Apresentação

E lançamos o primeiro número do volume 26 da revista Rua em plena pandemia. Para nós é um gesto muito significativo mantermos esse importante instrumento científico com fôlego e força para circular análises sobre distintos processos de significação em múltiplos espaços-tempos das cidades. Mas não é simples realizar isso nas atuais condições. Assim, se a revista Rua nunca se faz sozinha, é preciso aqui agradecer de modo muito especial e específico aos autores e pareceristas que continuaram com vigor seus trabalhos de escrita e leitura de artigos, apesar de todos os desafios que estamos enfrentando, assim como a todos da equipe da Rua que a mantêm em dia e forte e bela. É preciso ainda agradecer à UNICAMP que vem construindo condições para que todos os seus integrantes continuem trabalhando de modo remoto e seguro. E é preciso agradecer àqueles profissionais da UNICAMP cuja função exige o trabalho presencial. A todos nosso agradecimento científico-político-institucional por tudo o que cada gesto de cada um de vocês significa na ciência, na sociedade, na vida em comum. OBRIGADA!

Nossa seção Estudos é composta por 15 artigos que nos trazem análises de tempos e espaços bem diferentes entre si, mostrando-nos a força e regularidade dos sentidos em seus percursos histórico-políticos. Em Ética e argumentação abolicionista: (anotações a um texto de José do Patrocínio), Eduardo Guimarães analisa alguns movimentos de designação e argumentação no Manifesto da Confederação Abolicionista do Rio de Janeiro, de José do Patrocínio, de 1883, com foco na reflexão sobre valores éticos, a partir de análises semânticas específicas. Em Espaço urbano pela narratividade dos anúncios de Jornal no Brasil oitocentista de Vinicius Brito, temos uma análise sobre o modo como a imprensa anunciava o espaço urbano no Brasil oitocentista, especialmente no tocante à morada no século XIX. Por seu lado, observando o final da década de 30 do século XX, Denise Machado, em O descobrimento (de uma língua) no cinema brasileiro, compreende que o filme “O descobrimento do Brasil” de 1937, de Humberto Mauro, marca a institucionalização do cinema no Brasil. Também lançando o olhar analítico para o espaço do cinema, André Calvacante e Vanise Medeiro, em Um corpo autêntico: reflexões acerca da transexualidade a partir de tudo sobre minha mãe de Almodóvar, refletem sobre corpo, transexualidade e resistência em torno de enunciados em uma cena-monólogo do filme. Por sua vez, movendo seu olhar para aquilo que designam enquanto “territórios ausentes”, Fernando Espósito Galarce e Federica Linares, em Cartografias [des]veladas: Situações de residualidade urbana e o caso do Morro do Castelo, trazem para a cena o que se significa enquanto não-presença e enquanto parte integrante da cidade. Ainda observando as relações tensas entre espaços e sujeitos legitimados ou não no funcionamento da cidade, o artigo Gentrificação, mídia e poder simbólico: reflexões sobre o consumo do espaço urbano mercantilizado, de João Flávio Menezes Amaral e Isadora Meneses Rodrigues, nos mostra como o processo de gentrificação é intensificado pela midiatização da experiência urbana e da fabricação de lugares que estrutura a cultura de consumo. Mantendo-nos nas relações de consumo e fabricação simbólica de espaços, o artigo Políticas públicas patrimoniais: O tombamento Art Déco em Goiânia (GO), de Jackeline Mendes Ferreira e Adriana Mara Vaz de Oliveira, traz para a cena a (não) identificação dos sujeitos com patrimônios históricos que desconhecem as relações de pertencimento da sociedade ou de parcela dela, porém respondem a demandas econômicas. Essas mesmas demandas econômicas podem ser observadas em Discursos imobiliários e o reforço da imagem urbana no bairro Jundiaí, em Anápolis, GO, de Ana Laura Lopes Cabral e Milena d’Ayala Valva, no qual fica patente a relação entre o desenho urbano, as estratégias de marketing, a especulação imobiliária e as (não)identificações dos sujeitos nesses espaços. Também observando este funcionamento de (não) pertencimento, o artigo Relações entre sujeitos em Campina do Monte Alegre após a implantação da UFSCar, de Ilka de Oliveira Mota, procura trabalhar com as ressignificações que a presença de uma universidade pública pode provocar em um espaço citadino determinado, levando em consideração, sobretudo, as tensões produzidas por imaginários sobre o conhecimento legitimado na relação com os sujeitos que podem e que imaginariamente não podem estar no espaço de uma universidade. Refletindo também sobre os sentidos de legitimação, especificamente na relação dos sujeitos com suas línguas, Rubiamara Pasinatto, em A língua que “une” é a mesma que divide: discriminação e marginalização de catadores de materiais recicláveis a partir das suas relações com a Língua Portuguesa, observa os processos de identificação de sujeitos e línguas junto a um grupo de catadores de materiais recicláveis. É também com a língua que o artigo A experiência de criação de um dicionário compartilhado: a escrita como novas formas de “partilha do sensível” no espaço urbano, de Camilla Baldicera Biazus e Verli Petri se relaciona, mostrando a potência político-simbólica de um conhecimento ser produzido coletivamente, afetando positivamente a relação de pertencimento e identificação dos sujeitos com suas línguas quando a construção de um instrumento tecnológico como o do dicionário é uma partilha coletiva. Ancorando o gesto de análise também em tecnologias – dos dicionários e das capturas de imagem no digital, Maraline Aparecida Soares e Silvia Regina Nunes, em Da opacidadade da plavra selfie no discurso digital, apresentam uma análise lexicográfica discursiva sobre o processo de significação na palavra ‘selfie’. Ainda no campo das tecnologias, Soluções para as cidades e impacto das TIC’s: tensionamentos das/nas cidades inteligentes, de Carina Ochi Flexor e Guilherme Ricardo Oliveira Alves trabalham com a noção de ‘cidades inteligentes’, mostrando algumas das problemáticas envolvidas nessa discussão. Olhando para a performance como uma tecnologia para se ocupar as ruas em formas diversas de corpos que protestam, Carlos Henrique de Lima nos apresenta seu artigo Ativismo e performance: aspectos da aliança dos corpos nas ruas. Vertendo o olhar também para o corpo na rua, Fragmentos do discurso de um samba no asfalto, de Lucília Maria Abrahão e Souza, Marco Antonio Almeida Ruiz e Dantielli Assumpção Garcia, fecha nossa seção Estudos com a análise de deslocamentos de sentido instalados no samba-enredo “História pra ninar gente grande”, da Estação Primeira de Mangueira no carnaval de 2019. A seção Notícias e Resenhas conta com uma resenha de Matheus França Ragievicz sobre o primeiro volume do livro “O discurso nas fronteiras do social”, realizado em homenagem à Suzy Lagazzi e com as já habituais notícias do Laboratório de Estudos Urbanos. E a seção Artes recebe três produções artísticas que nos convidam a circular por sentidos da pandemia que afetam os sujeitos de modos distintos, com Aforismo verbo-visual de Carlos Nigro, o poema sem título de Eduardo Aleixo Monteiro e o ensaio Em cada janela vejo um lugar, um novo lugar de Leticia Santana Gomes.

Boa leitura!

Fiquem bem!

E, se possível, fiquem em casa!