A experiência de criação de um dicionário compartilhado: a escrita como novas formas de “partilha do sensível” no espaço urbano


resumo resumo

Camilla Baldicera Biazus
Verli Petri



Os sentidos são ‘aves’, eles migram; são aves ariscas, não se deixam aprisionar; são ‘aves’ que cantam, seu canto ressoa de diferente maneiras.  E, como todas as canções, estas provocam diferentes reações nos sujeitos” (PETRI, 2011, p. 25).

 

 

Um pouco de história...

O dicionário compartilhado surge do desejo de uma das autoras deste artigo de se aventurar e explorar os terrenos da Análise de Discurso, tendo como ponto de partida a Psicanálise e como porto seguro a presença e companhia da sua orientadora de tese e coautora deste texto. Esse percurso, que resultou na tese de doutorado intitulada “Dicionário Compartilhado: espaço de criação, resistência e subjetividade” (BIAZUS, 2015)[1], foi construído a partir do seguinte questionamento: qual a relação da escrita com a construção da subjetividade?

Esse questionamento acabou por encontrar, através das reuniões de orientação, um espaço potente e fértil para se movimentar e se desenvolver: a Associação Cuica[2]. Eis que então a proposta nasce: analisar a escrita enquanto espaço de subjetivação a partir de um trabalho com jovens que faziam parte da Associação Cuica. É importante salientar que nenhuma ideia nasce sozinha, mas sim de uma relação. Sendo assim, foi com base em questões pensadas pela coautora, já com pesquisas consolidadas à época, e do seu contato com a obra de José Horta Nunes[3] acerca de verbetes musicados, pensados no o espaço urbano, que começa a ganhar forma esta ideia: pensar a escrita no espaço da música e a música por meio da escrita, sempre como espaço de subjetivação. Para que isso fosse possível, não era preciso apenas pensar em um espaço, mas criá-lo. Elaborar um instrumento que promovesse o encontro entre essas diferentes materialidades e possibilitasse o desenvolvimento do trabalho.

Diante disso, pensamos no dicionário como um lugar possível para a “escrita de si” (FOUCAULT, 2004), que permitiria o encontro não só entre a escrita e a música, mas também entre outras formas de produção da linguagem. Para tanto, precisamos desconstruir um pouco a noção tradicional de dicionário, já que nosso principal objetivo não era o de gramatizar uma língua (cf. AUROUX, 1992), mas observar processos de subjetivação e de produção de sentidos, via escrita organizada em verbetes, produzindo sentidos na e pela língua

Assim, começou a delinear-se o que nomeamos como “dicionário compartilhado”, isto é, elaborado em grupo, o qual teve como objetivos falar sobre a experiência de fazer parte da Cuica, bem como fazer referência à história pessoal e singular de cada participante. Pensamos que, diante daquela realidade, a escrita poderia ser vista como um potente dispositivo pessoal e social, responsável pela produção da subjetividade, promovendo o resgate do simbólico e convocando o sujeito a uma constante transformação. A partir do processo de elaboração de verbetes por crianças e jovens foi possível, portanto, não só analisar a sua produção escrita artístico-criativa, mas também observar como se realiza a produção da linguagem. O dicionário compartilhado passa a ser tomado então enquanto um lugar de escrita de si, dentro do espaço urbano, e de possibilidade de subjetivação no laço com o Outro, o que é constitutivo da construção identitária. O espaço urbano é aqui concebido em consonância com Nunes (2010, p. 45-46), que nos ensina que:

[...] ao delimitar o espaço urbano para análise, colocamos em jogo a relação dos sujeitos com a sua vivência espacial no cotidiano das cidades, tomando a conjuntura da cidade como condição de produção dos discursos [...] O espaço, assim, não é visto como separado dos sujeitos que os preenchem, como um espaço abstrato, idealizado, mas sim como um espaço real em que os sujeitos se encontram afetados pelo simbólico e pela historicidade.

De fato, considerando o espaço urbano, ao dizer dicionário compartilhado, estamos propondo questões teóricas alinhadas com as práticas sociais que ele engendra, bem como com o trabalho de autoria e suas relações com a história e o social. A ideia é que possamos, a partir desta escrita, movimentar os sentidos sobre o que é um dicionário compartilhado, abrindo-o como lugar possível de experimentação e reinvenção nas mais diversas experiências e campos do saber. Para tanto, iniciaremos esse percurso buscando refletir, no âmbito da discursividade, sobre o processo de escrita e a função-autor para que assim seja possível então introduzir ao leitor a ideia do que estamos nomeando como dicionário compartilhado. Por fim, buscaremos narrar nossas experiências com a criação de dicionários compartilhados, ilustrando com excertos como se realizaram as atividades na prática. Iniciaremos pela experiência com a Cuica – ponto de partida – e, após, iremos apresentar dois dicionários compartilhados desenvolvidos no ensino superior, mais especificamente no Curso de Psicologia, no qual uma das autoras desenvolve atividades docentes. Dessa experiência no ensino superior resultaram o “Dicionário Compartilhado do psicoterapeuta em formação” e o “Dicionário Compartilhado do (des)envolvimento humano”, respectivamente elaborados por alunos do quinto e terceiro semestres. Nessas três experiências aqui apresentadas, destaca-se o processo de criação desses dicionários, seus efeitos de sentido nas práticas e vidas desses sujeitos e de que forma pensamos na contribuição desse dispositivo artístico para/no contexto educacional no qual essas crianças e jovens estão inseridos.

O sujeito da/na escrita: movimentando sentidos pela autoria

Falar sobre a escrita e seus processos, buscando aproximá-la das vivências do sujeito, é uma tarefa árdua e complexa. Ainda parece pairar em nossa sociedade uma visão dicotômica acerca da escrita, que busca determinar aqueles que podem usufruir dela e aqueles que não podem, como podem e o que podem a partir dela. Assim, de um lado temos uma visão idealizada da escrita, que confere a ela um poder mágico e restrito a pessoas “especiais”, que já nascem com um dom ou que são reconhecidos, no âmbito social e acadêmico, como intelectuais. Do outro lado, temos a escrita obrigatória, vinculada ao sistema educacional como forma de avaliação, repleta de normas que exigem do sujeito um “saber escrever” que está muito mais atrelado ao uso “correto” da Língua Portuguesa, do que à possibilidade de desenvolvimento e construção de um pensamento crítico acerca da realidade. Em nosso entender, escrita e autoria andam juntas, muito embora a escola tantas vezes não se dá conta disso.

Para ilustrar essa reflexão, trazemos parte do depoimento de Valéria Fagundes, uma das pessoas entrevistadas no documentário “Pro dia nascer feliz”, do diretor João Jardim, em 2007. O documentário aborda o sistema educacional brasileiro, a partir de entrevistas com alunos e professores, de três estados brasileiros – Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo – focando a relação do adolescente com a escola, a desigualdade social e a banalização da violência. O depoimento de Valéria, em especial, nos chama a atenção. Valéria, à época com 16 anos, morava em Manari (Pernambuco), uma das cidades mais pobres do Brasil: “Aqui, na maioria das vezes a gente não tem nem chance de sonhar”. É com essa fala que Valéria abre sua participação no documentário. Depois disso, a menina fala sobre o seu gosto pela leitura, pela poesia e pede ao diretor do filme para ler alguns poemas de sua autoria. Poemas que expressam a possibilidade de Valéria resistir por meio da palavra, da autoria; de recuperar a esperança e a capacidade de sonhar através da rima, do ritmo que as palavras imprimem a sua vida: “Eu deveria ter uma péssima impressão da vida se não fosse a paixão que tenho pela arte de viver”. Contudo, mesmo encontrando na escrita um espaço para (re)existir, é justamente aí que a escola, na figura do professor, busca oprimi-la. Valéria relata que quando os professores pedem que ela escreva uma redação na escola, suas produções nunca são aceitas, pois eles não acreditam que sejam da sua autoria: “Eles não dão nota boa, porque acreditam que eu peguei aquilo em algum lugar, em algum autor. Eles nunca acreditaram que fui eu que fiz”. De fato, ao pensarmos a constituição do dicionário compartilhado, propomos romper com essa convenção tantas vezes multiplicada pela escola, pois acreditamos na autoria como prática social de resistência.

É desse lugar que queremos pensar a escrita e sua possibilidade de subjetivação, de produção de si. É na busca pela (re)significação desse lugar que o dicionário compartilhado nasce como forma de reinventar essa relação entre o sujeito e a escrita, como espaço de resistência. Diferentemente do que circula no senso comum e nos dicionários, a noção de resistência para a Análise de discurso não tem a ver apenas com o ato de resistir ou de se opor a determinado fato ou opinião. Assim, com o objetivo de fazer circular essa noção no campo da discursividade, tomaremos como ponto de partida o texto de Pêcheux ([1975] 2009) “Só há causa daquilo que falha ou o inverno político francês: início de uma retificação”; mais precisamente, o lugar onde o autor discorre que “não há dominação sem resistência” (PÊCHEUX, [1975] 2009, p. 281). Tomar essa afirmação como premissa é levar em conta os sentidos que estão no dicionário e no senso comum, implica considerar também que o sujeito é sempre já interpelado pela ideologia que, por sua vez, comporta a contradição como constitutiva. O sujeito constitui-se na e pela contradição, é inevitavelmente interpelado ideologicamente, podendo sempre encontrar um via para escapar, marcar posição, fugir, negar, abrir brechas no espaço do dizer outro, mesmo que por um breve instante, movimentando os sentidos a partir da resistência, pois, como afirma o autor, “não há ritual sem falhas; enfraquecimento e brechas, ‘uma palavra por outra’ é a definição da metáfora, mas é também o ponto em que o ritual se estilhaça no lapso [...]” (PÊCHEUX, [1975] 2009, p. 277, grifos do autor). Se só existe sujeito a partir da interpelação ideológica, só existe interpelação constituída pela falta, pela falha. Essa é a condição do sujeito inscrito no simbólico, na relação entre a língua e a ideologia. A par dessas reflexões, Mariani (1998, p. 26) discorre que a resistência, para Pêcheux:

[...] é a possibilidade de, ao dizer outras palavras no lugar daquelas prováveis ou previsíveis, deslocar sentidos já esperados. É ressignificar rituais enunciativos, deslocando processos interpretativos já existentes, seja através de um lapso ou um equívoco ou até mesmo não dizendo nada.

Nessa perspectiva, dizer e silenciar são modos de resistir, o que implica levar em conta as condições de produção, as relações entre sujeitos e as práticas sociais engendradas. Não se trata de um conceito simples, especialmente nesse momento social e histórico no qual a palavra resistência torna-se polivalente, servindo para justificar quase tudo. Dizer resistência, neste trabalho, não é aumentar o número de ocorrências para a palavra, bem como não é contribuir para a saturação de sentidos sobre ela, pois resistência para nós significa na especialidade teórica e no interior de um corpus de análise bem particular. Cada palavra tem uma história (PETRI, 2019) e um devir. Resistir e (re)existir, em nossa reflexão, significam juntas, trilhando um caminho para a construção da subjetividade.

Já Nunes, ainda em 1999, destacava que a escrita, enquanto espaço de subjetivação, permite ao sujeito assumir uma posição simbólica, impulsionando-o à invenção de novas configurações subjetivas, a uma construção e reconstrução do Eu, a outras formas de (re)existir. Diante disso, é possível afirmar que a escrita possibilita ao sujeito criar uma narrativa, ocupar o lugar de autor frente à sua história. É pela narrativa criada, mediada pela palavra, que se torna possível ao sujeito expressar não só seus desejos inconscientes, mas também os desejos de uma sociedade, pois a escrita não é individual, estando vinculada às relações do sujeito com o outro, o escrever está preso e destinado ao discurso do Outro, como forma de se fazer reconhecido (MENDES; PRÓCHNO, 2006).

Se, por um lado, a escrita pode conduzir o sujeito para uma certa estabilização dos sentidos, efeito que parece ser buscado/esperado no espaço educacional, por outro, também pode fragmentá-los, provocando outras formas de significar. Com isso, acreditamos que a escrita pode se apresentar como um recurso para que o sujeito consiga reconstruir sua realidade, expressando aquilo que representa a sua singularidade, assim como no caso de Valéria, anteriormente mencionada aqui. Assim sendo, concordamos com Deleuze (1992, p. 176) quando diz que o sujeito escreve “para dar a vida, para libertar a vida aí onde ela está aprisionada, para traçar linhas de fuga”.

A Análise de Discurso compreende a autoria enquanto função-autor que se realiza sempre que o sujeito se apresenta na origem do texto, acreditando produzi-lo enquanto unidade, com início, meio e fim, apresentando coerência e não-contradição. Nas palavras de Orlandi (2007, p. 69), o autor é aquele afetado pela responsabilidade social e que “responde pelo que diz ou escreve, pois é suposto estar em sua origem”. Dessa forma, podemos dizer que a autoria se dá na relação entre o sujeito e a história. Sendo assim, é “no trabalho da autoria na/pela escrita que se materializam os fios da história que determinam os modos de subjetivação do sujeito. Território tenso e contraditório em que o sujeito (re)produz marcas e é marcado pela/na história” (BIAZUS, 2015, p. 65).

É por meio da autoria, segundo Biazus (2015), que o sujeito consegue brincar/jogar com o já-dito, mobilizando e criando outros sentidos, atualizando e provocando deslizamentos não só no discurso, mas também naquilo que lhe é singular. É pela autoria que o interdiscurso se atravessa no sujeito e também é atravessado por ele. Não há a verdade do sentido, mas sim diferentes sentidos possíveis. Escrever exige compreensão, o que, para Orlandi (2007), significa a apreensão das várias possibilidades de um texto. Para compreender/escrever, o sujeito-autor deve relacionar-se com os diferentes processos de significação que ocorrem no texto e que decorrem da função da historicidade: história do sujeito e do sentido do texto, enquanto discurso.

Com isso posto, acreditamos que sujeito e sentido constituem-se/fazem parte de um mesmo processo, inevitavelmente movimentado pela escrita. A escrita exige compreensão, e compreender “é saber que o sentido pode ser outro” (ORLANDI, 1988, p. 116), ou, ousamos dizer, escrever é saber que o sentido sempre é outro e o sujeito também, pois, como afirma Barthes (1981, p. 64), “a linguagem é como uma pele: eu esfrego minha linguagem contra os outros. É como se eu tivesse palavras ao invés de dedos, ou dedos, na ponta das palavras”. Ao esfregar sua linguagem contra o outro, esse sujeito desloca-se, deslocando sentidos, pela autoria na escrita. Entendemos assim, que o sujeito interpelado pela ideologia pode produzir movimentos de resistência em relação a ela, pois comporta em si o funcionamento de um inconsciente que produz equívocos, manifestações que, de alguma forma, percorrem um caminho diverso àquele determinado pelas práticas ideológicas, um caminho de resistência. Conforme mencionado anteriormente, Pêcheux ([1975] 2009) afirma que não há dominação sem resistência, não existindo, então, um sujeito isento de falhas.

É na busca por esse espaço em que o sujeito possa movimentar os sentidos a partir das suas experiências, encontrando na escrita e na autoria uma possibilidade de (re)existência, que o dicionário compartilhado surge como dispositivo, proporcionando ao sujeito um outro encontro com as palavras. Encontro esse que tem como um dos seus principais objetivos desestabilizar a ordem da evidência, movimentando as relações de poder entre aqueles que podem e sabem escrever e aqueles situados à margem da língua/escrita, aos quais cabem frequentemente a tarefa de aprender para reproduzir.

 

Dicionário compartilhado: desestabilizando o sujeito do lugar do comum

O dicionário é conhecido por ser um instrumento linguístico que guarda e preserva o uso correto da língua, parecendo trazer “certa segurança linguística” àqueles que o utilizam, uma vez que acreditam que com ele seria possível dominar a língua escrita e falada. Muito utilizado nos espaços escolares/acadêmicos, o dicionário é visto como uma maneira de o sujeito apropriar-se da língua e dos seus sentidos, garantindo suas certezas e livrando-se do não-saber. É importante pensarmos que o dicionário é um instrumento linguístico que, segundo Auroux (1992), faz parte de uma intervenção tecnológica e política que busca, no espaço linguístico, reduzir aquilo que é variável, mantendo assim um “bom uso” da língua. Para o autor, o dicionário tornou-se fundamental na produção de um efeito de unidade e de homogeneidade linguística entre os falantes, possibilitando o processo de gramatização de uma língua. Ainda para Auroux (1992), o dicionário seria um instrumento essencial para a manutenção e preservação das línguas, garantindo assim sua patrimonialização.

Entretanto, é preciso desconstruir certezas, criar espaços outros para um objeto simbólico tão interessante como é o dicionário, então, fazendo referência às palavras de Saramago, utilizadas por Petri (2012, p.23):

Sorriso, diz-me aqui o dicionário, é o acto de sorrir. E sorrir é rir sem fazer ruído e executando contracção muscular da boca e dos olhos. O sorriso, meus amigos, é muito mais do que estas pobres definições, e eu pasmo ao imaginar o autor do dicionário no ato de escrever o seu verbete, assim a frio, como se nunca tivesse sorrido na vida. Por aqui se vê até que ponto o que as pessoas fazem pode diferir do que dizem.


 

A partir das palavras de Saramago é possível identificarmos a distância existente entre o verbete construído no dicionário e a palavra vivida/sentida pelo sujeito. De um lado, temos o controle do sentido e, do outro, sua inevitável movimentação. Acerca das palavras de Saramago, Petri (2012) acrescenta que nem toda a definição pode ser contida pelo dicionário, porque seria muito mais do que aquilo que está descrito ali. Nas palavras da autora:

Aí, instala-se a crise, a profanação dos referidos instrumentos linguísticos, pois se antes,  na  escola,  tínhamos  nestes  instrumentos  uma  aura  divina,  agora  temos  a tentação  de  cometer  pequenos  delitos,  de  transgredir  a  norma,  de  admitir  sentidos outros,  de  explicitar  a  possibilidade  de  resistência  do  sujeito,  pois  a  língua  que falamos  já  não  cabe  ali, o  que  se  fala  escapa,  flui  e  nos  afasta  do  ideal  de  língua preconizado pela gramática e pelo dicionário (PETRI, 2012, p. 27-28).

A gramatização faz-se necessária para um patrimônio linguístico da humanidade. Todavia, achamos importante pensar, considerando Petri (2012), na possibilidade de desvincular o processo de dicionarização do processo de gramatização da língua, para assim podermos “compreender também outras formas de instrumentalização da língua que não surgem prioritariamente com o objetivo de gramatizar” (PETRI, 2012, p. 29). Conforme a autora, atualmente, os instrumentos linguísticos não dizem respeito apenas a dicionários e a gramáticas. Existem hoje os livros didáticos, sites da internet, museus de língua e materiais publicitários que funcionam no interior do processo de instrumentalização da língua. Petri e Medeiros (2013) pensam também os vocabulários, glossários, manuais, manifestações literárias enquanto instrumentos linguísticos que funcionam no interior desse processo de instrumentalização da língua. Há, de fato, uma explosão de possibilidades, na qual os instrumentos linguísticos multiplicam-se.

Frente a essas reflexões teóricas, Biazus (2015, p.112) pensou na possibilidade de criação/construção de um dicionário compartilhado, compreendendo o mesmo como um espaço de entremeio:

Entre aquilo que é da ordem do estabilizado, do “controle” do sentido e aquilo que é da ordem da variância, do deslocamento.  Nem só um, nem só outro, mas entre os dois, entre a possibilidade de se utilizar dos sentidos já-dados e a possibilidade de dobrá-los, torcê-los, fazendo-os (re)significar de outras formas. É no jogo entre as certezas e o que delas sobra, seus restos, que se constitui o que denominamos como dicionário compartilhado: lugar possível de resistência, de oposição à dominação.  Lugar de embate da língua, onde a língua fluída enfrenta/desliza/e se arrisca diante da língua imaginária.

Movimentando as noções de escrita, autoria, sujeito e instrumentos linguísticos no âmbito da Análise de Discurso, a noção de dicionário compartilhado é pensada por Biazus (2015) também a partir de duas obras do filósofo francês Jacques Rancière: “O espectador emancipado” (2010) e a “Partilha do sensível” (2005). Em “O espectador emancipado”, Rancière (2010) discorre sobre quem é o sujeito espectador e que lugar é esse que ele ocupa, tendo como cenário principal de suas reflexões o teatro. Para o autor, o espectador é visto pela sociedade como um sujeito passivo, como aquele que só olha, mas não age. Preso à cadeira, o espectador se torna “desprovido de qualquer poder de intervenção” (RANCIÈRE, 2010, p. 108). O teatro para o autor é tomado como espaço possível para se pensar as relações entre dominante e dominado, representando, para nós, o corpo vivo da comunidade. É no âmbito dessas reflexões que o filósofo então associa à palavra espectador o adjetivo emancipado, defendendo a ideia de que o espectador deve ser libertado da passividade do observador que fica preso à aparência e à identificação com os personagens no palco. O espectador desacomoda-se, confronta-se com aquilo que vê, reage de forma ativa ao que o palco mostra, movimentado sentidos outros do lugar de onde assiste à peça. A noção de espectador trabalhada por Rancière (2010) distancia-se, assim, do que é mobilizado pela sociedade: enquanto a última toma esse espectador num processo de alienação, a primeira esforça-se por encontrar “pontos de fuga”, “brechas” para sair desse lugar-comum e inerte a ele destinado.

Neste sentido, ao invés do teatro, deslocamos a cena e o espectador emancipado de Rancière (2010) para o âmbito da educação, a fim de pensar as relações entre o sujeito e a língua, entre o sujeito e a escrita. No contexto educacional, poderíamos pensar que só o mestre/professor é quem possui o conhecimento, é quem sabe a maneira certa de agir, de escrever, restando ao aluno obedecer, acatar e repetir o que lhe é ensinado. Há, nessas relações, uma oposição entre capacidade e incapacidade, entre aquele que detém o poder e aquele que é dominado por não tê-lo, isto é, o que ignora algo. A imobilidade e a passividade que a sociedade atribui àquele que ocupa o lugar de espectador ou aluno perpassa uma ilusão na evidência/transparência dos sentidos, negando àquele que está do outro lado da cena o ato de interpretar o que observa. Sendo assim, o dicionário compartilhado é pensado como um lugar que convida o sujeito a reconhecer/experienciar a emancipação que lhe é constitutiva, desestabilizando essa aparente imobilidade de equivalências e oposições. Sujeito que se emancipa na/pela escrita, na possibilidade de assumir sua função-autor, mobilizando posições e abrindo lugar para o confronto entre o eu e o outro, entre o mesmo e o diferente.

Vindo ao encontro dessas reflexões sobre a emancipação, bem como sobre a existência dessas equivalências e oposições que determinam uma distribuição de lugares (dominantes e dominados), Biazus (2015) retoma também a “Partilha do Sensível”, que o filósofo Rancière (2005) denominou como:

[...] sistema de evidências sensíveis, que revela, ao mesmo tempo, a existência de um comum e dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas.  Uma partilha do sensível fixa portanto, ao mesmo tempo, um comum partilhado e partes exclusivas. Essa repartição das partes e dos lugares se funda numa partilha de espaços, tempos e tipos de atividade que determina propriamente a maneira como um comum se presta à participação e como uns e outros tomam parte nessa partilha (RANCIÈRE, 2005, p. 15).

 

É com base na partilha do sensível que se determinam aqueles que podem ou não tomar parte no comum. Essa noção movimenta relações de poder, base da sociedade capitalista, ou seja, enquanto um domina, o outro é dominado. Segundo Rancière (2005), a noção compreende, ao mesmo tempo, a participação em um grupo comum e a separação de partes exclusivas. Entretanto, essa partilha do sensível não é pensada de forma estática, mas sempre em movimento, passível de deslocamentos, rupturas. A esse movimento possível no interior do processo de partilha do sensível, Rancière (2005, p. 13) denominou como estética: “um modo de articulação entre maneiras de fazer, formas de visibilidade dessas maneiras de fazer e modos de pensabilidade de suas relações, implicando uma determinada ideia da efetividade do pensamento”. As práticas estéticas são formas de visibilidade das práticas da arte, do que “fazem” frente ao comum, intervindo em outras maneiras de fazer, de ser. Assim acontece com a escrita, enquanto prática da arte, por meio da constituição de uma autoria, ou seja, ela mexe, mobiliza as formas de ocupar o lugar e o tempo, embaralha/embaça a partilha das identidades, dos espaços e suas ocupações. Nas palavras do autor, “circulando por toda a parte, sem saber a quem deve ou não falar, a escrita destrói todo fundamento legítimo da circulação da palavra, da relação entre os efeitos da palavra e as posições dos corpos no espaço comum” (RANCIÈRE, 2005, p.  17). É neste contexto então que Biazus (2015) pensa o dicionário compartilhado como uma prática da arte que desestabiliza o lugar do comum, possibilitando a emergência de espaços de ruptura, outras formas possíveis de partilhar o sensível.

Dessa forma, Biazus (2015) busca uma relação entre o sujeito que escreve no dicionário compartilhado e o espectador emancipado de Rancière (2010), pensando a escrita como um lugar possível do sujeito interpretar ativamente e criar sua própria tradução daquilo que vê e ouve, apropriando-se da história que lhe é contada, fazendo a sua própria história a partir daquela: autoria enquanto emancipação, escrita enquanto arte e o dicionário compartilhado enquanto uma nova estética. Assim, o dicionário compartilhado seria um lugar onde é possível brincar/jogar/fazer arte com as palavras e seus sentidos, abusar das possibilidades da língua sem preocupar-se com o uso ortograficamente correto. Lugar esse onde as vivências e o modo singular de o sujeito relacionar-se com a história são a base para a constituição de outros sentidos ou do que Rancière (2005) denomina como uma nova estética, isto é, outras formas de ocupar o lugar e o tempo, movimentando a ordem do mesmo, do comum. Neste sentido, o dicionário compartilhado é tomado de acordo com a noção de “partilha do sensível”, de Rancière (2005), sendo uma das formas, um dos lugares possíveis de segmentação/corte do comum que se dá a partir da estética, da arte, servindo de palco não só para aquilo que marca o modo como o comum produz sentido no sujeito, mas também o modo como esse sujeito toma parte e afeta a partilha desse comum. Nas palavras de Biazus (2015, p. 81):

 

[...] o dicionário compartilhado constitui-se enquanto uma experiência sensível, marcada por uma emancipação estética, que permite ao sujeito ir além no seu estado de dominação, restituindo o caráter ativo do seu pensamento e sensível do seu corpo. A palavra compartilhado vem para se contrapor com uma vivência individual, solitária, isolada. Mesmo que cada um tenha vivenciado de forma singular seu processo de escrita, a sua composição e forma se dá de maneira compartilhada, trazendo para esse espaço também as produções e sentidos movimentados pelo outro, afim de romper com a ideia da existência de sentidos únicos e de formas lineares de significar a realidade e as teorias que nos cercam.

Assim, podemos dizer que o dicionário compartilhado está no campo da expressão artística e não do instrumento linguístico – o que não impede que os resultados da construção de um dicionário compartilhado venham a compor, em um outro momento, o espaço de instrumentalização de uma língua –, uma vez que o rigor e o conhecimento necessários para a construção de um dicionário tradicional são substituídos pela experiência de uma emancipação na/pela escrita. Emancipação essa que também se faz presente na própria ação de escrever e que, no dicionário compartilhado, se encontra para além das palavras/das letras, registrando também os traços/sentidos do desenho, da música, da fotografia, dentre outras formas de expressão artística capazes de comunicar a grafia do desejo, da memória e da história, produzindo efeitos subjetivos no laço com o outro. Assim, “o dicionário compartilhado expande a noção de escrita para além das palavras, constituindo-se no seu próprio ato de feitura, ao movimentar a história no sujeito e o sujeito na história” (BIAZUS, 2015, p. 81).

Outro aspecto importante para pensarmos a ideia de dicionário compartilhado diz respeito à noção de “espaço urbano” proposta por Orlandi (2008). De acordo com a autora, o espaço urbano é um espaço simbólico particular, de sujeitos e sentidos, que demanda gestos de interpretação específicos, os quais constituem o discurso urbano. No interior desse espaço urbano/simbólico que é a cidade, sujeito e sentidos constituem-se a partir de relações sociais (urbanas) que “se significam na reprodução e na ruptura através da emergência de falas desorganizadas que significam lugares em que o sentido falta, incidência de novos processos de significação que atingem ao mesmo tempo a ordem da organização social urbana e do discurso” (ORLANDI, 2008, p. 186).

É a partir dessa perspectiva que se torna importante aqui mobilizar essa noção de espaço para pensar a constituição dos sentidos, pois é a partir do espaço urbano que os sujeitos construirão seus dicionários compartilhados, elencando e significando suas palavras dentro de determinadas condições de produção. A construção do sentido configura-se com o acesso ou não do sujeito ao interdiscurso, constituindo-se em um espaço “de divergência, de diferença, do dissenso, o que espelha as relações de contradição sociais que (de)marcam as cidades; espaço de sujeitos e de seus modos de significar que não são os mesmos, sem dúvida, posto que o sujeito é cindido, dividido, heterogêneo, assim como os cantos da cidade o são” (ORLANDI, 2008, p. 105). E é assim que observamos como se dá o processo de construção dos dicionários compartilhados, eles estão em funcionamento no espaço urbano.

 

A experiência de criação de um dicionário compartilhado

A criação de um dicionário compartilhado não exige por parte daquele que a experiencia a especialidade de um lexicógrafo, mas sim de um sujeito que reflita e compreenda como se dá a prática social, possibilitando assim novas partilhas do espaço comum, “novas formas de habitação do mundo sensível” (RANCIÈRE, 2010, p. 101). Neste sentido, o maior compromisso do dicionário compartilhado não é com o uso correto da língua e com o controle sobre ela, mas sim com a expressão da subjetividade. Dessa forma, não nos interessa tanto o resultado, mas o processo, a experiência do sujeito que se aventura a escolher palavras e criar sentidos a partir da sua história e de suas condições de produção.

Assim, o dicionário compartilhado não diz só daqueles que o escrevem, mas também do contexto social, cultural e político, o qual esses sujeitos habitam. A escrita e a arte em suas mais diversas formas de expressão possibilitam (re)significar as relações desses sujeitos consigo mesmos, com o outro e com o espaço social que os constitui. Considerando isso, pensamos a construção de um dicionário compartilhado como esse espaço possível de encontros outros entre o sujeito, a história, o político, o ideológico e o simbólico. Dessa maneira, faz-se sempre importante conhecer e refletir sobre as condições de produção a partir das quais se dará a construção do dicionário compartilhado, o lugar/contexto físico-geográfico e simbólico a partir do qual os sujeitos falam e significam.

Frente a essas reflexões, importa chamar a atenção para a palavra experiência, a qual introduz o título deste artigo, bem como deste subtítulo. Benjamin (1985), filósofo alemão, nos alerta para a diferença existente entre as palavras vivência e experiência. Segundo o autor, a vivência é da ordem da repetição, onde o sujeito busca tecer aproximações entre o que vê e o que já sabe, numa tentativa ilusória de controlar os sentidos. Já a experiência é da ordem do estranhamento, daquilo que produz questionamento em relação ao já-dito, que produz movimentos e deslocamentos em certezas que até então se apresentavam como verdades absolutas para esse sujeito. A experiência desconcerta, desacomoda, nos implica numa reinvenção da realidade e das formas de nos relacionarmos com ela, criando territórios existenciais mais ricos. Por isso pensamos ser tão interessante associar a palavra experiência, no sentido que Benjamin (1985) nos apresenta, à criação de um dicionário compartilhado, uma vez que esse processo exige do sujeito a possibilidade de questionar o já-lá, desestabilizando certezas que buscam sustentar vidas. Por essa razão, podemos dizer que o dicionário compartilhado coloca-se “enquanto fazer político, estando ele atravessado pelos laços sociais do seu tempo e enquanto ato criativo, inscrevendo-se como produtor de rupturas e descontinuidades na construção da subjetividade, apontando para os restos, equívocos, rasuras, hesitações e tropeços” (BIAZUS, 2015, p. 146). A criação de dicionários compartilhados nos constitui, constitui os sujeitos envolvidos e, certamente, o que deles resultou carrega em si o processo e um pouco de cada um de nós. Vamos a eles.      

 

O Dicionário Compartilhado da/na Cuica

Falar dessa experiência é falar como e onde tudo começou. Precisamos dizer que, em um primeiro momento, não foi fácil fazer com que os sujeitos questionassem aquilo que denominavam e entediam enquanto verdades, certezas, saberes absolutos, escolarizados, (im)possíveis de serem questionados. Criar um dicionário compartilhado significava romper, de certa forma, com o saber escolar daqueles sujeitos, de onde advém o conhecimento acerca do que é um dicionário, relacionando-o basicamente a um instrumento responsável por “garantir” a ortografia correta, o controle dos sentidos. Diante da ideia de que poderiam ser autores, mexer e desestabilizar palavras/ sentidos e criar um dicionário, era possível perceber que esses sujeitos ficaram paralisados e, ao mesmo tempo, contraíram certo medo e relativa desconfiança de que essa experiência imprevista pudesse ser possível; mas, sim, havia um desejo de ocupar esse lugar.  Diante disso, não era possível fazê-los sentar e escrever, construir verbetes; era necessário mais, era fundamental fazê-los vivenciar a possibilidade de brincar/jogar com os sentidos, de se subjetivar a partir da escrita, das palavras. 

Dessa forma, planejamos atividades em que fosse possível os jovens reaproximarem-se da escrita, das palavras, configurando um espaço de pensamento, de questionamento e de ruptura dos sentidos, os quais, ilusoriamente, o dicionário busca estabilizar, garantindo o uso correto da língua e o controle sobre ela. Nomeamos esse primeiro movimento de “Jogando com as palavras”. Dentro desse movimento, a primeira atividade consistiu em desafiarmos os jovens a participar de uma brincadeira que funcionou da seguinte forma: os jovens formaram grupos e cada grupo recebeu o nome de um filme conhecido. A proposta foi que cada grupo mudasse pelo menos uma palavra do título do filme por outra que quisesse e que fizesse parte do cotidiano deles na Associação Cuica. Depois, cada grupo explicou qual o “novo” sentido que o filme ganhou com a troca de palavra. Em outro momento, ainda dentro desse primeiro movimento, foi proposta uma segunda atividade onde pedimos aos jovens que buscassem, no interior dos diferentes dicionários que lhes disponibilizamos, palavras tais como “Boca braba” “Boca pra nada”, escolhidas por nós a partir da música “As razões do boca braba”[4], de autoria do cantor gaúcho João de Almeida Neto. Por se tratar de expressões características do cenário gaúcho, a ideia com essa atividade era que os jovens percebessem que esse instrumento apresenta falhas, é incompleto em relação às possibilidades de sentidos e, sendo assim, não pode colocar-se como detentor de um saber/verdade única e incontestável. Já na terceira e última atividade desenvolvida com os jovens, apresentamos os verbetes musicados de José Horta Nunes “mendigo” e “favela”, propondo a eles que criassem seus próprios sentidos para essas palavras.

Sobre esse primeiro movimento, “Jogando com as palavras”, é relevante destacarmos que os novos sentidos mobilizados a partir dessas atividades trouxeram a marca de um discurso de valorização do lugar onde esses jovens estavam, bem como das pessoas que faziam parte daquele lugar, possibilitando assim novas formas de relação e práticas com o espaço Cuica e seus integrantes. Os novos filmes criados, bem como a (re)significação das palavras “mendigo” e “favela” também disseram de seus modos de existência e das relações sociais que praticavam. Ao conseguirem deslocar os sentidos do lugar comum, aqueles jovens criaram outras formas de dizerem o que são, o que pensam e o que desejam, contando suas próprias versões acerca da história que lhes é contada. Em relação à atividade de consulta aos dicionários para saberem os sentidos das palavras “boca braba” e “boca pra nada”, foi interessante observar os sentimentos despertados nos jovens frente ao fato de não encontrarem as palavras nos dicionários: irritação, insegurança, desconfiança, raiva. Ao depararem-se com a “falha” do dicionário, reconhecendo o fato de que o mesmo não é o lugar do saber absoluto, os jovens tiveram que se deslocar do lugar do sentido já pronto e estabilizado, questionando e deslocando suas certezas, buscando e construindo outros espaços para a língua do cotidiano.

O segundo movimento que fez parte da construção do dicionário compartilhado da/na Cuica foi nomeado como “Construir/criar sentidos”. Nesse “movimento”, os participantes foram convidados a pensar e a selecionar as palavras que fariam parte do seu dicionário. Percebemos, nesse momento, uma dificuldade em relação à decisão: houve um grande estranhamento diante da liberdade de escolha. Eles perguntavam: “Eu posso escolher qualquer palavra mesmo?”; “Eu posso colocar o que eu quiser nesse dicionário?”. Ao mesmo tempo em que parecia tentador poder definir palavras, poder ter a liberdade da escolha era também ameaçador e confuso. A contradição foi presença constante, e foi preciso trabalhar com isso. Percebemos que eles buscavam, na folha do colega ao lado, uma ideia, um caminho possível, talvez uma oportunidade de livrar-se da responsabilidade da decisão. A partir da atividade desenvolvida e do material coletado, podemos observar que, naquele primeiro momento de eleição e de definição dos verbetes, os jovens apresentaram certa dificuldade em deslocarem-se, saírem da ordem da evidência, movimentando os sentidos. Ao invés de construção de sentidos engendrados na e pela Cuica, víamos, em grande parte, apenas uma reprodução do mesmo, remetendo-nos ao lugar comum do jovem escolarizado, não nos dando a conhecer o sujeito da/na Cuica. Segundo Teixeira (2011), é papel do analista de discurso mostrar a opacidade da língua, provocando gestos de interpretação e deslizamentos de sentidos. Foi o que começamos a fazer, ao questionarmos os sujeitos sobre as palavras que haviam escolhido, mobilizando-os a pensar sobre o que significava fazer parte da Cuica e o que representava aquele espaço.

Dessa forma, frente a essas reflexões, os jovens retomaram suas escolhas em relação aos verbetes, conseguindo de fato experienciar a construção de sentidos, produzindo outros efeitos, outros movimentos, diferentes daqueles que estamos acostumados a ver. A cada palavra escolhida, a cada sentido criado, um sujeito também se constituía, autor da narrativa, movimentando da sua maneira o espaço Cuica. Ao contrário do que observamos no dicionário tradicional, não há no dicionário compartilhado uma linearidade, muito menos um “ideal de completude”. Há sim, a marca da primeira pessoa, das reticências, da rasura, de uma oralidade que se quer grafada, que se pretende da ordem da escrita. Essas marcas evidenciaram sentidos atravessados pela experiência de cada um, pelo modo como eram afetados pela vivência de fazer parte da Cuica. Apresentamos  a seguir os verbetes “Emoção” (figura 1) e “Tocar por Maria” (figura 2):

 

Figura 1 – Verbete “Emoção” criado por um jovem da Associação Cuica

Tela de computador com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Biazus (2015)

 

Figura 2 - Verbete “Tocar por Maria” criado por um jovem da Associação Cuica

Uma imagem contendo foto, preto, velho, mesa

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Biazus (2015)

 

            O terceiro e último movimento que fez parte da criação do dicionário compartilhado da/na Cuica foi nomeado de “Indo além das palavras escritas”. Nele, apresentamos a produção da linguagem por meio de diferentes materialidades discursivas, como o desenho e a música, as quais foram utilizadas pelos jovens da/na Cuica como outra possibilidade ou forma de simbolizar os verbetes e os sentidos que haviam construído. Diante dessas outras formas de expressão artística, foi possível observarmos que tanto na escrita, quanto na música e no desenho temos um espaço de constituição de sujeitos e de sentidos, onde a subjetividade se encontra em constante movimento e (trans)formação. Nesse território do que estamos pensando aqui como um “para além das palavras escritas”, ou ainda como uma “emancipação da escrita”, é possível ao sujeito viver e experimentar uma ludicidade gráfica, rítmica, como se o escritor, o músico e o desenhista brincassem com o fluxo das palavras, dos sons, dos traços e das cores, segurando-os em alguns momentos e deixando-os escorrer em outros. Compreendemos ser justamente nesse espaço lúdico o lugar onde se encontra a possibilidade da polissemia, da metáfora, da autoria, da (re)existência e, assim, da criação do dicionário compartilhado. A seguir, o desenho (figura 3) produzido referente ao verbete “tocar”, anteriormente apresentado:

 

Figura 3 - Desenho criado por um jovem da Associação Cuica, em referência ao verbete “Tocar por Maria”.

Uma imagem contendo texto, mapa

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Biazus (2015).

 

Para finalizar o processo de criação do dicionário compartilhado da/na Cuica, convidamos os jovens a escreverem prefácios que pudessem apresentar a obra da qual eram os autores. Compartilhamos aqui uma dessas escritas (figura 4) por acreditarmos que por si só dá conta de mobilizar o sentido dessa experiência para esses jovens e o que para eles essa atividade possibilitou:

 

Figura 4 – Prefácio[5] escrito por um jovem da Associação Cuica

Tela de computador com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Biazus (2015)

 

           

Os Dicionários compartilhados no ensino superior: uma experiência na formação em psicologia

No primeiro semestre do ano de 2017, foi sugerido aos acadêmicos do quinto semestre do curso de Psicologia da Uri-Santiago que construíssem, ao longo da disciplina de Psicodiagnóstico, um dicionário compartilhado, elencando as palavras que desejassem que fizessem parte desse material, bem como (re)criando os seus sentidos e significados. Foi explicado para eles que essa atividade não resultaria em um “certo ou errado”, pois era algo que falava da singularidade, da subjetividade deles e, que, por isso, eles poderiam sentir-se à vontade para criar e não precisariam preocupar-se com um uso restritivo de teorias ou normas. A construção desse dicionário compartilhado, o qual denominamos “Dicionário Compartilhado do psicoterapeuta em formação”[6], propôs-se a estar atrás ou, até mesmo, antes da teoria, buscando vê-la em seu avesso e fazendo-a perder seu efeito inibidor. Da mesma forma, no primeiro semestre do ano de 2018, foi proposta a construção de um “Dicionário Compartilhado do (Des)envolvimento Humano”[7], para os acadêmicos do terceiro semestre do curso de psicologia, na disciplina de “Psicologia da Adolescência e Idade Adulta”. A ideia era de que pudessem também escolher ou criar palavras que significassem para eles as diferentes fases do desenvolvimento humano, construindo um sentido próprio para elas, tendo que para isso recorrer as suas próprias histórias, experiências, indo assim para além do que o campo teórico nos apresenta.

Dentro dessas propostas, buscamos também pensar o lugar da escrita e sua importância na formação em psicologia, compreendendo-a enquanto espaço de subjetivação, isto é, enquanto espaço que permite ao sujeito assumir sua posição simbólica, impulsionando-o à invenção de novas configurações subjetivas, a uma construção e reconstrução do Eu. Não falamos aqui propriamente da escrita científica, mas de uma escrita mais livre, talvez menos pretensiosa e, por isso, mais íntima. A escrita científica, a produção de artigos, é algo perseguido e almejado no meio acadêmico, porém enquanto professoras pensamos que, antes disso, tenhamos que possibilitar uma experiência e um (re)encontro do estudante com esse espaço, muitas vezes desgastado pelo sistema educacional. Percebemos, na nossa prática docente, o quanto a escrita é um território desconhecido e ameaçador para os nossos alunos, como se só os teóricos pudessem e soubessem usufruir dele. Assim, acreditamos que se deva (re)pensar e explorar mais essa relação, tornando possível um encontro mais seguro, significativo e criativo entre o estudante e a escrita. Neste sentido, a ideia de construção desses “Dicionários Compartilhados”, propôs também oferecer ao aluno um espaço de experimentação dessa escrita, ou talvez, de reencontro com ela, a fim de que fosse possível vivê-la de uma forma mais livre e não tão preocupada com as questões teóricas e as exigências científicas.

Diante do material produzido pelos acadêmicos, das palavras escolhidas e (re)significadas para compor os seus dicionários, acreditamos que a escrita pôde ser vivenciada por eles enquanto um lugar possível para a construção de sentidos diferentes, divergentes, contribuindo para a construção de uma relação singular com a ideologia que os domina e, dessa forma, resistir a ela no espaço do papel, da letra. Compartilhamos aqui os verbetes “Acordar” (figura 5) e “Aprender” (figura 6), criados pelos acadêmicos como forma de ilustrar esse processo:

 

Figura 5 - Verbete “Acordar” criado por um acadêmico do sexto semestre do Curso de Psicologia para compor o “Dicionário Compartilhado do psicoterapeuta em formação”

 

Caixa de Texto: Acordar - Acordar para a realidade mesmo ela sendo pesadelo. A-corda(r) que ira nos conectando a sentimentos e pessoas para rasgar o véu dos pesadelos e assim torna-los mais suportáveis-mais vivos.

 

 

 

Fonte: Acervo das autoras

 

Figura 6 - Verbete “Aprender” criado por um acadêmico do terceiro semestre do Curso de Psicologia para compor o “Dicionário Compartilhado do desenvolvimento humano”.

 

Tela de celular com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Acervo das autoras

 

Nas palavras de Orlandi (2008, p. 204), a escrita “é uma forma de relação social. Ela estrutura relações”, sendo a letra o traço da entrada do sujeito no simbólico. “Traço que marca o sujeito enquanto sujeito, em sua possibilidade de autoria, frente à escrita” (ORLANDI, 2008, p. 204). Com isso posto, podemos dizer que a escrita é um espaço onde o sujeito se subjetiva, podendo ocupar diferentes posições-sujeito, inclusive a de autor. A escrita é sempre escrita de si, lugar onde o sujeito constrói sua identidade através dos movimentos produzidos na/pela memória e das marcas que a alteridade lhe imprime, num constante processo entre o eu e o outro, o dentro e o fora, o familiar e o estranho.

Vivenciar a construção de um dicionário compartilhado, escolhendo palavras e criando sentidos, mobilizou, nos acadêmicos, movimentos que os conduziram para dentro e para fora de si, evidenciando, em suas escritas, as marcas de um contexto que não só os constitui, mas também os significa. As palavras e sentidos que compõem essas obras carregam histórias não só alinhavadas às teorias e abordagens psicológicas, mas também ao ambiente no qual estamos inseridos, a nossa realidade e àquilo que constitui a nossa singularidade. Enquanto professoras, (re)viver a construção de um dicionário compartilhado, agora no âmbito da psicologia, fez-nos questionar as teorias psicológicas, a própria formação em psicologia e, em especial, o ensino da Psicanálise na universidade.

Diante disso, entendemos que no espaço acadêmico de formação desses profissionais temos que compreender o aluno para além da sua posição de leitor, contemplando também sua função de autor e experimentador, capaz de (re)pensar e (re)criar a teoria por meio do juízo crítico acerca das obras publicadas/estudadas. Não estamos aqui dizendo que devemos evitar as teorias, mas sim nos aproximarmos delas sabendo que são móveis e que jamais se mantêm intactas com o passar do tempo. Nesta perspectiva, Herrmann (2001) defende a ideia de que precisamos de um tempo “pré-teórico” nas nossas práticas ou de uma relação de “distanciamento com as teorias”, para que possamos enxergar melhor o paciente e também compreender de que maneira aqueles conceitos fazem sentido em/para mim. Assim, se faz necessário abandonar, por alguns momentos, a confortável estabilidade e segurança que a reprodução teórica nos gera, tal como os dicionários tradicionais, para adentrarmos o terreno do “não saber” e encararmos a “realidade polissêmica” presente nos discursos dos nossos pacientes/alunos. É no encontro com as nossas práticas que vimos emergir a necessidade de movimentar a teoria, de criar “pequenas versões particulares” acerca dela, a partir das histórias narradas e ilustradas.

 

Palavras finais...

Ao final desta escrita, ainda nos faz companhia o desejo que a impulsionou: compartilhar com outras pessoas, outras áreas e campos do saber a potente experiência de criação de um dicionário compartilhado. Benjamin (1985) já nos dizia que uma vivência só se torna experiência quando envolve sua transmissão ao outro, quando se torna possível um compartilhar de sentidos. Pensamos ser essa a grande finalidade deste artigo e, ao mesmo tempo, a contribuição do dicionário compartilhado para o âmbito educacional: possibilitar um encontro entre o eu e o outro, entre o que é coletivo e o que é singular, entre o já-dito e aquilo que irrompe provocando furo no que se apresenta como perfeitamente estabelecido e movimentando assim outros sentidos. É nesse lugar de entremeio, em que se dá a criação do dicionário compartilhado, que a experiência de emancipação do sujeito torna-se possível, desestabilizando o lugar do comum, a aparente imobilidade das equivalências e oposições.

Acreditamos ser extremamente significativo pensar um espaço possível de autoria, emancipação e resistência na/pela escrita em uma sociedade capitalista, regida por uma lógica dominante da verdade da ciência e que desacredita na potência dos processos de singularização. No espaço do dicionário compartilhado, os sentidos, palavras, imagens, traços e sons criados não exigem do sujeito a referência a um real visível, mas sim uma (re)apropriação da história e da memória, uma retomada da primeira pessoa na produção dos sentidos. Dessa forma, tentamos mostrar que a exterioridade legitima muito mais uma língua do que o seu regramento. Um dicionário compartilhado é feito de partilhas no interior de um dado grupo. Ele não é um espaço de propriedade de A ou de B. Ele é de quem decide/escolhe/deseja por ele passar ou nele estar. Espaço de passagem, de transição, do mesmo e do outro, sempre na condição de inacabado, aberto e afetado pela exterioridade. Assim, os traços, a forma e a estrutura de um dicionário compartilhado dependem de quem entra nesse espaço e com ele se relaciona.

Buscamos por meio da retomada de noções teóricas importantes à nós e ao campo da Análise de Discurso, explicitar como se deu a construção desse percurso que nos levou a definição do que nomeamos como dicionário compartilhado. Amparadas pelo campo da Arte, da Filosofia, da Psicanálise e da Análise de Discurso apresentamos o terreno fértil e potente do dicionário compartilhado, dividindo nossas experiências e narrativas a fim de instigar o leitor a também aventurar-se nesse percurso. Compreendemos que a construção da noção de dicionário compartilhado que apresentamos neste trabalho não está pronta ou concluída. Nosso maior desejo, ao colocarmos um ponto final, é de que, para o dicionário compartilhado, seja apenas um início, que outras subjetividades possam emergir por ele, que outras experiências possam ser possibilitadas a partir dele e que ele seja sempre e cada vez mais habitado pelo outro.

Por fim, defendemos a ideia de que o dicionário compartilhado possibilita ao sujeito novas formas de partilhar o sensível, ocupando outros lugares e estabelecendo diferentes relações entre a sua realidade interior e o mundo a sua volta, construindo práticas sociais e criando diferentes sentidos para a sua existência.

 

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Data de Recebimento:29/01/2020
Data de Aprovação: 13/04/2020

 

[1] A tese de doutorado originou o livro: “Dicionário compartilhado: um encontro entre escrita, Análise de Discurso e Psicanálise”, que será lançado pela editora APPRIS no primeiro semestre de 2020.

[2] Na época, a Cuica era um espaço social que desenvolvia atividades culturais com jovens que viviam em situação de vulnerabilidade social no bairro Camobi, na cidade de Santa Maria (RS), priorizando a inclusão social e o desenvolvimento de crianças e adolescentes, por meio da educação musical.

[3] Pesquisador do Laboratório de Estudos Urbanos (NUDECRI-UNICAMP), onde atua na área de Estudos do Léxico Urbano. Insere-se nos estudos urbanos por meio da perspectiva da Análise de Discurso, desenvolvendo pesquisas a respeito de discursos de/sobre a cidade (urbanísticos, administrativos, de movimentos sociais, mediáticos, artísticos, cotidianos, lexicográficos), com ênfase para a análise de sentidos das “palavras da cidade” nos discursos. Parte desses estudos é dedicada à compreensão dos sentidos em vias e praças públicas.

[5] Neste artigo não iremos tratar sobre a rasura, mas a reconhecemos como constitutiva da autoria e da produção da subjetividade. Sobre esse assunto sugere-se a leitura do livro “Dicionário compartilhado: um encontro entre escrita, Análise de Discurso e Psicanálise”, de autoria de Camilla Baldicera Biazus que será lançado pela editora APPRIS no primeiro semestre de 2020.

[7] Disponível em: https://issuu.com/mariasilva1994/docs/ebook-oficial . Acesso em: 02 jan. 2020.