relevância arquitetônica e simbólica para a cidade.
Souza (2005) ainda enfatiza aquele momento como um marco significativo para o desenvolvimento de uma nova configuração da estrutura urbana de Aracaju, apesar dos efeitos alcançarem maior visibilidade apenas na década de 1970, com a mudança no ritmo do comércio, das instituições públicas e privadas, além da construção civil dando suporte ao rápido crescimento da cidade, até então compacta e predominantemente horizontal, com poucos edifícios de até cinco andares, construídos para abrigar órgãos voltados à administração pública, além do Hotel Palace (todos financiados pelo Estado).
O processo de verticalização que se iniciou a partir da década de 1940, segundo Oliveira e Pina Neto (2017), confirmava o crescimento socioeconômico e materializava o progresso. Todavia, a verticalização em Aracaju só se intensificou a partir de 1970, sob o incentivo do Sistema Financeiro da Habitação (BNH). Nas últimas décadas do século XX, além da verticalização ter sido um agente gentrificador, ao relocar as favelas para a periferia, determinando o vetor de crescimento em direção ao sul da capital, também demoliu diversos dos antigos casarões do centro de Aracaju. Apesar do desenvolvimento da cidade ter sido interrompido de forma brusca na década de 1990, quando o país enfrentava uma acentuada crise econômica, pode-se dizer que foi um período marcado pela melhoria dos serviços na cidade, graças a financiamentos nacionais e internacionais, o que contribuiu com um cenário mais atrativo para a migração, dando assim, uma continuidade à homogeneização da ocupação da capital (Souza, 2005).
Os impactos da expansão urbana e do desenvolvimento econômico causados sobre o Centro Histórico da cidade, mais especificamente sobre o uso e aproveitamento do solo na Praça Fausto Cardoso, durante a segunda metade do século XX, foram significativos: deslocamento de órgãos públicos; demolição de casarões antigos e mudança nas fachadas dos que restavam; desvalorização imobiliária do espaço como uma zona residencial devido à instalação do comércio popular e informal.
Desde o início do século XXI, Aracaju é uma cidade que cresceu e continua crescendo. A região central especializou-se no comércio e assim se mantém no entorno do Centro Histórico, onde o espaço focal é a Praça Fausto Cardoso, conforme determinado pelo plano inicial proposto por Pirro, mas com novos contornos e remendos. A cidade se expande já não somente no vetor sul, mas em novas direções da Região Metropolitana de Aracaju (RMA), principalmente nos eixos onde se localizam o Distrito Industrial, a Universidade Federal de Sergipe (Campus de São Cristóvão) e o município de Nossa Senhora do Socorro. Outros polos de aglomeração foram criados, com novas atividades, vivências e consequentes estilos de vida.
A vida no Centro Histórico da capital, atualmente mais valorizada pelos turistas, perdeu seu protagonismo para os habitantes em decorrência da formação de novos bairros com a oferta de habitações, comércios e serviços voltados a um público de alto poder aquisitivo, além das periferias caracterizadas pela alta densidade populacional, que contemplam as classes média e baixa, onde prevalecem os comércios atacadistas e populares (Santos, 2024).
Observa-se que a construção de uma cidade nos moldes da colonização tomou como rumo os modelos de produção do espaço ditos modernos, adotados na maioria das capitais do país. Um modelo que visa a especulação imobiliária acima de qualquer coisa, a necessidade da utilização de automóveis e a constante redução dos espaços verdes no perímetro urbano. Esse modelo de urbanização gera consequências que afetam não somente a vida da população que ali reside, mas também aguça o imaginário e afeta percepções e sensações.
A imagem de Aracaju construída a partir da Praça Fausto Cardoso
É possível dizer que a primeira imagem construída da cidade de Aracaju tenha sido simplesmente sobre o próprio traçado em xadrez, proposto por Pirro. Segundo Lynch (2011), os traçados ortogonais tendem a construir a imagem de espaços organizados, que facilitam a caminhabilidade e a arquitetura complementa a sensação de orientação dos indivíduos no lugar, a partir dos monumentos arquitetônicos edificados que funcionam como pontos identificadores, referências. O autor considera que existe a legibilidade nesses ambientes ordenados, os quais facilitam a construção de uma boa imagem ambiental, gerando um importante sentimento de segurança emocional aos transeuntes.
Ao citar que “essa imagem é produto tanto da sensação imediata quanto da lembrança de experiências passadas, e seu uso se presta a interpretar informações e orientar a ação”, Lynch (2011, p. 4) enfatiza a importância do reconhecimento de uma imagem construída para cidade a partir da legibilidade, percebida em traçados ortogonais.
O traçado ortogonal, reforçado no período da expansão europeia, existe desde a Antiguidade Clássica e, portanto, nada tem de original. Apesar disso, existe um mito de que o plano conhecido como o “tabuleiro de Pirro”, adotado em Aracaju, seria um modelo de modernidade absoluta, ideia que foi derrubada com o passar do tempo, logo, a percepção da imagem daquela cidade baseada no ideal progressista fica no imaginário de um povo. Contudo, para Ferrara (2000), a percepção da imagem da cidade, mesmo que no imaginário, é um elemento essencial e indispensável à formação da identidade e à compreensão dos significados urbanos.
Corroborando com o pensamento de Rossi (1998), para quem a arquitetura é o principal elemento identificador das cidades, entende-se que a imagem que estava sendo construída para a cidade de Aracaju, além do próprio traçado urbanisticamente estruturado, fundamentalmente dependia de um conjunto arquitetônico, que, segundo Santos (2024) começava a ser rapidamente edificado.
A Praça Fausto Cardoso, um dos primeiros espaços livres de Aracaju, conforme Oliveira e Pina Neto (2017), teve o seu eixo demarcado pela construção, em 1860, de um atracadouro às margens do rio Sergipe (Fig. 4), para a chegada do Imperador Dom Pedro II e sua comitiva, que visitaram uma cidade ainda em obras. Conhecida como Ponte do Imperador, passou por reformas no século XX e sua estética atual pode ser visualizada na Figura 5.
Figuras 4 e 5 - Ponte do Imperador (1860 e 2020)
Fontes: Silva (2009) e Sergipe Turismo (2020) 5
Além de ter sido a principal ‘porta da cidade’ durante algumas décadas, até os dias atuais a Ponte do Imperador representa um marco na história da capital aracajuana (Alese, 2018). Importante ponto turístico, é um ícone arquitetônico de grande potencial imagético para a praça e para a cidade.
De acordo com Silva (2009), a Praça Fausto Cardoso, começou a se delinear buscando instalar a representatividade política, com aglomerado de edifícios representativos do poder, diferente do que havia sido previsto no plano de Pirro, onde a antiga Praça do Palácio seria um espaço de encontros e abrigaria apenas o Palacio Presidencial. Contudo, não se pode imaginar que isso tenha ocorrido por acaso, é mais adequado pensar que é um mero resultado das circunstâncias políticas e históricas.
Em 1863, ali já estavam edificadas as primeiras construções oficiais, as quais podem ser observadas na Figura 6, em fotografia capturada na primeira década do século XX, o Palácio Olímpio Campos (à direita) e Palácio Fausto Cardoso (à esquerda), interligadas pelas palmeiras enfileiradas, o que transmitia uma imagem imponente a partir da organização do espaço e das arquiteturas em construções consolidadas com uma linguagem que faz releitura ao estilo neoclássico simplificado (Oliveira; Pina Neto, 2017). No centro, ao fundo da fotografia, também é possível observar o prédio da Igreja Matriz, na Praça Olímpio Campos. A Figura 7, sob a mesma visada, exibe as mesmas arquiteturas com mudanças estéticas que foram feitas na década de 1920.
Figuras 6 e 7 - Praça Fausto Cardoso (aproximadamente 1900 e 1920)
Fontes: Aracajuantigga (2010)6 e Diniz (2009)
Com a Emancipação Política de Sergipe (1919), arquiteturas relevantes no entorno da Praça Fausto Cardoso ganharam uma nova roupagem, encomendada a restauradores italianos que marcaram uma transição estética eclética na imagem da cidade, entre o neoclássico e a modernidade (Diniz, 2009). Todavia, observa-se que aquelas alterações estéticas não provocaram descontinuidade na construção imagética da praça, apenas reforçaram um discurso político, ostentando o poder, a partir de uma leitura semasiológica contida na linguagem dos símbolos e signos arquitetônicos. Conforme Pesavento (1999), monumentos erguidos no passado têm as suas imagens lidas no presente, mas com a potencialidade de remeter a outros tempos.
Segundo Mello (2004), a necessidade de consolidar o republicanismo e seguindo os moldes europeus para garantir às cidades brasileiras a imagem da modernidade, os antigos largos coloniais se transformam em praças que se mantiveram valorizadas como pontos centrais dos territórios urbanizados, abrigando os mais importantes prédios da administração pública, da igreja, do comércio e de residências para uma população privilegiada.
Desde a virada do século XIX, a Praça Fausto Cardoso se incluiu nesse modelo, sem desprezar a ideia de Benevolo (2019), ao citar que as praças públicas se constituem como espaços de lazer, promotores de interações e manifestações políticas, sociais e culturais. Conforme se observa nas figuras 8 e 9, o espaço sofreu modificações significativas entre 1870 e 1920. Além do prédio visto na esquina (Fig.8), que abrigou o Hotel Brasil ainda no século XIX, nas duas figuras uma fileira de casas residenciais compunha a imagem da praça, que em 1920 já se configura como tal, enquanto as arquiteturas das casas tiveram fachadas em estilo predominantemente eclético (Fig.9).
Figuras 8 e 9 - Praça Fausto Cardoso (1870 e 1920)
Fontes: Oliveira; Pina Neto (2017) e Solutudo Aracaju (2019) 7
Na década de 1930, sob a égide do “paradigma moderno que configurou várias cidades brasileiras entre os séculos XIX e XX” (Santos, 2012, p. 19), uma nova estética arquitetônica passou a compor a imagem da praça, a exemplo do Palácio Carvalho Neto (1936), em estilo art déco, atual Arquivo Público de Sergipe, construído na lateral direita da Praça Fausto Cardoso. Contudo, a imagem construída para a cidade de Aracaju a partir da Praça Fausto Cardoso (Fig. 10 e 11) estava principalmente relacionada aos espaços ajardinados de circulação, lazer e sociabilidade, exibindo no seu entorno arquiteturas e ícones urbanos que confirmavam a construção da imagem da cidade em pleno processo de desenvolvimento urbano.
Figuras 10 e 11 - Praça Fausto Cardoso, anos de 1930
Fontes: Diniz (2009) e Fontes da História de Sergipe (2010) 8
É possível visualizar nas figuras acima que, nos anos de 1930, na Praça Fausto Cardoso, prevalecem diversos elementos simbólicos da modernidade. Rodeada por calçamento, observa-se a presença de pessoas circulando ou usufruindo do espaço, um jardim organizado e bem cuidado. Incluía-se à sua decoração, em estilo neoclássico e eclético, o mobiliário urbano que a embelezava: coretos com estátuas de pequenas ninfas; fonte com espelho d'água; postes de iluminação e, em destaque, uma estátua em bronze de Fausto Cardoso de Aguiar, sobre um pedestal de mármore com acabamentos em bronze que ressaltam os dizeres em letras maiúsculas: “agosto 23 de 1906, a Fausto Cardoso, o povo – vou morrer defendendo a honra da minha terra”. Também compõem a imagem da praça outros elementos simbólicos do equipamento urbano, como o bonde elétrico, carros estacionados, arquiteturas imponentes e a paisagem como um todo, que tem ao fundo o Rio Sergipe interligado à praça pela Ponte do Imperador (Aracaju, 2009).
Percebe-se que a partir das novas inserções de valor simbólico na paisagem urbana com a finalidade de embelezar os espaços centrais de Aracaju, o Estado além de querer mostrar uma imagem de poder e organização nos espaços das praças, ele queria controlar seu uso, impondo uma imagem de respeito e admiração a ambientes que muito representavam para a ascensão de uma jovem república (Fig. 12 e 13). Mello (2004) ressalta que a simbologia de tais elementos era enfática para a construção imagética das cidades novecentistas, face à necessidade de exibir as cidades como competitivas no mercado mundial.
Figuras 12 e 13 - Praça Fausto Cardoso, década de 1930
Fontes: Solutudo Aracaju (2019) 9 e Oliveira; Pina Neto (2017)
De acordo com Oliveira e Pina Neto (2017), entre as décadas de 1940 e 1950, ocorreu uma renovação na paisagem urbana da Praça Fausto Cardoso, quando surgia uma linguagem moderna nas edificações que aderiam à verticalização e uma nova plástica, densa e com uma carga simbólica marcante, remetendo à metropolização e ao capitalismo. Todavia, ao se analisar as imagens construídas a partir das fotografias das figuras 14 e 15, capturadas em visada na diagonal da Praça Fausto Cardoso, entre as décadas de 1960 e 1970, respectivamente, percebe-se que entre aquele período ocorreu um certo antagonismo na esfera imagética.
Figuras 14 e 15 - Praça Fausto Cardoso, décadas de 1960 e 1970
Fontes: Solutudo Aracaju (2019)10 e Oliveira; Pina Neto (2017)
Enquanto a figura 14 exibe ao entorno da praça uma arquitetura com poucas modificações, a figura 15 confirma além da estética art déco anteriormente citada, a presença do prédio pioneiro da linguagem modernista no contexto público e marco referencial para a cidade, o Edifício Walter Franco, erguido em 1957 com seis andares para abrigar repartições públicas, construindo uma imagem que remete ao desenvolvimento urbano. Era o início de uma significativa modificação da Praça Fausto Cardoso, não só no que tange à sua imagem, mas nas formas do seu uso e apropriação.
Contudo, essa contradição imagética não se manteve, pois o prédio do antigo Hotel Brasil, visualizado na ponta esquerda da figura 14, foi demolido e em 1987 deu lugar a outro prédio simbólico do poder para a cidade. Com sete andares, o Palácio Joao Alves Filho tinha a finalidade de abrigar o novo prédio da Assembleia Legislativa de Sergipe (ALESE), adotando uma estética “brutalista”, característica da época em que predominavam blocos de concreto como forma.
Conforme citam Oliveira e Pina Neto (2017, p. 11), “a diversidade de estilos arquitetônicos poderia ter sido um desastre na configuração paisagística da Praça Fausto Cardoso e no conjunto arquitetônico preexistente onde os palácios sobressaiam na paisagem.” Na visão dos autores, as novas arquiteturas apenas transfiguraram a unidade compositiva da praça como marcante, simbólica e expressiva. Todavia, ao se revisitar os conceitos que norteiam as análises sobre a imagem das cidades, é possível levantar alguns questionamentos sobre a atual imagem daquele espaço (Fig.16).
Figura 16 - Praça Fausto Cardoso, vista aérea, século XXI
Fonte: Sergipe em Fotos (2015)11 – fotografia de Lineu Lins.
Na imagem acima, confirma-se que em poucas décadas ocorreu uma grande mudança na configuração da Praça Fausto Cardoso, que deixou de ser um espaço de representação política, sociabilidade cultura e lazer para os aracajuanos, passando a um espaço de trânsito para pedestres, ocupado pelo comércio popular e informal (Santos, 2024).
Com base no pensamento de Ferrara (1988), para quem a imagem de um lugar se relaciona aos elementos que moldam o cenário social e cultural da comunidade, desempenhando um papel fundamental na definição da cidade como um ambiente urbanizado, tanto por sua arquitetura quanto pelas práticas sociais que neles ocorriam, entende-se que a transformação imagética foi significativa.
Como eixo central da fundação da cidade idealizada por Pirro, observa-se que a Praça Fausto Cardoso perde sua potencialidade imagética, sobretudo como ícone do Centro Histórico. Poucos prédios da arquitetura que simbolizavam o poder, resistiram ao tempo. Segundo Lynch (2011), a imagem da cidade está associada aos pontos nodais, como locais que atraem concentrações já que as pessoas percebem com mais clareza os elementos circundantes às edificações de extrema relevância ao estado, com uma intensa circulação de pessoas e estabelecimentos privados, como bancos e importantes escritórios.
Com poucas arquiteturas da sua preexistência, algumas em estado de abandono ou desprezo, a predominância do comércio popular, que alterou as fachadas com grandes letreiros, e, sendo utilizada apenas como espaço de trânsito para pessoas, entre elas errantes, pode-se dizer que a imagem atualmente construída sobre a praça é de pouca representatividade para a cidade. Fica claro que são insuficientes as iniciativas efetivas dos órgãos governamentais para preservar a imagem simbólica daquele lugar. O fluxo de pessoas, predominantemente turistas, deve-se à visitação da Ponte do Imperador, do Palácio Museu Olímpio Campos (Fig. 17) e à proximidade em relação ao Museu do Artesanato de Sergipe (situado na Praça Olímpio Campos).
Figura 17 - Palácio Museu Olímpio Campos
Fonte: Palácio Museu Olímpio Campos (2024)12. Fotografia Lineu Lins.
Cabe comentar que a arquitetura eclética carregada de símbolos do poder na fachada do Palácio Museu Olímpio Campos (1863), restaurado e aberto ao público em 2010 (sede do Governo do Estado até 1995), é uma das poucas arquiteturas destacadas pela sua permanente iluminação na praça.
Considerando que as imagens urbanas despertam a nossa percepção na medida em que marcam o cenário cultural da nossa rotina e a identificam a partir de uma atmosfera que assinala um modo de vida e certo tipo de relações sociais (Ferrara, 1993), entende-se que no cotidiano a Praça Fausto Cardoso não cumpre o seu papel junto à sociedade aracajuana. Entretanto, o uso do espaço se difere consideravelmente durante o “Natal Iluminado”, quando uma espetacularização causada pela iluminação em leds, promovido nas últimas duas décadas pela Prefeitura Municipal de Aracaju, atrai principalmente os moradores locais, que interagem com o espaço (Fig. 18 e 19).
Figuras 18 e 19 - Praça Fausto Cardoso: Natal Iluminado, 2023
Fontes: Santos (2024)
Entre as atrações do "Natal Iluminado" na Praça Fausto Cardoso (Fig. 18), destaca-se um carrossel que evoca o tradicional Carrossel do Tobias, popular desde os anos de 1950. Esta inclusão desperta um sentimento de nostalgia nos moradores, enquanto palcos montados dão espaço a apresentações de diversos artistas locais, o que agrega um valor cultural ao evento.
Ao se observar um dos coretos iluminados na praça (Fig. 19), supõe-se que esse elemento afeta o emocional e reforça a imagem ilusória de uma cidade ideal, esquecendo das mazelas diárias. Isso pode levantar questões acerca da dicotomia entre a fantasia eventual e a realidade cotidiana. Argan (1998) argumenta que tais eventos criam uma imagem idealizada da cidade, como segura e limpa, em contraste com a realidade urbana. O ideal é que os espaços públicos sejam convidativos para a vida cotidiana dos cidadãos, não apenas em ocasiões esporádicas.
A presença de arquiteturas, mobiliário e equipamentos urbanos mal conservados na praça estimula a imaginação sobre como a imagem do espaço central poderia ser se ele fosse historicamente e culturalmente preservado. Embora o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) tenha declarado que Aracaju não possui bens protegidos no âmbito federal (IPHAN, 2014), em 2015 foi proposto incluir no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) a existência de monumentos tombados na cidade (Aracaju, 2021). O Decreto nº 9.990 de 1988 (Aracaju, 2015) estabelece que o poder legislativo é responsável pela classificação e tombamento do patrimônio histórico, mas o Capítulo IV da versão preliminar do PDDU supracitado sugere que os tombamentos não sejam acompanhados por estudos técnicos específicos e podem ser decididos arbitrariamente, sem o devido registro em livros de tombo (Santos, 2024).
Atualmente, o Centro Histórico de Aracaju possui uma imagem confusa e carece de legibilidade, não conseguindo representar a cidade de forma clara e eficaz. Com um ambiente insalubre e odores desagradáveis, a presença constante de moradores de rua contribui para uma imagem de insegurança. Apenas o evento "Natal Iluminado" proporciona uma percepção temporária de segurança e pertencimento, contrastando com a imagem negativa, que é predominante construída no cotidiano.
Seria necessário que o poder público promovesse com frequência uma variedade de eventos culturais, artísticos e esportivos na praça Fausto Cardoso, atraindo diferentes públicos e tornando os espaços mais inclusivos e dinâmicos. Além disso, é crucial investir na infraestrutura e manutenção das praças, incluindo melhorias na iluminação, paisagismo, mobiliário, higiene e segurança.
Cabe à Prefeitura Municipal de Aracaju envolver a comunidade local no planejamento e gestão das praças no Centro Histórico da cidade, buscando parcerias com organizações privadas para a criação de políticas públicas específicas voltadas aos investimentos na restauração e preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural, para que a Praça Fausto Cardoso reassuma a potencialidade de representar imageticamente a cidade.
Considerações finais
Entende-se que construir imagens para uma cidade relativamente jovem, com menos de dois séculos e poucas características monumentais, se comparada às cidades mais antigas e/ou mais ricas do país, talvez tenha sido um grande desafio para os que inicialmente atuaram no papel de arquitetos e urbanistas em Aracaju. Todavia, era de interesse da governança local, desde a virada do século XIX, garantir que os moradores de Aracaju tivessem interesse em fixar raízes e não serem cooptados pelas propostas de trabalho em outras regiões do país, assim como atrair novos moradores que pudessem investir e contribuir para a consolidação da cidade como capital e expandir o desenvolvimento local.
A imagem urbana é moldada por diversos fatores, tanto administrativos quanto individuais. A dinâmica urbana, influenciada por múltiplos elementos, faz com que a cidade funcione como um organismo em constante devir, além do controle dos planejadores e arquitetos. Para alinhar a imagem real à ideal, é essencial que todos contribuam para melhorar a percepção sobre os espaços públicos e promover uma revitalização do Centro Histórico de Aracaju, considerando aspectos físicos, históricos e socioculturais.
O estudo na área do Centro Histórico abre caminho para ampliar a compreensão dos espaços públicos e aprimorar as implementações necessárias para revitalizar a imagem da cidade. Ao longo desta pesquisa, constatou-se que o mapeamento do patrimônio, como foi realizado pelo IPHAN, não resolve os problemas estruturais dos espaços públicos em Aracaju. As diretrizes dispostas no PDDU evidenciam a influência dos poderes hegemônicos, buscando investimentos públicos para apoiar novos vetores de expansão urbana, desprezando a restauração e preservação do patrimônio histórico e cultural da cidade. Atualmente, a região central exibe uma imagem negativa, marcada pelo descaso dos órgãos competentes.
A construção imagética das cidades contemporâneas frequentemente esconde desigualdades e violência, promovendo imagens idealizadas para fins turísticos, setor que as negocia como produtos, entretanto, nem se pode dizer que Aracaju se inclua nesse processo ao negligenciar o valor simbólico do seu Centro Histórico, onde a Praça Fausto Cardoso poderia representar a cidade imageticamente, além exercer a sua função sociocultural junto à sociedade aracajuana.
Referências:
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Data de Recebimento: 08/11/2024
Data de Aprovação: 09/04/2025
1 A temática aqui abordada visa divulgar parte integrante de um estudo mais amplo, apresentado em uma Dissertação de Mestrado, intitulada A imagem do Centro Histórico de Aracaju: uma análise a partir das transformações ocorridas nas praças Fausto Cardoso e Olímpio Campos, defendida por um dos autores (Santos, 2024), no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da Universidade Salvador (PPDRU/UNIFACS).
2 https://commons.m.wikimedia.org/wiki/File:Vista_A%C3%A9rea_do_Centro_Hist%C3%B3rico_de_Aracaju_2022-0774.jpg
3 https://www.vivadecora.com.br/pro/cidades-planejadas-no-brasil/
4 https://aracajuantigga.blogspot.com/2010/03/aracaju-155-anos.html.
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9 https://conteudo.solutudo.com.br/aracaju/pracafaustocardoso/
10 https://conteudo.solutudo.com.br/aracaju/pracafaustocardoso/
11 https://sergipeemfotos.blogspot.com/2015/05/vista-aerea-da-praca-fausto-cardoso-em.html
12 https://www.palacioolimpiocampos.se.gov.br/